Politicamente Correto: a criatura devora o criador.

Não foi por falta de aviso: há uma década, no mínimo, ouço a profecia, que saiu da boca das sibilas, tal qual a de Cassandra: o monstro Politicamente Correto irá, mais cedo ou mais tarde, mais dia, menos dia, devorar, com voracidade animalesca, pantagruélica, insaciável, os tolos insensatos, imprevidentes, que estão a alimentá-lo.

Dito, e feito.

Por cegueira em alguns casos, miopia em outros, estupidez em todos, pelas razões as mais diversas, criaturas tolamente imprevidentes, estupidamente inconsequentes, altivamente presunçosas, arrogantemente egocêntricas, idiotamente pernósticas, petulantemente imbecis, que se arvoraram luminares da Sabedoria e lídimos arautos da Justiça, cuspiram tolices, bostejaram asnidades, defecaram ignorância e incultura, cerraram, a encorparem as hostes politicamente corretas, fileiras contra as vozes sensatas e previdentes, espécimes raras, que entendiam símbolos do atraso, emblemas de uma era de trevas, e as difamaram e ridicularizaram, e agora estão a enfrentar o ser monstruoso que alimentaram.

Contou-me um passarinho que, em algum lugar deste reino de povo gentil, e do jeitinho, e do cambalacho, e dos macunaímas, e dos marotos, do povo que não desiste nunca, após um juiz invocar certa lei e determinar que um certo humorista, que desconheço, e porque desconheço não sei se é engraçado, esteja proibido de contar piadas que machuquem os sentimentos das ditas minorias (e que se entenda por minoria o que bem se entender), estão a rodar a baiana um bom punhado dos outrora heróis que alimentaram, gostosamente, o Politicamente Correto.

Bons tempos o dos Trapalhões e do Chico Anysio.

Hoje em dia, é-se proibido contar piadas, pois sempre há quem se sinta ofendido com uma qualquer, por mais inocente que seja.

No andar da carruagem, não está longe o dia em que o ser humano não mais poderá emitir um "a" porque uma legião de criaturas de mal com a vida, floquinhos-de-neve hipersensíveis, se apresentará, indignada, a pedir punição, e rigorosa, contra o energúmeno que ousou falar "a", um anátema.

O humorista, que é o personagem desta história, perdeu o chão. E os outrora iluminados, que saíram em defesa dele, gentes que até outro dia cuspiam, presunçosas, coragem ao defenderem as minorias e pediam por leis que punissem com rigor quem as constrangesse com piadas de gosto duvidoso e de mal gosto, estão, agora, a se esgoelarem, impotentes, a espirrarem perdigotos de indignação e a acusarem censura na decisão do juiz - que invocou uma lei politicamente correta - que puniu o humorista que se atreveu a contar piadas politicamente incorretas. Alimentaram o monstro Politicamente Correto, que, agora, forte, tão monstruosamente poderoso que nem Hércules se dispõe a enfrentá-lo, não cederá um palmo do espaço que já conquistou, não sem luta feroz, sangrenta. E quem tem poder para sobrepujá-lo em luta renhida, franca?

Não foi por falta de aviso.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 18/05/2023
Código do texto: T7791420
Classificação de conteúdo: seguro