Fui dormir um pouco grogue, estive reunido em família celebrando e brindando por uma saudável viagem uterina de um novo neto, um pouco tardia e imprevista, e por isso mesmo, acho que passei um pouco da marca do pênalti, mas nada que um Engov não resolva, mas mesmo assim, antes de desmaiar, fui assaltado por um lampejo de realidade, realidade assustadora do futuro que tínhamos para oferecer ao Gabriel, pois esse tinha sido o nome resultante das numerosas doses.

Dormi, dormi e sonhei, numa névoa de irrealidade, que estava num sofá da minha sala conversando com Gabriel, meu neto, com vinte anos, achei ele parecido comigo.

Gabriel, estou um tanto confuso, não me lembro de seu nascimento, nem de seu crescimento, parece que estou acordando agora, o que aconteceu? O Bolsonaro ainda é presidente?

Oi! Vô! Você dormiu muito, não viu o tempo passar, deixa eu te atualizar, Bolsonaro desistiu da candidatura, tentou a vaga de senador pelo Rio para segurar o “foro” e perdeu, ele fugiu e ainda vive, na Polónia, os filhos fugiram para os Estados Unidos e tocam uma franquia do McDonald’s.

Já o Lula, perdeu no 1º Turno para aquele juiz da Lava Jato, foi processado novamente em Brasília, condenado em todas as ações e teve as penas anuladas por motivos humanitários, pois de tanto mentir, o Alzheimer tomou conta e eu não sei se ainda vive naquele seu apartamento de São Bernardo, pois depois que deixou de dar leite, ficou completamente esquecido.

Mas, Gabriel, eu não posso acreditar, cadê a Cidadã, protetora da Hidra da corrupção, cadê a Segundona, lacaia do Lula?

Há Vô! Não tem mais Cidadã, não tem mais Segundona, tudo mudou! Em 2022, antes das eleições, parece que a sociedade se organizou em associações, ONGs, blogs na internet, redes sociais e um tal de Ranking dos Políticos, e boicotou todos os candidatos que tinham contas pendentes com a justiça, com a moralidade da coisa pública e com os interesses do povo, foi um desastre, não houve eleitos suficientes para preencher as vagas, o ex presidente que tinha perdido a eleição para senador, apoiado por uma facção de fanáticos de extrema direita e uma tal de Hidra, a organização criminosa que coordenava a corrupção no pais, tentou dar um golpe no presidente eleito, mas a pesar do apoio da ala militar da Hidra, a Seção 2 Contracheques, as FFAA mantiveram-se fieis à Nação e o golpe gorou.

Diante do impasse eleitoral e suas consequências, por iniciativa do presidente eleito, um grupo, que chamavam de Muda Senado, arrancou um decreto legislativo do Congresso e a chancela do STF, para realizar um plebiscito nacional com várias alternativas de ação constitucional, e o resultado, por mais de 80%, foi “Nova constituição elaborada por comissão exclusiva, representativa do perfil do eleitorado nacional”.

Então, Gabriel, uma nova carta de alforria para os de sempre? Não, Vô, ao tirar os políticos profissionais da elaboração da Carta, nasceu uma constituição com a verdadeira cara da nação brasileira, tentando corrigir as práticas negativas e defeitos históricos, procurando incentivar a fraternidade, as virtudes cívicas e o espirito de progresso, prosperidade e justiça social. Foi uma revolução sem sangue, mas com muita luta e atritos culturais, o povo teve que aprender que a esperteza, a corrupção, a fraude e a violência não eram mais o caminho do sucesso, mas do presídio mais próximo.

Na área geopolítica também houve uma certa demora para aceitar que o país não era mais um virtual Estado Criminoso, que pelo contrário, tinha se transformado num vigoroso defensor do meio ambiente, com severos programas de proteção ambiental e duríssima legislação de controle e punição da grilagem de terras em biomas protegidos, da mineração e extração de recursos não renováveis e garimpos em cursos de água. A transparência das ações e práticas governamentais tinham chegado a níveis dinamarqueses e o crime de corrupção hoje é objeto de estudo histórico, comparável ao da escravidão.

Veja, alguns índices sociais da época em que o Vô dormiu, que meu pai diz que você denunciava nos seus textos e comentários porque envergonhavam o país, hoje são motivo de orgulho: PC - 97 (índice de percepção de corrupção), atrás somente de Nova Zelândia, Finlândia e Dinamarca; Ranking Pisa de Educação, 7º lugar, na frente de Irlanda e Coreia do Sul; PIB P/Cápita – 2041 = US$ 33.800, 5º lugar, na frente do Reino Unido; 6ª Economia Mundial e o maior orgulho nacional, superamos a barreira dos 100 pontos de QI nacional, o que nos situa em 10º lugar junto com a Suíça, contra os 88 pontos e 79º lugar de vinte anos atrás.

Mas, Gabriel, eu não estou entendendo, como essa população desligada das responsabilidades democráticas, quase na sua totalidade, e nossos governos e parlamentares ligados no exclusivo interesse próprio, conseguiram esses triunfos?

Oh, Vô! Foi a Socorrista, que chegou no último momento e fez respiração boca a boca, legando-nos a Constituição da Nação Brasileira, com apenas 80 artigos e, até agora, nenhuma emenda. Foi uma amostragem muito perfeita da sociedade que elaborou o plano de voo deste país rumo à felicidade de seu povo. Mudou tudo, agora já não é presidencialismo, agora é um parlamentarismo exercido por uma Câmara com 253 deputados e um Senado revisor com 54 senadores. O Primeiro Ministro é escolhido pelo Congresso entre seus membros ou na sociedade.

O Presidente da República segue sendo eleito pelo eleitorado nacional, com mandato de cinco anos, sem reeleição, que foi abolida pela Carta de 23. Sua função é de Chefe de Estado e Chanceler máximo do País,   comandante das FFAA, primeiro árbitro em divergências entre os Poderes e defensor dos direitos do cidadão.

O poder executivo é chefiado pelo Primeiro Ministro e exercido com o auxílio de nove ministérios, com uma particularidade, os ministérios têm dois secretários gerais, um Secretário Geral Administrativo, escolhido entre os funcionários de carreira, e um Secretário Geral Técnico, contratado entre profissionais de alto gabarito, podendo ser estrangeiros, técnicos alemães, neozelandeses, coreanos, suecos, finlandeses, japoneses, etc., fizeram parte dos ministérios dos primeiros governos parlamentaristas e do desenvolvimento fantástico dos índices sociais, econômicos, educacionais e tecnológicos do país.

Puxa, Gabriel, que loucura, e por acaso não houve um secretário desses, conterrâneo do teu avô? Por acaso houve sim, um espanhol, foi secretário técnico do Ministério da Agricultura, revolucionou as práticas agrícolas de adequação das lavouras e da fertilização dos solos, aumentando exponencialmente a produtividade e, ainda colaborando com o Ministério da Economia no estabelecimento do Programa Nacional de Estoques de Segurança, quando numa combinação de aumento da produtividade e incentivos fiscais, se garantiram estoques adequados à manutenção de preços módicos para gêneros de primeira necessidade alimentar e quantidades suficientes para o abastecimento nacional.

Está certo, os espanhóis tem a prática de arrancar seu sustento de um solo explorado há mais de trinta séculos, mas o que eu não entendo, Gabriel, é como os políticos venais não atrapalharam esses planos miraculosos com exigências de propina? Ora, vô, aquele juiz da Lava Jato, com o auxílio da Socorrista, acabo com aquela raça de políticos que atrasaram o Brasil por séculos.

São muitas novidades, o STF não existe mais, agora é a Corte Constitucional Brasileira, limitada exclusivamente ao julgamento e interpretação de questões da Carta, ou de sentenças que colidam com ela. O preenchimento das vagas de seus onze juízes, 5 candidatos da judicatura dos tribunais, 2 do MP, 2 da OAB e 2 da Academia, é feito através de seleção dos postulantes, submetidos a uma monografia sobre algum aspecto constitucional, e escolha do aprovado pelo Conselho Cidadão, o órgão mais importante da República.

Este Conselho Cidadão, primeiro resultado concreto da Constituinte, é formado por vinte e cinco cidadãos representativos de diferentes setores da sociedade, de conduta cívica e moral a toda prova, eleitos nacionalmente um ano depois das eleições gerais, e ocupam um cargo honorífico, sem obrigação de expediente nem direitos trabalhistas, sendo remunerados por jetons. Sua autoridade sobre decisões que afetam o interesse nacional e os direitos dos cidadãos, pode chegar a ser absoluta.

Ele foi instalado no prédio do TCU, que foi desativado pela nova Carta e substituído pelo Conselho de Fiscalização Nacional, formado por conselheiros concursados e provenientes de outras categorias funcionais da Administração. É subordinado ao Congresso e ao Conselho Cidadão, a quem assessora, e tem jurisdição sobre as atividades de fiscalização estaduais e municipais.

Mas, viu Vô, a maior mudança foi na área eleitoral, agora só temos cinco partidos, limitados a esse número, e são de iniciativa e custeio privado, só recebem uma pequena subvenção pública por ocasião das eleições. O período eleitoral é só de 15 dias e doações secretas eliminam os candidatos beneficiados, pela presente e próxima eleição. Os candidatos têm que registrar formalmente suas propostas e promessas que lhe poderão ser cobradas em qualquer momento do mandato através de “recall” proposto pelo Conselho Cidadão. Há uma porcentagem de vagas, na casas legislativas dos três níveis, reservadas a candidatos independentes de partidos. A Lei da Ficha Limpa foi revigorada de tal forma, que ficou, praticamente impossível alguém assumir função pública com qualquer mácula do passado.

Ora, Gabriel, mas você sabe que 90% de quem ingressa na política é mal intencionado, está a fim de poder e dinheiro fácil. Não, Vô, agora não é assim, as mordomias foram reduzidas a quase nada, o Código Penal foi endurecido, a Lei de Improbidade foi revista e ficou draconiana, a corrupção é crime hediondo e inafiançável, e o Conselho de Fiscalização Nacional e o Conselho Cidadão são implacáveis na vigilância, até aqueles pastores da sacolinha desapareceram, a maioria foi para Miami, e os menos ricos procuraram novos países com incautos para ludibriar.

Vô, agora quem entra na política é porque tem vocação para servir a sociedade ou projeto pessoal legítimo, a picaretagem não tem mais espaço, a prosperidade e fraternidade comum, hoje é o ideal desta Nação!

E aí, eu despertei...e leio a seguinte notícia “Brasil cai mais duas posições no índice de percepção da corrupção”.

Quero dormir!!!