A função narrativa do nazismo

Um dos grandes papéis das narrativas históricas é gerar reflexões a respeitos de como o nosso hoje não veio ao acaso. Ele é fruto de uma série de decisões, de pensamentos e de ações que resultaram no mundo que vemos hoje. E é por isso que explicamos o passado e as vicissitudes contidas em cada período, sabendo que há mudanças nas permanências e permanências nas mudanças. Diante disso, há um bom tempo tem me ocorrido certas reflexões sobre um dos temas mais espinhosos da história recente: O nazismo. Não somente pela idiota apologia de certos influenciadores e pela ascensão de uma direita desvairada, mas também pela maneira com que o mercado editorial trata o assunto.

Não preciso dizer: Nazismo vende e dá lucro. Basta ver o número de obras que buscam representar o período e aquelas que imitam a sua estética para dar mais ares de vilania - Star Wars, o Conto da Aia, The Man of the high castle etc. E a gente sabe que o motivo porque essas obras nos tocam é pela repulsa que aquele regime nos provoca. O horror dos campos de concentração e a máquina de matar gente são coisas abomináveis que nunca devem se repetir. E revolta ver gente que acha que defender isso seja liberdade de expressão. Porém, parece-me que narrativamente o Holocausto nazista cumpre o papel de único grande pecado da Europa. Pecado que é sempre lembrado pra nunca mais cometer. E o quase que o único que vale a pena ser lembrado - e premiado por Hollywood. Mas quem conhece um pouco da história contemporânea sabe que o Nazismo, segundo a própria Hannah Arendt, nasce de uma mistura de nacionalismo com ufanismo com fortíssimas tendências imperialistas. E cabe lembrar que o imperialismo era - e de certa forma ainda é - praticado por quase todos os países da Europa Ocidental. E que esse imperialismo foi responsável por um dos maiores genocídios da humanidade e que os países africanos e do sudoeste asiático sofrem até. Foi esse imperialismo que gerou também a forma moderna de racismo, que até hoje vitima todo não branco europeu. Por que então essa barbárie - que inclusive também teve seus próprios campos de concentração - não nos toca tanto? Por que a guerra do México não é retratada nas mesmas cores? Ou as barbáries do Congo Belga? Ou mesmo as bombas de Hiroshima e Nagasaki não geraram consequências graves?

E nesse sentido a única coisa que me vem à cabeça é que o Nazismo soa mais perverso aos europeus porque ele se voltou contra europeus. Contra homens e mulheres brancos. Pra isso basta lembrar a crise dos refugiados de 2019 e o comentário nojento do repórter a respeito dos ucranianos: "eles não são de países de oriente médio, são civilizados como nós". E não só a Europa, o Japão não foi punido pelo estupro de Nanquim. E tantas outras coisas que nós embrulham o estômago.

Mas...

O Nazismo já cumpre a função narrativa do grande mal a ser evitado. O resto... Bem foram acidentes históricos.

Volto ao começo. É preciso ter memória histórica e entender que se a gente não encara nossos demônios de frente, eles voltam para nos assombrar. Não é um revanchismo, mas entender que o mal não pode se repetir - igual que o Nazi-fascismo.