A escritura Judaica

A ESCRITURA JUDAICA

Quando se estuda as Escrituras com os mestres judaicos, como fiz em 2009 em Jerusalém (École Biblique et Archéologique de Jérusalem – EBAF) há que se ter sempre alguns cuidados. O que para nós é “Bíblia”, para eles é tanakh. É claro que estou me referindo ao Antigo Testamento, uma vez que, por uma questão de estrutura doutrinária, eles ignoram o nosso Novo Testamento. Os judeus tem enorme carinho e veneração por suas Escrituras, assim como nós amamos a nossa Bíblia.

Embora realizado por especialistas das áreas de teologia, ciências da religião, antropologia e arqueologia, o evento em Jerusalém reuniu pessoas não pertencentes às hierarquias ou ao saber oficial das religiões, mas pensadores independentes, escritores e exegetas independentes. Não havia rabinos, padres nem pastores. O evento ocorreu em dois lugares: em Caphernaun, na Galiléia, e junto a Ramat Rachel, um sítio arqueológico perto de Tel Aviv. As apresentações e os debates ocorreram em hebraico, inglês e francês.

A dificuldade do estudo dos livros judaicos começa com o número de livros. Enquanto o cânone (a regra) católico possui quarenta e seis livros, a coletânea dos judeus (no que é acompanhada pelos protestantes) tem livros a menos: ela não registra os livros Judite, Tobias, 1 e 2 Macabeus, Eclesiástico, Baruc e Sabedoria que são encontrados nas nossas Bíblias. São, portanto, sete livros a menos, além de alguns fragmentos (escritos em grego) de Ester (9,20-32) e Daniel (cap. 13-14). Esta diferença tem a ver com aspectos históricos levados a efeito com a reforma de Esdras (430 a.C.).

A outra divergência está na sistematização dos livros. As Bíblias católicas tem seus quarenta e seis livros dispostos em quatro grupos (Pentateuco, Históricos, Sapienciais e Proféticos). Os judeus agruparam seus livros em três compartimentos: Torá (a lei), Nebiim (os profetas) e Ketuwin (os demais escritos). Pentateuco é penta (cinco) e teuxós (rolos). É das iniciais de Torá, Nebiim e Ketuwin sai o acrônimo tanakh.

O objetivo do trabalho levado a efeito em Jerusalém em 2009 foi trazer mais esclarecimentos de exegese e interpretação para a chamada “parte mitológica” da Bíblia, capítulos 1 a 11 da bereshit, (livro de Gênesis). Assim buscou-se uma nova visão, místico-científica, e sobretudo crítica para os personagens Lylith (a primeira mulher de Adão), Adão e Eva (como uma geração e não um simples casal), seus filhos Cahim e Abbel (como classes em tensão e não apenas dois irmãos) e sobre a família de Noé, e sobre os eventos “Dilúvio”, “Torre de Babel” “Gigantes” e “Tomada de Jericó” (Êxodo).

Como essência, Deus criou, salvou e preparou um projeto. A forma como isto aconteceu, o como é acidental, adstrito à exegese de cada época. Os participantes esperam que, com o passar dos anos haja um substancial incremento de informações crítico-científico-religiosas nos rodapés dos livros sagrados, com o aporte dos subsídios da ciência, ao invés de tão-somente informações religiosas. A pesquisa deve continuar pelos na escolas, universidades e pelos links da Internet.

Voltando às dificuldades do estudo conjunto, vemos que dentro do cânone católico, os cinco primeiros livros (no Pentateuco) têm nomes em grego e em português: Gênesis (o nascimento), Êxodo (a saída), Levítico (os códigos rituais), Números (o recenseamento) e Deuteronômio (deuterós = segunda + nómos = lei).

Os judeus adotam outro critério para nominar seus livros. Eles não foram buscar nomes em outras línguas, mas utilizam as primeiras palavras de cada volume para designá-los. Assim, o livro do Gênesis é chamado de bereshit, que significa no princípio; ao segundo volume, o Êxodo, os judeus chamam de shemôt, que se refere aos nomes dos filhos de Israel; ao Levítico dão o nome de vaicrá – e chamou, que narra o chamado de Javé a Moisés, para uma conversa na “tenda da reunião”; o quarto livro, Números, é conhecido entre os hebreus como bamidbar – no deserto, que explicita o mandato de Deus, no deserto do Sinai, para que Moisés realizasse o censo do povo; por último, o Deuteronômio é chamado de debarim (ou devarim) como as palavras dirigidas por Moisés à assembléia do povo, no outro lado do Jordão.

Dos três conjuntos que compõem a Tanakh (Torá, Nebiim e Ketuwin) a ênfase de leitura e oração se apóia na Torá e seus cinco livros. As preces dos rabinos e demais fiéis junto ao “muro das lamentações” bem como nas sinagogas contempla privilegiadamente textos da bereshit, supervenientemente a shemôt, vaicrá, bamidbar e debarim. A esses livros, por sagrados, devemos respeito e reverência.

O evento teve o apoio do Rockfeller Archeological Museum (Jerusalém), do Museum of Jewich People (Tel Aviv) e da École Biblique et Archéologique (française) de Jèrusalem. A reunião desses intelectuais, por sua importância mereceu reportagem de destaque no “The Jerusalem Post” de 13/08/2009 e no JJTh (Jornal da Teologia Judaica).