Como ser uma mulher de Deus

Religião.

Certa revista semanal de informação publicou que em nosso país cerca de 98% da população acredita em Deus. Ou seja, quase que todo o povo brasileiro, de algum modo, é crente. Ser crente, numa interpretação bem ampla, significa que alguém crê numa entidade superior, num ser metafísico, além das possibilidades de se aferir a sua existência por meio empírico.

Deus.

Há um sem-número de formas de se conceber Deus. Se formos muito honestos, diríamos que há um deus para cada ser humano; um deus que ele mesmo criou, um deus e uma crença altamente especifica, personalizada, que mistura elementos de uma religião que predomina e outras tantas que foram inseridas sem que o crente perceba.

Crente.

E o crente não percebe que ele mesmo é que vai escolhendo, consciente ou inconscientemente, como irá formatar essa coisa, a palavra é essa mesma, leitora que não gosta da palavra coisa, a palavra é COISA, essa coisa que se chama fé.

Igrejas.

Como pode, leitores que não são semi-alfabetizados, como é possível haver tantas e tantas manifestações religiosas? Nem contarei o mundo, todo o planeta, digo apenas sobre o Brasil; como é possível que o cristianismo possua tantas facções? Tantos “Deus”?

Homem.

Em verdade em verdade (Jesus Cristo – Todos os direitos reservados) a religião nada mais é do que a projeção que o homem faz dele mesmo num ser que possui todas as características que ele gostaria de ter.

Terei a honestidade de dar o crédito dessa constatação genial ao seu autor, Ludwig Feuerbach, filósofo alemão do século XIX.

Século XXI.

Sociedade X Religião. Uma é reflexo da outra; aquele que observa o seu entorno irá concordar com minha afirmação. É só fazer um retrospecto da história da humanidade e perceber em que a religião investiu durante a passagem de todo esse tempo.

Façam esse exercício de hermenêutica histórico-filósófica, leitor e leitora minimamente alfabetizados. Se o fizerem com honestidade, e nem precisa ser comigo, sejam com vocês mesmos, minhas reflexões farão sentido.

Mas eu não fiz toda esse exercício filosófico com o fito de que ninguém saia desse texto com vontade de cursar graduação em filosofia ou história, meu objetivo é bem mais modesto. Quero apenas contar-lhes uma historinha que me aconteceu há alguns dias. História que vale também para refletir.

Eu e minha adorada esposa íamos passear num Shopping Center e decidimos levar minha sobrinha de 08 anos de idade. Menina esperta, relativamente bonita, tarada por comida, gesticula muito, boa de sono, o que não se pode dizer o mesmo quanto aos estudos, fala bastante, dá palpite em tudo e sua educação pode ser comparada a de um cão que saiu de casa após meses de acorrentamento.

Meses de acorrentamento, reclusa.

Era o estado de espírito da minha sobrinha nesse dia.

Nervosa, ansiosa, não conseguia nem urinar, tamanha era a sua vontade de comer o mundo. Mundo que oferece tantas opções que facilmente vamos à insânia.

Comer o mundo.

Acho ser isso que ela quer. Se o mundo fosse feito de algo alimentício, certamente seria devorado com muita avidez por minha sobrinha; o que não exclui a possibilidade dela devorar até mesmo aquilo que não é usual ser comido.

Parêntese.

No Shopping, na fila do...

Adivinhem?

Claro, do Mc Donalds, a menina me soltou uma frase que, se eu não tiver Alzheimer, jamais esquecerei. Vale a pena eu colocar entre aspas, até mesmo para que me excluam da autoria dessa frase medonha. Transcrevo:

“- Tio!

- E se quando eu terminar de comer esse lanche eu já estiver com fome de novo?”

Tive que pensar bem rápido.

- Se você ficar com fome de novo, na próxima vez que viermos você poderá matar essa fome. E lhe mostrei o sinal de positivo com uma piscadela de olho.

A expressão da glutona não foi muito amigável nessa hora.

Saímos do parêntese.

Menina de personalidade altamente mutante, varia conforme o interesse do momento. Se há uma vantagem em vista, Santo Gérson, uma doçura de criança com trejeitos dengosos toma conta do corpo da menina de formas disformes.

Mas se lhe negam o que quer, sua reação pode ir da violência física a uma arrogância de proporções gigantescas, dependendo de quem é o objeto de sua fúria.

Eu, que não possuo dificuldades para me relacionar com ninguém, consigo contê-la apenas com olhares, o que não faz com que ela desfaça a sua cara de insatisfação. Mas por bem ou por mal, o mini Homer Simpson me respeita mais do que aos seus genitores.

E enquanto esperávamos que minha doce sobrinha urinasse, ficamos a andar pela igreja da sua avó materna. Igreja fundada e presidida pela avó pastora e seu marido. Uma igreja neopentecostal, dessas que proliferam em quantidade espantosa pelas periferias deste país.

Não sei qual é a ideologia da citada denominação; quais são os seus preceitos, dogmas, se há alguma prescrição sobre ética, moral; o que sei é que há um espaço, pequeno, na garagem da avó, bem pequeno, onde há um altar, um púlpito, cadeiras, pastas com músicas escritas, instrumentos musicais, placas, enfim, todos os apetrechos para que o ambiente fique configurado com uma forma que lembre uma casa de Deus.

Contudo eu não saber da ideologia e dos dogmas ou de coisa alguma sobre o que professam tais eclesiásticos, sei que, ao contrário do espaço pequeno, a pretensão de ser grande é gigantesca.

Gigantesca e evidente.

Necessidade de poder, de ser melhor, de ter todos os bens que a vida pode oferecer, e isso, é claro, com a colaboração de Deus; mas principalmente do irmãos que financiam a mantença da igreja.

A minha sobrinha é a cópia mirim da avó.

Jamais vi alguém mimetizar tão bem o comportamento e os gestos de uma pessoa. Mais, também imita a personalidade podre e cheia de defeitos da avó que quer ser o Edir Macedo de saias.

Andava eu pela minúscula garagem da pastora presidente, como ela sempre frisa, pastora presidente. Olhava para as várias placas e diplomas da senhora que se auto-intitulou missionária.

Não sei onde foi que ela pregou por este mundo afora; pois, até onde tenho notícia, ela nunca saiu daquele lugar onde mora e faz um bico de pastora presidente.

Parei diante de uma placa que me chamou logo atenção pelos erros ortográficos grosseiros e pela concordância que não concordava com nada que estava escrito.

Em letras garrafais, li o seguinte título conferido à sogra do meu pobre irmão:

AUTORIDADE ECLESIÁSTICA INTERNACIONAL

Lembrei-me de um barco do São Paulo Futebol Clube que ela deu para ele com seguinte inscrição:

PARA O MEU QUERIDO GENRRO

Autoridade eclesiástica internacional X Meu Querido Genrro.

Notei uma incompatibilidade entre o título da missionária e sua relação complicada com as letras. Mas tudo bem, aqueles que ela lidera não teriam notado essa sutileza.

Mas, deixemos a religiosidade de lado.

Já é hora dos negócios, business, my brother, time is money, ok?

A Senhora que é uma Autoridade Eclesiástica Internacional, é também vendedora de roupas e todo tipo de quinquilharia. Até que reconheçam o seu valor como mulher de Deus, ela tem que enfrentar esse tipo menor de trabalho.

Mas acalme-se, pastora, o Senhor está preparando uma benção enorme na tua vida, estou vendo isso, tenha fé e paciência, muita paciência, muita paciência, muita paciência, paciência, paciência, ai...

Minha esposa querida estava comigo a passear pela casa de Deus. Começou então, a minha amada, a olhar para as coisas que a pastora vendia. Roupas, sapatos e uma variedade de trecos que não agradavam minha menina.

Começou delicadamente, a minha esposa, a olhar um tênis.

A pastora presidente, com o seu bom faro para os negócios, já logo disse para que comprasse o calçado para mim. Minha mulher olhou para o número e me disse:

- Amor, é 40, o seu é 43 não é?

- Isso mesmo. Respondi.

A pastora-presidente-missionária e autoridade eclesiástica internacional, com cara de espanto, olhou para minha esposa e perguntou se era verdade o que tinha ouvido.

- Sim. Ele calça 43. Disse minha esposa.

O semblante da pastora abriu-se em um misto de admiração, descrença e um pouco de safadeza:

- 43! 43! Ele calça 43! Dizia com nítido entusiasmo às suas clientes.

E, para fechar com chave de ouro, a avó da minha sobrinha ainda soltou mais uma de suas incontáveis pérolas.

- Ai, Frederico, pobre do teu irmão que calça 39. Rindo maliciosamente.

- Pobre mesmo é da minha filha! E ria-se mais ainda com suas clientes com olhos semi-esbugalhados.

Minha linda esposa ficou ao mesmo tempo um tanto indignada e satisfeita.

Indignada com a cara-de-pau da Sra. Autoridade Eclesiástica Internacional ter cobiçado o pé do seu marido de forma tão explícita.

Satisfeita?

Sim, satisfeita.

Feliz da vida porque do meu sapato 43 é somente ela quem cuida, ninguém mais.

Ps. Se você notou que o texto é um conto e não um artigo, parabéns!

Isso demonstra que você possui uma habilidade rara em nossos dias. Sabe ler e até reconhece o gênero textual; você é uma raridade.

Parabéns.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 30/11/2011
Código do texto: T3364533
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