A HISTÓRIA DO PROTAGONISMO POLÍTICO DOS POLICIAIS MILITARES NA CIDADE DE MONTES CLAROS-MG E SUA CORRELAÇÃO COM O BOLSONARISMO.

Por João Figueiredo ¹

1. A História do envolvimento político de Policiais Militares em Montes Claros

1.1 As candidaturas ao cargo de vereador (a)

Ao analisarmos a participação de policiais militares na política em Montes Claros, veremos que há semelhanças desse protagonismo com cidades de igual porte ou maiores no Estado, se tomarmos como referência o ano de 1988 – ano da promulgação da atual Constituição Federal do Brasil. Essas semelhanças ocorrem em virtude de questões vinculadas à regulação legal dessa prática. Entretanto, a cidade norte-mineira conta com um fator impulsionador dessa participação, a posteriori, que a diferencia das demais cidades do interior: o protagonismo na greve da corporação em 1997.

Até 1988 a participação política de policiais militares, admitida oficialmente, era mínima, especialmente em decorrência de que tanto as Constituições Federais anteriores como a de 1967, que até então vigorava, proibiam a cabos e soldados votar – apenas sargentos, subtenentes, alunos do CFO e oficiais podiam votar, conforme estabelecia o Código Eleitoral de 1965, em seu art. 5º, parágrafo único. Para se candidatar a cargo eletivo o PM da ativa, oficial ou praça, teria que entrar em licença sem remuneração por um período de seis meses antes da realização do pleito; se eleito, e contasse com dez anos ou mais de serviço, era reformado no posto ou graduação da época da candidatura, com salário proporcional ao tempo de serviço, após a diplomação.

O fato de não votar gerava nos cabos e soldados, via de regra, o desestímulo ao envolvimento, ainda que indireto, no processo político. Os que podiam votar eram desestimulados a se candidatarem em virtude da obrigatoriedade da licença sem remuneração nos seis meses que antecediam o pleito. Nas pequenas cidades eram comuns ocorrer envolvimento de praças nas campanhas de determinados candidatos, de maneira extraoficial: comentários surgiam de que, na maioria das vezes, o dito apoio era levado a efeito, em troca de algum benefício para o militar ou civil parente seu, neste segundo caso quase sempre o benefício consistia em cargo público.

Durante os anos em que vigorou o mandonismo dos coronéis da política, especialmente durante a primeira metade do século XX, conforme retrata Victor Nunes Leal, em seu livro “Coronelismo, enxada e voto: O município e o regime representativo no Brasil”, muitas vezes os integrantes da PM, especialmente em Minas e nos Estados do Nordeste brasileiro, ficavam a mercê dos líderes políticos locais para terem condições de exercer seu trabalho, o que, obviamente, foçava esses profissionais a terem uma atuação comprometida diante dos mandos e vontades políticas. Esse era um envolvimento político quase sempre circunstancial, que os próprios historiadores da PMMG (dentre eles o Major PM Albert Francis Cotta) reconhecem, conforme abaixo se vê:

Na Capital do Estado e nas cidades sedes dos Batalhões, a Força Pública

apresentava-se com alguma independência e possuía a determinação dos

Exércitos que jamais conheceram a derrota; contudo, nas cidades e vilas do

interior, seus integrantes viviam a reboque do "mando" e das "vontades"

políticas locais das quais dependiam para quase tudo. (HISTÓRIA PMMG,

www.policiamilitar.mg.gov.br).

Vale lembrar que Montes Claros sempre foi o centro da política coronelista regional e só se tornou sede de batalhão em 1956, quando se concluiu a construção do 10º Batalhão. Em contrapartida, contava com a presença de policiais militares desde o final do século XIX, através de um destacamento do 3º Batalhão criado em Diamantina no ano de 1890.

O coronel PM Antônio Norberto dos Santos, em seu livro “Policiamento”, destacou a necessidade de o policial militar não se envolver em política com uma justificativa metafórica: “Como ocorre no laboratório de química, onde às vezes conseguimos a mistura detonante da combinação de corpos simples e inofensivos, podemos obter resultados análogos misturando polícia e política”; Santos (1969, p.45). Esse livro se tornaria a “bíblia” dos cursos de formação de cabos e de soldados na década de 1960 e 70 – a assertiva de Santos vem se tornando cada vez mais desconsiderada nos últimos tempos.

A Constituição Federal de 1988 e a consequente reforma do Código Eleitoral, então, surgiram como um novo marco no envolvimento dos policiais militares na política – o direito ao voto extensivo a todos, em todos os níveis hierárquicos, a isenção da obrigatoriedade de se estar filiado a um partido político seis meses antes do pleito, e o direito a três meses de licença remunerada antes do pleito, despertou, como um dínamo, o interesse por esses profissionais em se envolverem com política, especialmente se lançando candidatos. Comenta-se, à boca pequena, que já houve e ainda há casos daqueles que se candidatam apenas para usar o período da licença como férias, sem de fato se envolverem na campanha.

Em Montes Claros, foco deste ensaio, temos registros de apenas cinco candidaturas ao cargo de vereador antes da de 1988: o Major Avilmar, o Capitão José Maria, o Cabo Délio, o Cabo Souto e o Soldado João do Carmo. Destes, apenas o Capitão José Maria era do serviço ativo; o Major Médico Avilmar foi eleito em 1984. Após 1988 várias candidaturas à vereança surgiram: Coronel Lázaro, Tenente-coronel Ronaldo, Tenente Dário, Tenente João Dias, Subtenente Malveira, Subtenente Bonfim, Sargento Maísa, Cabo Ataliba...

Contudo, o grande incremento às candidaturas a vereador na cidade viria após a greve da PM de 1997. Das quatro cidades do interior do Estado em que o movimento teve repercussão, Montes Claros foi a que mais impacto causou em virtude das seguintes questões: 1) Enfrentamento das lideranças a imposições do comando na Tentativa de dissuasão; 2) Ter sido a única cidade do interior com paralisação de fato de todas as atividades – exceção para as atividades definidas como essenciais, como Centro de Comunicação, Guarda de quartel, Guarda de presídio e a manutenção de uma viatura pronta para atendimento de ocorrências de alta complexidade; 3) Contou com apoio da imprensa local, regional e estadual. Nos anos seguintes à greve houve uma imensa procura por candidaturas a vereador na cidade.

Levantamos um total de 47 candidaturas de PMs ao cargo de vereador, desde a primeira nos anos 80, até os dias atuais: 1. Coronel Lázaro, 2. Tenente-Coronel Ronaldo, 3. Major Avilmar (eleito em 1984), 4. Capitão Alciomar, 5. Capitão Wiiliam, 6. Capitão José Maria, 7. Tenente Kardec, 8. Tenente Dário, 9. Tenente João Dias, 10. Tenente Herman, 11. Tenente Celestino, 12. Subtenente Malveira, 13. Subtenente Josias, 14. Subtenente Bonfim, 15. Subtenente Oliveira Lêga (eleito em 2012 e reeleito em 2016), 16. Sargento Maísa, 17. Sargento Célio Araújo, 18. Sargento Rocha, 19. Sargento Levy, 20. Sargento Jair, 21. Sargento Renê, 22. Sargento Ribeiro, 23. Sargento Darley, 24. Sargento Siqueira, 25. Sargento Dardiê, 26. Sargento Eurico, 27. Sargento Melgaço, 28. Sargento Neilson, 29. Sargento Santos, 30. Sargento Lucélio, 31. Sargento Darwin, 32. Sargento Wandaick, 33. Cabo Délio (1988), 34. Cabo Flávio, 35. Cabo Maia, 36. Cabo Charles, 37. Cabo Sena, 38. Cabo Novais, 39. Cabo Souto, 40. Cabo Ataliba, 41. Cabo Tânia, 42. Cabo Pacheco, 43. Cabo Andrade, 44. Cabo Neves, 45. Cabo Melo, 46. Cabo Fonseca, 47. Soldado João do Carmo.³ A sequência adotada na relação aqui apresentada foi ordenada por postos e graduações no ato do registro da candidatura, sem considerar a ordem temporal dos registros, antiguidade entre níveis hierárquicos semelhantes, nem as alterações relativas a mudanças posteriores nas posições desses atores no escalonamento hierárquico (vide nota nº 2).

Apenas dois desses candidatos, o Sargento Rocha e o Sargento Eurico, assumiram posições de tendências esquerdistas, porém, sem um envolvimento ideológico de fato. O Subtenente Oliveira Lêga, foi eleito pelo Partido Democratas – DEM (hoje União Brasil) e, posteriormente, filiou-se ao Partido Popular Socialista – PPS (hoje Cidadania), que, apesar da denominação de “popular e socialista” e sua origem numa dissenção do Partido Comunista Brasileiro – PCB, sempre se posicionou como sendo de direita. 4

Dos policiais militares relacionados como candidatos, dois foram eleitos e diplomados vereadores de Montes Claros: Major Avilmar (1984) e Subtenente Oliveira Lêga – eleito em 2012 e reeleito em 2016. Lêga teve o seu segundo mandato cassado, no terceiro ano de vereança, em virtude de desdobramentos de um desentendimento que teve com o então coronel Comandante Regional da PM em Montes Claros; em 2020 ele se candidatou novamente e ficou na primeira suplência.

Dos demais candidatos dois ficaram na primeira suplência de vereadores, em ocasiões diferentes, mas não tiveram oportunidade de assumir como titulares: Tenente Kardec e Cabo Melo.

1.2 Cargos comissionados do Poder Executivo e Poder Legislativo Municipais

Relacionamos os seguintes policiais militares com atuação em cargos comissionados nos poderes Executivo e Legislativo municipal de Montes Claros, desde os anos de 1990: 1) coronel Lázaro Francisco Sena; 2) coronel Orlando Walter Camargo; 3) coronel Franklin da Silveira; 4) coronel Heli José; 5) coronel Carlos Alberto Nogueira; 6) tenente-coronel João Batista Emiliano; 7) major Walter Nunes Peixoto; 8) major Aderson Kléber Nogueira Batista; 9) capitão José Pedro de Oliveira; 10) capitão Felisberto Melo; 11) tenente Carlos Antônio Malveira; 12) tenente Jeremias Melo; 13) Tenente Alan Kardec; 14) Tenente Romildo Cordeiro; 15) Subtenente João Figueiredo; 16) Sargento Wanderlin Fernandes de Souza; 17) Sargento Antônio Augusto Leite.

As primeiras assessorias de policiais militares no Poder Executivo Municipal de Montes Claros, em cargo comissionado, que se tem registro, ocorreram na década de 1990. O cabo José Antônio de Sena atuou no mandato do prefeito Luiz Tadeu Leite (1993-1996), em cargo de gerente, e o coronel Lázaro Francisco Sena atuou nos dois mandatos consecutivos do prefeito Jairo Athayde (1997-2004), no cargo de Secretário de Defesa Pública.

No governo de Athos Avelino (2005-2008) estiveram trabalhando o tenente-coronel João Batista Emiliano e o subtenente João Nunes Figueiredo. O primeiro como gerente na Secretaria Municipal de Segurança Pública, encarregado da Guarda Municipal, e o segundo como chefe do Núcleo Administrativo do Gabinete do vice-prefeito, depois como Sociólogo e, por fim, como Chefe de Gabinete do vice-prefeito.

No governo de Luiz Tadeu Leite (2009-2012) estiveram trabalhando coronel Orlando Walter Camargo, coronel Franklin da Silveira, coronel Carlos Alberto Nogueira, capitão José Pedro de Oliveira, tenente Alan Kardec e sargento Antônio Augusto Leite.

De todas as gestões municipais a que mais empregou policiais militares foi a de Ruy Muniz (2015-2018), alguns eram remanescentes do governo de Tadeu Leite: Coronel Orlando Walter Camargo; coronel Franklin da Silveira; coronel Heli José; coronel Carlos Alberto Nogueira; major Walter Nunes Peixoto; major Aderson Kléber Nogueira Batista; capitão José Pedro de Oliveira; capitão Felisberto Melo; tenente Carlos Antônio Malveira; tenente Jeremias Melo; tenente Alan Kardec; tenente Romildo Cordeiro; Sargento Wanderlin Fernandes de Souza.

Como assessor parlamentar temos registro de um único caso: o subtenente João Nunes Figueiredo atuou como assessor de imprensa do vereador Eduardo Madureira (PT), durante o mandato de 2013 a 2016, e do vereador Oliveira Lêga (PPS/CIDADANIA) durante os anos de 2018 e 2019.

2. A militância bolsonarista dos PMs

A identidade com o discurso populista do então deputado Jair Bolsonaro, ao que parece surgiu e cresceu entre os PMs a partir das manifestações públicas de 2013. A demonização da esquerda foi reforçada – já existia, mas sem a hostilidade radical dos dias atuais – e a linguagem agressiva e mal-educada deu o tom dessa identidade. Daí em diante tudo se desenvolveu como uma avalanche. O autoritarismo, a intolerância com quem pensa diferente, o ímpeto violento, o discurso de ódio, estavam latentes e Bolsonaro apenas os despertou, conforme afirma Figueiredo.

Bolsonaro não tornou ninguém autoritário e arrogante a partir da sua eleição,

ele apenas estimulou, encorajou as pessoas que traziam determinados

sentimentos camuflados no íntimo se sentissem livres para se manifestar,

para expor seu ódio a quem é diferente, a demonstrarem sentimentos de

superioridade em relação a outras pessoas. Ele fala e se comporta como essas

pessoas gostariam de fazer, ou seja, o seu discurso e suas atitudes em público

traduzem a forma como essas pessoas gostariam de agir. (FIGUEIREDO,

2020b, p. 24-25).

A influência do discurso e das ações de Jair Bolsonaro no comportamento dos policiais militares é clara – obviamente, com algumas raras exceções. As redes sociais, mormente Facebook e WhatsApp são um termômetro dessa influência. No Facebook vários PMs, a maioria inativos, sempre questionam, muitas vezes de forma agressiva, ofensiva, as postagens contra o governo Bolsonaro. Os grupos de WhatsApp exclusivo de PMs, na sua grande maioria, se tornaram espaços exclusivos de elogios, enaltecimentos a tudo que se refere ao bolsonarismo e de crítica mordaz a tudo que se coloca como oposição. Há que se ressaltar que, após o resultado das eleições de 2022 o foco dessas pessoas passou a ser uma suposta fraude eleitoral que teria possibilitado a derrota de Bolsonaro e a vitória do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. 5

Notas:

¹ Mestrando em Desenvolvimento Social pela Unimontes, especialista em História, Filosofia com ênfase em Política, Linguística com ênfase na produção de textos, Psico-oncologia e Psicanálise, graduado em história e Ciências Sociais pela Unimontes. É sociólogo com o nº de registro Mtb0957, jornalista registro Mtb 13.217-JP, historiador integrante da ANPUH-Brasil e ocupante da Cadeira nº 99 do IHGMC.

² Os PMs que tivessem menos de dez anos de serviço, se eleitos, eram excluídos do serviço ativo da corporação após ser diplomados.

³ Para a conclusão desta relação contamos com a colaboração de vários PMs, através de grupos de Whatsapp, aos quais se registra aqui os nossos agradecimentos. Ressalte-se que em alguns casos o posto ou a graduação do candidato não corresponde ao nível hierárquico atual, haja vista que consideramos o nível hierárquico da época da primeira candidatura. Da mesma forma, a relação das candidaturas não segue ordem cronológica.

4 Oliveira Lêga sempre se posicionou como um político de direita e desde o início da campanha de Bolsonaro à presidência, em 2015, o apoiou. Entretanto, exerceu seus mandatos como vereador, com atitudes que se aproximavam dos ideais preconizados pela esquerda: postura progressista diante das injustiças sociais e intenso combate à política baseada em corrupção e na demagogia.

5 A grande maioria dos PMs defende peremptoriamente a ideia de que Lula é dado à pratica de corrupção e que ele teria sido beneficiado por um Poder Judiciário igualmente corrupto; eles parecem realmente acreditar nisso. Defendem essa posição e não aceitam quaisquer argumentações contrárias, recorrem, inclusive, a justificativas claramente sem sentido ou partem agressão verbal – pelo que se percebe muitos deles têm tão-somente a preocupação de se sentirem vitoriosos nesses embates, como numa aguerrida competição, sem preocupação com a consistência dos seus argumentos.

Referências

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1967. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em 12/11/2022.

COTTA, Francis Albert. Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais. Belo Horizonte: Crisálida, 2006.

COTTA, Francis Albert; & SILVA, Marcilene. Uma atípica cerimônia militar: movimento dos praças da polícia em Minas Gerais. Belo Horizonte: ArteSam Editora, 2020.

FIGUEIREDO, João. Motim no Norte de Minas: 1997 – Memórias de uma greve de PMs que começou dentro da Universidade. Montes Claros: Amazon, 2021.

___________. Oliveira Lêga: Um político progressista que foi penalizado por ser honesto e querer combater as injustiças sociais. Montes Claros: Mimeo, 2020a. (Literatura de Cordel – Cordel nº 06/2020).

___________. O conservadorismo descortês e hostil de Bolsonaro é endêmico – O presidente abriu as comportas de sentimentos que jaziam camuflados em grande parte da população brasileira/João Figueiredo. Montes Claros: Amazon, 2020b.

HISTÓRIA DA PMMG. Disponível em https://www.policiamilitar.mg.gov.br/portal-pm/31bpm/. Acesso em 21/03/2022.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto - o município e o regime representativo no Brasil. 5ª. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.

LEI Nº 4.737, DE 15 DE JULHO DE 1965. Código Eleitoral. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 12/11/2022.

SANTOS, Antônio Norberto dos. Policiamento. 3 ed., Belo Horizonte: IOMG, 1969.

ROSA, Pablo Ornelas; et alii. Perspectividade política e produção de desinformação nas eleições brasileiras de 2018 Agenda Política. Revista de Discentes de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos. Volume 8, Número 3, p. 163-190, setembro-dezembro, 2020. Disponível em https://doi.org/10.31990/agenda.2020.3.6. Acesso em 26/09/2022.