50 Anos do Golpe de Estado no Chile

A polarização política e ideológica no Chile surgiu na eleição presidencial de 1970. O médico Salvador Allende exercia seu mandato de senador pelo Partido Socialista, desde 1945. Neste período, concorreu e perdeu nas eleições presidenciais de 1952, 1958 e 1964.

Em outubro de 1970, Salvador Allende foi apoiado pela Unidade Popular, que integrava comunistas, socialistas, radicais e outras correntes populares. A coalizão de esquerda obteve 36,2% dos votos, contra 34,9% do ex-presidente Jorge Alessandri, o candidato de direita, e 27,8% do terceiro candidato, Radomiro Tomic, do Partido Democrata Cristão.

A Constituição estabelecia que, não havendo vencedor por maioria absoluta de votos, ocorreria segundo turno de maneira indireta pelo Congresso Nacional. Este critério garante a legalidade do eleito, mas pode criar críticas à legitimidade por falta do voto popular nas urnas.

Houve pressão diplomática dos Estados Unidos contra Salvador Allende. O grupo “Pátria e Liberdade” resolveu sequestrar o Comandante em Chefe das Forças Armadas para evitar a vitória do candidato socialista. O general René Schneider acabou sendo assassinado durante a tentativa de sequestro. A tragédia levou o Congresso Nacional a confirmar, dois dias depois, a vitória de Salvador Allende.

Era a época da Guerra Fria, havia interferência das duas grandes potências. A URSS tinha enviado dinheiro diretamente para a campanha de Salvador Allende e canalizado fundos para o Partido Comunista do Chile. A interferência da KGB foi um fator decisivo para a vitória por estreita margem de 39 mil votos, em um total de 3 milhões.

O governo socialista adotou medidas de nacionalizações e estatizações que se chocavam contra os interesses americanos. Os Estados Unidos iniciaram um bloqueio econômico informal que impedia o Chile de obter empréstimos internacionais. A estratégia era sufocar gradualmente a economia chilena. Dependente de importações dos Estados Unidos, o Chile passou a ter suas indústrias e frotas paralisadas por falta de peças.

Em setembro de 1972, houve uma greve de proprietários de caminhões que foi financiada pela CIA. A Confederação Nacional dos Transportes era presidida por um dos líderes do grupo Pátria e Liberdade. Esta greve impediu o plantio da safra agrícola 1972/73.

A radicalização política e o clima de enfrentamento foram se acentuando tendo, de um lado, o Movimento de Esquerda Revolucionária (extrema-esquerda) que recebia armas soviéticas enviadas de Cuba e, do outro lado, o grupo Pátria e Liberdade (extrema-direita) que fazia treinamento de guerrilha e bombardeio nos Texas. Enquanto isso, a CIA financiava greves para paralisar o país. Além disso, havia atentados e assassinatos políticos. Neste período, a inflação subiu de 22,1%, em 1971, para 163,4%, em 1972, e 381,1%, em 1973. O PIB desabou de 9% positivo, em 1971, para 4,2% negativo, em 1973.

Em junho de 1973, houve uma tentativa de golpe de Estado (El Tanquetazo) orquestrada por militares e pelo grupo Pátria e Liberdade. O Comandante em Chefe das Forças Armadas, general Carlos Prats, detectou a movimentação e conseguiu sufocar a rebelião. Mas a pressão contra ele era muito grande, o que acabou provocando sua renúncia em agosto de 1973. O general Augusto Pinochet assumiu o controle militar. Em 10 de setembro, os Estados Unidos iniciaram tradicionais exercícios navais com a armada chilena.

No dia seguinte, Salvador Allende pretendia anunciar um referendo revocatório. Se ganhasse permaneceria no cargo até o final do mandato, mas se perdesse deixaria o poder. Não havia previsão legal, não havia clima político e tampouco haveria tempo. Uma esquadrilha de seis caças bombardeou o Palácio La Moneda. O presidente discursava pelo rádio, quando o sinal foi cortado. No fim da tarde de 11 de setembro, Salvador Allende suicidou-se na sede do governo. Repetiu-se a tragédia que abatera o presidente Balmaceda (1840-1891) que também se matou, durante uma grave crise política no final do século 19.

Augusto Pinochet assumiu o poder e foi estabelecida nova Constituição em 1980. Após ser derrotado no referendo de 5 de outubro de 1988, ele ainda permaneceu governando o país até março de 1990. Após a redemocratização, tem havido estabilidade política e alternância de poder nestas últimas três décadas, com eleições presidenciais em dois turnos. Entretanto, em 2019, ocorreu uma grave crise política que decorreu de vários fatores: o aumento do custo de vida, acentuadamente para o sul do país (região indígena onde vivem os mapuches) por causa da logística de abastecimento; baixos valores (por causa da capitalização) levam vários aposentados ao suicídio; aumentos previstos de metrô e de eletricidade cancelados após protestos; violência policial contra as manifestações com 20 mortes; hora do rush transformou-se em guerra de todos contra todos por lugar no transporte público. A prosperidade nos frios números macroeconômicos não levou em conta o calor social por mudanças no país. A vitória do candidato socialista, nas eleições presidenciais de dezembro de 2021, colocou o país frente ao seu próprio passado.