Lula e Aécio Neves em confronto pelo aeroporto Carlos Prates

O aeroporto Carlos Prates já foi foco de disputa entre Lula e Aécio Neves

Texto de Márcio de Ávila Rodrigues, finalizado em 27/02/2024

A assessoria de imprensa (comunicação social) da prefeitura municipal de Belo Horizonte divulgou, em texto de 8 de fevereiro de 2024, que o prefeito Fuad Noman assinou naquele dia, com o governo federal, um contrato de cessão gratuita de uma área de 97.600 m² destinada ao parque público Maria do Socorro Moreira. A área fazia parte do complexo do aeroporto Carlos Prates, que ainda mantém 450 mil metros quadrados, a poucos quilômetros do centro da capital.

Mas uma pesquisa feita na internet indica a existência de uma contradição, uma desinformação. Verifico que a mesma área já estava cedida, para a mesma finalidade, quase um quarto de século atrás, mais exatamente no ano de 2000. E que o parque já está implantado e funcionando, mas com registros de reclamações sobre a eficiência da PBH da administração.

O texto da assessoria midiática da prefeitura não menciona que o parque já existe e está sob a administração da PBH. Também não explica a diferença entre os dois documentos, que possuíam o mesmo objeto mas estavam separados por 24 anos de espaço temporal.

Provavelmente a cessão original não era definitiva, ao contrário da que foi assinada nesta semana. Talvez seja uma complementação, um passo burocrático.

Faltou eficiência ao redator/a? Ou o objetivo era deixar a informação incompleta para parecer que se trata de mais uma realização do chefe do executivo municipal? Considerando que o prefeito é candidato à reeleição no dia 6 de outubro, a segunda hipótese é, no mínimo, possível.

O pequeno aeroporto, mais ligado às pequenas escolas de aviação do que aos voos comerciais, teve as suas atividades encerradas pelo governo federal em abril de 2023. Mas as discussões sobre a sua destinação mostraram-se improdutivas e apenas deixaram à mostra a ineficiência do poder público.

O prefeito até tentou fazer alguma coisa e apresentou projetos para outra utilização (uma urbanização) da grande área, o que é elogiável, ainda que ele tenha interesse político-eleitoral. Não é fácil identificar a tênue linha que separa a atividade administrativa do interesse eleitoral, mas o fato é que a prefeitura se apresentou, não se omitiu.

Já o governo federal de Luiz Inácio Lula da Silva não se manifestou. A mídia nada noticiou quanto à continuidade das negociações.

As escolas de aviação e seus pequenos aparelhos voadores, além de algumas poucas empresas de suporte, deixaram definitivamente a área nos prazos determinados. Passou-se o cadeado e nada de importante aconteceu desde então. Nem o contrato de cessão gratuita de parte (menos de 20%) da área parece importante, pois apenas reafirmou uma situação já existente, e o parque continuará funcionando sob a ineficiente administração municipal.

Uma crise de identidade: aeroporto ou aeródromo?

Segundo a Wikipedia, “o Aeroporto de Belo Horizonte / Carlos Prates foi um aeroporto no município de Belo Horizonte. Iniciou suas atividades em janeiro de 1944, a fim de atender ao Aeroclube do Estado de Minas Gerais, fundado em 6 de novembro de 1936 no Aeroporto da Pampulha. A finalidade do aeroclube sempre foi formar quadros para a aviação civil e militar”.

Na sequência, informa que "o Aeroporto Carlos Prates tinha vocação para atender os voos não-regulares das empresas de Táxi Aéreo, da aviação geral, aeronaves de instrução de voo (formação de pilotos) e da aviação de asa rotativa (helicópteros). O aeroporto dispunha de empresas de manutenção, hangaragem e construção de aeronaves (ultraleves avançados)".

Seu uso não ficou restrito ao aprendizado pois já teve um bom fluxo de pequenos aviões particulares também.

O rápido avanço da aviação civil decretou a sua obsolescência como aeroporto. Certamente tinha utilidade como sede de pequenas escolas de aviação, mas é cabível o conceito de "subutilização" se considerarmos o tamanho da área e a localização praticamente central para os padrões atuais do tamanho da capital mineira.

Também pesaram na decisão de extinção alguns acidentes, pois pequenos aviões caíram em bairros populares próximos. Só encontrei registro de uma morte de morador (21/10/2019), mas seus vizinhos reclamavam incisivamente nas reportagens televisivas, inclusive com manifestações.

Ganharam os moradores de bairros e vilas contíguas, que reclamavam do barulho e do risco de acidentes. Perderam os donos e empregados de escolas de aviação, de lanchonetes e outros trabalhadores locais. Mas a verdade é que esses interesses eram pequenos para quem realmente tinha poder de decisão. Não tinham peso na balança do poder.

Em 2005, Lula “enrolou” Aécio Neves

Acompanhei e presenciei, entre 2005 e 2006, uma tentativa fracassada de uma utilização diferente daquela área. Foi uma situação entremeada de disputa por poder, em que os interesses reais do povo se tornaram secundários.

O neto de Tancredo Neves, Aécio Neves, tornou-se governador de Minas Gerais em 2003 e anunciou que o seu primeiro grande projeto tinha o nome de Linha Verde e seria uma ligação moderna entre Belo Horizonte e o aeroporto de Confins, que encontrava-se subutilizado por causa da distância e da pouca capacidade das vias de acesso. O projeto foi, de fato, concretizado, e a via expressa ainda subsiste nos moldes originais.

Na sequência, ele anunciou outro grande projeto: a construção de uma “cidade administrativa". O Palácio da Liberdade e as secretarias existentes na Praça da Liberdade tinham capacidade para alocar apenas uma pequena parte da estrutura humana e material dos servidores do poder executivo. E também foi anunciado, não me lembro se de forma oficial ou não, que a única área grande o suficiente para unificar os órgãos do poder executivo era o subutilizado aeroporto Carlos Prates. E se localizava razoavelmente próximo do centro comercial.

Mas o tempo foi passando e o projeto não saía das pranchetas. Enquanto isso, o hipódromo Serra Verde, localizado na região norte, quase na divisa com o município de Vespasiano, passava por uma crise financeira praticamente irrecuperável.

A diretoria do Jockey Club de Minas Gerais chegou a se reunir com o secretário estadual de planejamento e gestão Antonio Anastasia (que viria a ser governador do estado no período de 31/03/2010 a 04/04/2014) para pedir uma ajuda governamental. Participei da reunião na qualidade de diretor da associação clubística. O então secretário lamentou a crise econômica do clube no momento em que a Linha Verde teria o condão de valorizar toda a área próxima, e o antigo hipódromo estava situado na sua margem.

No início de 2006, último ano de seu primeiro mandato (depois foi reeleito), o governador Aécio Neves comunicou ao presidente do conselho gestor do Jockey Club, o médico Adelmar Cadar, que havia decidido desapropriar toda a área do hipódromo para construir ali a cidade administrativa de Minas Gerais. E marcou um evento público para o anúncio da medida.

Neste evento (14/02/2006), Aécio fez uma exposição de motivos e do projeto e depois respondeu a muitas perguntas dos jornalistas presentes. Com naturalidade, sem acusações contundentes, explicou que o projeto inicial era usar a área do aeroporto Carlos Prates, mas dependia de uma autorização da Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária), órgão sob total influência administrativa da presidência da república.

E acrescentou que, desde o início do seu governo, fazia constantes solicitações com este objetivo, mas não conseguia nenhum avanço concreto nas negociações. E acrescentou que, poucos dias antes de optar pela desapropriação do antigo hipódromo, havia recebido mais uma resposta protelatória da Infraero.

Aécio colocou as cartas na mesa e a mídia não se interessou em dar continuidade ao jogo. Sua fala foi até citada na mídia impressa, mas não passou de um conjunto de aspas.

Matérias correlatas:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Aeroporto_de_Belo_Horizonte-Carlos_Prates

https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/uniao-doa-parte-da-area-do-aeroporto-carlos-prates-para-prefeitura-de-bh

https://www.otempo.com.br/cidades/aeroporto-carlos-prates-coleciona-acidentes-com-queda-de-aviao-relembre-1.2827716

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.