A felicidade [SERMO CXLIX]

A FELICIDADE

“A felicidade não depende do que nos falta,

mas do bom uso que fazemos do que temos.”

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

Trabalho realizado em Londrina (PR), em novembro/2010

Primeira parte

VOCÊ QUER SER FELIZ OU INFELIZ?

Feliz o homem que não pactua com os injustos (Sl 1)

É inegável que todos – cada um ao seu modo – desejam ser felizes. Pelo me-nos na teoria todas as pessoas verbalizam um desejo de felicidade, realização e progresso. Na maioria das orações esse desejo aparece bem explícito. No entanto, a experiência tem mostrado que nem todos conseguem atingir a felicidade proje-tada, em função de mil fatores e circunstâncias. Desde a antiguidade judaica Deus alerta para a existência de duas alternativas de vida, condicionadas à obedi-ência, ou não, à lei divina:

Eis que coloco à tua frente dois caminhos; escolhe o bem e viverás! (Dt 30,19).

Em outros termos se poderia definir esses “dois caminhos” entre felicidade e sofrimento. O ser humano traz consigo a faculdade de escolher se quer ser feliz ou infeliz. Nosso comportamento ocorre de formas a proporcionar a cada um bênçãos ou maldições, como veremos a seguir, conforme a Palavra de Deus:

Se você obedecer de fato a Javé seu Deus, cuidando de colocar em prática todos os mandamentos que eu hoje lhe ordeno, Javé seu Deus tornará você superior a todas as nações da terra. São estas as bênçãos que virão sobre você e o acompanharão se você obedecer a Javé seu Deus: Você será abençoado na cidade e também no campo; será abençoado o fruto do seu ventre, o fruto do seu solo, o fruto dos seus animais, a cria das suas vacas e a prole das suas ovelhas. Será abençoado o seu cesto e a sua amassadeira; você será abençoado ao entrar e ao sair. [...] Javé lhe concederá abundância de bens; ele abrirá para você o tesouro do céu, dando no tempo a chuva para a terra... (cf. Dt 28, 1-14).

Contudo, se você não obedecer a Javé, seu Deus, não colocando em prática todos os seus mandamentos e estatutos que eu hoje lhe ordeno, virão sobre você todas essas maldições e o atingirão: Você será maldito na cidade e maldito também no campo; maldito será o seu cesto e a sua amassadeira; maldito será o fruto do seu ventre, o fruto da sua terra, a cria das suas vacas e a prole das suas ovelhas; você será maldito ao entrar e também ao sair. Javé mandará contra você a maldição, o pânico e a ameaça em tudo o que você fizer... (vv. 15-44).

Nesse aspecto, a felicidade está ligada à forma como nos relacionamos com Deus, conosco, com as demais pessoas e com a natureza. Ninguém é feliz sozinho! O fato é que ser feliz ou não é praticamente uma decisão de cada um. Diante da iminência das desgraças as pessoas costumam se perguntar sobre o que fazer pa-ra conseguir a felicidade ou como evitar os males, às vezes tão comuns à vida humana. Cuidado! Há coisas que podem produzir sofrimento. Há uma lista de re-ceitas para a infelicidade. Vamos ver cada uma delas?

1. Invente dificuldades ou maximize seus problemas e preocupações; as-suma a vida dos outros (filhos, cônjuge, parentes, etc.). Não temos estru-tura para absorver a vida de ninguém; mães possessivas não deixam os filhos tomar suas próprias decisões; preocupe-se em demasia com tudo; quem se preocupa na véspera sofre o dobro: o câncer, a depressão e o Alzheimer têm na preocupação uma porta aberta;

Observem os lírios do campo... os pássaros do céu... Não se preocupem com o dia de amanhã; pois o dia de amanhã terá suas preocupações. A cada dia bas-tam as suas preocupações (Mt 6,34).

2. Envolva-se em questões onde você não foi chamado (a);

Quem se mete em briga alheia agarra um cão pelas orelhas

(Pv 26,17);

3. Dê passos maiores que suas pernas; endivide-se;

Aqueles que querem se tornar ricos caem na armadilha da

tentação (1Tm 6,9);

4. Seja ganancioso e faça mau uso do dinheiro; o problema não

é o dinheiro em si, mas a ganância;

A riqueza do ganancioso tira-lhe o sono...

5. Sempre ache que sabe tudo, que tem razão e não admita

perder uma discussão;

Os falsos sábios sempre caem em suas armadilhas...

6. Reclame (fale mal) de tudo; pessoa maldizente, colérica – de

mal consigo mesmo – atrai doenças e coisas negativas;

7. Seja pessimista! O pessimista só vê desgraças, sofre antecipadamente; mães e pais pessimistas contageiam seus filhos; um homem foi pedir ao vizinho um machado emprestado. Enquanto caminhava foi imaginando que o amigo iria negar o empréstimo. Quando o vizinho abriu a porta, o homem encheu-o de impropérios, como se seu pedido tivesse sido nega-do.

Se seus olhos forem bons, tudo será luz; sendo maus, as coisas ruins sem-pre estarão rondando você (cf. Mt 6, 22s).

8. Seja ingrato! Não agradeça nunca e não se julgue devedor de nenhuma forma de gratidão;

9. Seja crítico de si mesmo, não se perdoe; tenha em mente sempre seus erros do passado; seja perfeccionista (carrasco de si mesmo); viva afoga-do em culpas e remorsos; alimente sentimentos de inferioridade; tenha pena de si mesmo; alimente culpas de fatos antigos;

10. Seja incrédulo! Não creia em você, em Deus, nos outros. Se você não a-credita nos seus dons e talentos, nem Deus vai poder apreciar você. O homem que não crê em Deus cria um vazio existencial dentro de si que nada pode preencher;

Busque a Deus enquanto ele se deixa encontrar; clame por seu nome en-quanto ele está por perto (Is 55,6).

11. Viva em pecado! Tenha inveja do sucesso dos outros. O pecado trava a pessoa, afasta-a dos salutares objetivos de vida, proporciona um rompi-mento com Deus e encaminha à perdição.

Não se iludam, pois com Deus não se brinca: cada um colherá aquilo que ti-ver semeado. Quem semeia nos instintos egoístas, dos instintos egoístas co-lherá corrupção (Gl 6,7s);

Pois a morte é o salário do pecado... (Rm 6,23).

Não existe criatura que possa esconder-se de Deus; tudo fica nu e descober-to aos olhos dele; e a ele devemos prestar contas (Hb 4,13).

12. Relaxe sua vocação, seja ela qual for;

13. Descuide da sua saúde! O corpo humano, criado por Deus retrata a dig-nidade que o homem está revestido. Quem não cuida de sua saúde, dei-xa de preservar a criação de Deus em si, e comete pecado.

Esses treze itens que acabamos de estudar podem ser chamados de “obras do diabo”, pois o que o maligno mais deseja é a infelicidade do ser humano, na esperança de que o desespero gere um tipo de depressão que seja capaz de afastá-lo da amizade com Deus. Depois vamos refletir, em grupo, sobre cada um deles.

Diante disto, parece que a felicidade está mais ao nosso alcance do que se imagina, e se nós não somos felizes é porque criamos tantos obstáculos, que nos tornamos infelizes por conta de nossa incapacidade de buscar as coisas bem onde elas se encontram.

Desde a Antiguidade, os judeus chamavam de ashrei os felizes, não apenas os detentores de uma felicidade material, mas àqueles que desfrutavam a ventura da amizade com Deus. Esse tema e esse sentido voltariam à baila nas chamadas bem-aventuranças, onde os evangelistas Mateus e Lucas se referem aos felizes coma a palavra grega makários.

Na filosofia clássica a felicidade aparece sintetizada pelo termo eudaimonia. De um modo estrito, eudaimonia é uma transliteração da palavra grega para prosperidade, boa fortuna, riqueza ou felicidade. Em contextos filosóficos eudai-monia tem sido tradicionalmente traduzida simplesmente por “felicidade”, mas muitos mestres e tradutores contemporâneos tentam evitar esta interpretação, uma vez que pode sugerir conotações que nada ajudam ao leitor acrítico. (Por e-xemplo, não se refere a um estado emotivo, nem é coexistensional com a concep-ção utilitarista de felicidade, apesar de ambas as noções poderem, em alguns pen-sadores, contar como aspectos da eudaimonia.)

Dado que a palavra é composta pelo prefixo eu (bom) e pelo substantivo daimon (espírito), tem-se proposto em expressões alternativas como “viver bem” ou “florescimento”. Mas o consenso mostrado é que “felicidade” é adequado se o termo for apropriadamente compreendido no contexto filosófico da antiguidade

Eu conheci – e conheço – muitas pessoas infelizes – gente que acorda se o-diando e maldizendo sua vida, sem achar graça em nada. Existem pessoas que têm prazer em se queixar, se fazer de vítima, posar de maria-chorona, explorando só o lado negativo das coisas da vida. Pessoas assim atraem males e nunca vão para frente. É sabido que a vida humana alterna fatos bons e maus na vida de cada um, mas nem por isso é permitido a algumas pessoas que se revistam de um negativismo pessimista, como se a vida fosse só desgraças. Ora, se eu faço ques-tão de parecer infeliz perante os outros, é certo que vou ser infeliz mesmo.

Uma senhora, de certa idade, só tinha palavras de queixas e aborrecimento. Era terrível perguntar como ela ia, pois lá vinha um rosário de penas, dores e má-goas. Ela só falava em doenças, em remédios e médicos, se esquecendo que sua vida tinha vários pontos positivos, construtivos e de um ponderável talento natu-ral. Um comportamento desse quilate valoriza, potencializa a infelicidade e impede a vida e o convívio social e familiar. É aquele tipo de pessoa que acorda se odian-do, vendo fantasmas em tudo, incapaz de enxergar o sol, mesmo que encoberto por algumas nuvens.

Outra pessoa, uma senhora bem idosa, parecia se odiar, pois era incapaz de cultivar uma amizade, a despeito de tantas pessoas boas que Deus colocou em seu caminho. Ela foi casada com um homem bom, de caráter, que lhe proporcio-nou uma vida estável e de ótimo padrão material. Ela nunca estava contente com nada; tinha o guarda-roupa abarrotado de roupas, mas se negava a sair com o marido, alegando não ter o que vestir. Depois que ele morreu, ela ia ao cemitério para, diante da sepultura do extinto, dizer-lhe toda a sorte de ofensas, destilando mágoas e ressentimentos. A questão chegou a tal ponto que, pressentindo sua morte, ela fez uma relação de pessoas que não queria presentes em seu funeral, e deu instruções aos filhos de não ser enterrada junto com o marido. Esta odiou e foi infeliz até na morte. A pessoa que age desse jeito é infeliz e inferniza a vida dos que têm a desventura de viver perto dela. Conheci um padre, homem de meia-idade que, deslocado em sua vocação, vivia em constantes lamúrias, reclamando de tudo e de todos...

Entre os problemas comuns que, através dos séculos, têm preocupado a humanidade, de poetas a filósofos a pessoas comuns, podemos com certeza colo-car a questão da felicidade. A psicologia abre nichos formidáveis para estudar a alma de pessoas que não conseguem ser felizes... Desejar felicidade uns aos ou-tros em várias circunstâncias da vida, ouvir de pessoas que aparentemente têm tudo o que queriam e, no entanto não podem dizer que são completamente felizes, ver pessoas com bens e posses que nós achamos que trariam a felicidade e que no fim de contas têm todos os tipos de problemas – tais como as drogas e o álcool – problemas que o sentido comum nos diria que são problemas das pessoas que estão lutando com a vida: todas estas experiências e pensamentos todos nós já tivemos pelo menos uma vez.

Ironicamente, é possível que nós, depois de termos testemunhado este pa-radoxo, mesmo assim muitas vezes não nos perguntamos o que é a felicidade, ou, quando perguntamos, sentimos certo desconforto ao tentar dar uma resposta, se ela não for simplesmente uma resposta vaga cheia de lugares comuns. O que a experiência tem demonstrado é que a felicidade não começa a partir da posse de coisas materiais, mas ocorre através de uma sensação de íntima gratificação, que nasce no espírito e no coração. Muitas vezes as pessoas despossuídas de bens conseguem ser felizes com o pouco que têm.

Na teologia, especialmente na área pastoral, vemos que para ser feliz o ser humano precisa agregar Deus às suas formulações de vida. Somente é feliz quem obedece a Deus e quem reconhece seu senhorio. Sejamos tementes a Deus todo o dia. É feliz e prospera aquele que se recolhe à sombra de sua palavra. Para orga-nizar minha felicidade devo estabelecer um roteiro, que deve começar por três questões básicas: a) Estou no centro de vontade de Deus? b) Estou onde Deus quer? c) Faço tudo o que ele deseja?

O certo é que devemos florescer onde Deus nos plantou. As Escrituras pre-conizam o ser no temor de Deus. Aqui o ser é mais do que o estar. Ser é perma-nente; estar pode ser provisório. Depois, com quem você anda? O que você faz? Você sabe se desviar do mal? Na hora do perigo, da dor ou da tentação, a quem você recorre? Como você reage às adversidades? Ora, medita a agradece a Deus, ou é daqueles que se revolta e murmura? Você procura evitar o perigo de viver no pecado todo o dia? (viver no pecado é uma situação de impiedade que difere de pecar). A esse respeito o saltério se abre com uma bem-aventurança:

Feliz o homem que não anda na companhia dos injustos, não para no caminho dos ímpios nem se senta na roda dos zombadores (Sl 1,1).

Para ser feliz e bem sucedido espiritualmente o cristão precisa considerar-se como morto para o pecado (cf. Rm 6,1). Isto se faz com integridade, caráter e de-cência na vida social, familiar, religiosa. Não seguir esses preceitos morais é des-prezar o ensino de Jesus. Vejam, por exemplo, o ato de comprar um produto pira-ta para levar vantagem. Se você se corrompe por causa de R$10,00 (um vídeo, por exemplo), se for político, gerente de banco, magistrado ou homem público, vai roubar milhões. Quem não é fiel nas pequenas coisas não o será, seguramente fiel nas grandes.

Não tenha inveja dos pecadores, mas viva sempre no temor de Javé, pois é certo que assim você terá futuro e sua esperança não fracassará!

Hoje os pérfidos e os invejosos “plantam” noticias para denegrir. Invadem uma casa ou uma empresa para criar um fato, em geral falso, que depois é difícil desmentir. A própria polícia, que nem sempre é honesta, invade, acusa e depois não ocorre nada, não prova nada, e a pessoa fica difamada. Dizem que o fulano está sendo investigado, e fica por aí. Somos vítimas de denuncismo barato, moti-vado pelo ciúme, pela inveja, e muitas vezes pela ambição desmedida.

Na verdade, ser no temor de Deus é ser íntegro todo. É essa a integridade que torna o homem santo e disponível a toda a obra de Deus. Se eu quero ter um bom futuro no terreno espiritual é preciso – como recomenda São Paulo – ser ín-tegro e inocente como perfeito filho de Deus que sobrevive no meio de gente peca-dora e corrompida, brilhando como astro no mundo, apegando-se firmemente à Palavra de Deus (cf. Fl 2,15). Quem diz que ama a Deus deve amar o outro como a si mesmo, senão é mentiroso (cf. 1Jo 4,20). Ser no temor de Deus é ser solidário com o irmão. Caso contrário a esperança dele vai falhar e você, por ser responsá-vel pela infelicidade dele, não será bem sucedido no Senhor.

Felizes os íntegros em seu caminho, os que andam conforme a vontade de Javé

(Sl 119,1).

A esta altura vocês devem estar se perguntando: o que é felicidade? A que tipo de felicidade o pregador deve estar se referindo? Como chegar à felicidade? O fato é que o mundo está sempre oferecendo os mais variados tipos de felicidade que, nem sem sempre, se revelam consistentes.

Na cidade onde moro estão desenvolvendo um projeto imobiliário que con-siste na construção de vários blocos habitacionais de alto padrão chamado “hap-piness” (felicidade). Será que esses apartamentos em si são capazes de trazer a felicidade para alguém? Muita gente liga a felicidade ao bem-estar material. Quando estive no Egito, há uns três anos, fui a Gizé, nas cercanias do Cairo, ver as pirâmides e a esfinge. Lá a gente aluga um camelo para passear por aqueles sítios históricos e cheios de areia. A cada vinte metros do percurso o cameleiro perguntava em um inglês tosco: happy? (você está feliz?).

Surge aqui o ponto central de nossos questionamentos: será que possuir bens, uma fina residência ou fazer um passeio fantástico por um lugar histórico é capaz de dar felicidade? Não se pode classificar como infelicidade ter uma moradia ou viajar, mas falar em felicidade... Seria uma distância muito grande. Conheço pessoas que moram bem, têm carro do ano e fazem belas viagens e não são feli-zes. Ter um lar ou fazer um passeio podem trazer alegria (que é um valor passa-geiro), mas para tornar felizes as pessoas é preciso muito mais. Ao contrário, ou-tros são felizes sem nunca terem ido além da esquina, mas têm suas vidas cen-tradas em Deus e seus corações ancorados no bem. É a alegria, cultivada no amor de Deus, que traz a felicidade...

Agora vamos falar em tempestades, enfocando seu sentido figurado, aquelas que assombram a nossa vida, em geral causando um desequilíbrio físico, moral e espiritual. A tempestade é um drama, geralmente inevitável na vida das pessoas. Certa vez, falando a um auditório numeroso, justamente sobre o assunto do so-frimento, eu perguntei: “Quem nunca teve uma tempestade em sua vida?”. Nin-guém levantou a mão. E fui adiante: “Se alguém afirmasse que nunca sofreu uma tempestade, eu diria que se prepare, pois ninguém está imune a um problema dessa ordem”.

O que é uma tempestade na vida das pessoas? É quando alguma coisa, fora dos padrões, vem alterar o equilíbrio ou ameaçar a segurança moral de alguém, de uma família, de um grupo. Pode ser um confronto entre marido e mulher, entre pais e filhos, envolvendo irmãos, ou indicando rupturas com amigos, vizinhos ou colegas de trabalho. A crise sempre subentende um fracasso. Há tempestades que surgem de forma inesperada e inevitável, mas há também aquelas que se formam pela falta de vigilância dos indivíduos, ou mesmo pela indiferença ou frouxidão com que se preparam para o confronto, abrindo a guarda aos perigos, às doenças, às tentações, tudo por causa da busca de emoções novas e prazeres nem sempre muito lícitos, quando se tangencia aquela linha tênue do bom senso, da ética e da moral.

Aquele que é fiel a Deus sabe que no dia da tribulação nada o vai derrubar. As coisas vão acontecer num kairós (o tempo de Deus) e ele estará protegido. Todo o bem que houver praticado, toda a obediência dispensada ao Pai, tudo será reco-nhecido. Seus projetos prosperarão. Para a obtenção da prosperidade material, aquela que se usufrui nesta vida, são necessários três passos importantes:

1. Trabalhar

O trabalho gera conforto e bem-estar

Deus dispôs o homem para cultivar e cuidar o jardim (cf. Gn 2,15);

Eu e meu Pai trabalhamos... (Jo 5,17);

Pregamos o evangelho a vocês, trabalhando de noite e de dia, a fim de não ser-mos um peso para ninguém (1Ts 2,9);

Quem não trabalhar, que não coma! A essas pessoas mandamos e pedimos no Senhor Jesus Cristo, que comam o próprio pão, trabalhando em paz (2Ts 3,10.12);

2. Obedecer a Deus

Deus dispôs, desde o princípio que o homem ganharia seu pão com seu próprio esforço e suor do seu rosto (cf. Gn 3,19)

3. Ser esforçado

Não basta trabalhar para obter sucesso; é preciso fazê-lo com afinco, es-forçando-se, empregando uma energia acima do normal. Quando o su-cessor de Moisés fraquejou, Javé deu-lhe uma ordem: “Josué, esforça-te!” (Jz 6,11). Ao povo vacilante, o Senhor fez a mesma observação (cf. 2Cr 15,7). Quando a doença nos aflige, ir ao médico não é o bastante; é preciso tomar os remédios e fazer o repouso, se for o caso.

Se você quiser ser bem sucedido, em todos os níveis de sua vida, se entre-gue nas mãos de Deus. Não confie demasiadamente nos projetos dos homens; eles costumam falhar. Quer ser bem sucedido? A gente sempre se acostumou a estu-dar mais o Novo Testamento, embora no Antigo haja preciosidades que podem nos orientar vigorosamente. Vamos colher pistas em Provérbios 4:

Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele brota a vida (v. 23);

Em um mundo de pessimismo há muitas coisas, em geral simples, que são capazes de criar a felicidade. No interior do Rio Grande do Sul, a região da coloni-zação alemã é rica em sabedoria popular. Pois lá há um velho ditado que diz: “Queres ser feliz um dia? Compra uma roupa nova! Uma semana? Mata um por-co! Um mês? Acerta na loteria! Um ano? Casa-te! Toda a vida (e na outra)? Une-te a Deus! A sabedoria popular ensina que só se unindo a Deus o homem pode ser feliz por toda a sua vida (e também na futura). Lamentavelmente, nem todos sa-bem disto, ou se sabem não colocam em prática tal assertiva. Vamos ver algumas coisas que criam felicidade?

1. Comemore cada vitória de sua vida; faça desta, reúna seus amigos; nosso Deus é Deus de alegria (cf. Pv 17,22;

2. Seja alegre, sorria: Israel fazia festa para tudo: celebrou a libertação no meio do deserto, muitos anos e quilômetros antes de chegar à Terra Prometida; festeja não a colheita, mas o plantio...

3. Não tema inimigos ou adversários: Deus está ao seu lado.

4. Sempre ache que tudo vai dar certo, que você é feliz e abençoado...

Creia em Deus! Quando ele está a seu favor, todos os seus pedidos são a-tendidos e todos os seus projetos são abençoados, pois ele é poderoso e generoso. Foi Jesus que disse:

Peçam e receberão!

Por que razão Deus nos abençoa? Primeiro, para cumprir seus propósitos em nossa vida (cf. Esd 6,22). Depois, para que nunca menosprezemos a bênção que ele pode e quer nos dar. Mesmo assim, não se deve ter inveja da bênção que Deus dá aos outros. Nosso Deus é um Deus de festa e de comemorações:

• Recém saiu do Egito, celebre!

• Plantou (ainda nem colheu), celebre!

• Está pedindo em oração, já agradeça!

Felicidade é andar na luz de Deus. A luz, por mais tênue que seja é capaz de dissipar todas as trevas juntas. Na equação da felicidade vemos que eu + eu é sempre igual a eu (egoísmo); de outro lado, eu + você aponta para nós, uma socie-dade humana instável; provisória. Agora se eu agrego o eu + Deus + pessoas, o resultado será a felicidade estável. Para que qualquer projeto consiga eficácia, Deus tem de ser o arquiteto da empreitada.

Se Javé não constrói a casa, em vão labutam os seus construtores. Se o Senhor não guarda a cidade, em vão vigiam os guardas (Sl 127,1).

Para firmar nossa felicidade precisamos conhecer o que os teólogos chamam de “atributos do caráter de Deus”: a) Misericórdia; b) Benignidade; c) Bondade; d) Justiça (cf. Rm 11,22) e Perdão.

Longe de significar uma “aprovação de conduta” (o sinal disto é a prosperi-dade dos maus) a bênção de Deus prova sua misericórdia pelo pecador. Cuidado para não jogar fora o que você construiu! (cf. 2Cor 9,6ss). Na hora de pedir algu-ma coisa, peça o que é necessário: nem de mais nem de menos, mesmo assim não se satisfaça com pouco. Quando Deus está a seu favor todos os seus pedidos são atendidos, pois ele é poderoso. Para ser feliz é necessário celebrar festivamente as vitórias. O que temos para celebrar? a) vida; b) saúde; c)amor; d) vitória; e) doen-ça; f) cura; g) morte

É salutar que se tenha a consciência de que nosso Deus é vencedor: ele nunca perdeu uma batalha! Unidos a ele também só vamos experimentar vitórias em nossa vida. Por que Deus nos abençoa? Para que nos o exaltemos, glorifique-mos e louvemos.

Invoca-me no dia da angústia; eu te livrarei, e tu me glorificarás (Sl 50,15).

O que temos feito (ou pretendemos fazer) com a bênção que Deus nos dá para sermos felizes? Alguns aproveitam, outros jogam fora. Os motivos são os mais diversos: a) Ingratidão; b) Falta de fé; c) Apatia e preguiça; d) Cegueira espiri-tual; e) Ausência do temor de Deus.

Olhando a prática de Deus na Bíblia, que rumos podemos tomar para obter a felicidade: a) Conserve só os amigos alegres, os pessimistas te deprimem; b) A-precie as coisas simples: adquira hábitos saudáveis; d) Aprenda a rir, a achar gra-ça de (em) tudo (até de você mesmo); e) Não faça viagens ao seu passado emo-cional, onde armazenaste as antigas culpas; f) Fuja de toda a ocasião de caírem pecado: h) Coloque Deus como prioridade em sua vida.

Você quer ser feliz? Ser feliz depende de nós... É um erro orar pedindo feli-cidade a Deus. Ele nos dá dons e bênçãos. Nós construímos a felicidade: a nossa e a dos outros. A felicidade vai além de matar um porco para comer a carne e des-frutar da banha... Para ser integralmente feliz, una-se a Deus, nesta vida e na ou-tra! Siga os passos de Jesus Cristo, comprometendo-se com a sua missão e com a sua Igreja. Adore o Pai como autor de todas as coisas e todo o bem. Deixe que o Espírito Santo organize e ilumine sua vida. Depois disto, ame seu próximo como gostaria de ser amado e viva em comunidade. Hoje ficamos por aqui. Amanhã re-tomamos o tema “felicidade” com reflexões a partir dos Salmos.

Provem e vejam como Javé é bom: feliz o homem que nele se abriga (34.9);

Feliz é o homem que confia em Javé! (40,5);

Feliz quem cuida do fraco e do indigente: Javé o salva no dia infeliz (41,2);

Sim, felicidade e amor me acompanharão

todos os dias da minha vida (Sl 23,6).

Segunda parte

FELIZES OS ÍNTEGROS

Felizes os íntegros em seu caminho,

os que andam conforme a vontade de Javé (Sl 119,1).

Ontem, ao abrir este retiro, nós refletimos sobre a felicidade humana, quando abordamos o tema “Feliz ou infeliz? que iluminou nossos debates e estu-dos do dia inteiro. Foi uma abordagem mais ou menos social, onde se deu a ênfa-se ao aspecto psicológico da realização do ser humano. Hoje vamos aprofundar mais o tema, dirigindo o enfoque para a missão e a vocação de vocês. Iremos ao Antigo Testamento, mais especificamente ao Saltério, onde vamos encontrar a feli-cidade prometida aos justos, àqueles que fazem da integridade sua bandeira e norma de vida.

Há no Livro dos Salmos, a partir do primeiro capítulo, vinte e cinco “bem-aventuranças” ou declarações de felicidade como prêmio pelo bom comportamento atribuído aos íntegros e justos. A expressão bem-aventurados, por sua origem lu-sitana considerada arcaica, deu lugar nas traduções mais modernas das Bíblias católicas à palavra “felizes”, makários, no grego e, ašroi (alef-shim-rô-yod) no he-braico. Esta substituição se nota não só nas conhecidas “bem-aventuranças” do Sermão da Montanha (Mt 5, 2-12), mas em todos os trechos do Antigo Testamen-to, especialmente nos Salmos, objeto desta meditação que hoje vamos desenvolver aqui. As Bíblias protestantes, mais conservadoras, ainda mantêm o termo “bem-aventurados”.

Não é difícil observar quer no Novo Testamento, a maioria das bem-aventuranças, é baseada nos textos do Antigo Testamento, a partir dos Salmos. Quem desejar – é extenso – pode fazer uma pesquisa e estabelecer um estudo comparado entre os dois Testamentos, no que se refere ao tema ora enfocado.

Um número de vinte e cinco declarações de felicidade que encontramos nos Salmos, não pode passar despercebido. Embora escrito por homens, este livro, do grupo Sapiencial é inspirado por Deus. Ora, se a Palavra Divina afirma, no míni-mo 25 vezes que “felizes são os que me mantêm íntegros”, um conjunto de pre-missas desse quilate não deve nem pode ser desprezado. Por esta razão vamos estudar todas as vezes que o verbete é mencionado no Livro dos Salmos. Aqui uti-lizaremos a versão da Bíblia Pastoral, Ed. Paulus, edição de 1990.

Integridade, eis a questão! O que é ser íntegro? Integridade é a qualidade de quem é íntegro, justo, isto é, inteiro. A integridade em geral aponta para um cará-ter pleno, repleto de virtudes. A característica de ser inteiro é o oposto de quem tem personalidade e atitudes fragmentadas, despedaçadas pelos vícios e todas as seqüelas dos defeitos humanos. O que é ser íntegro? Os dicionários e manuais de teologia falam em integridade: como akakia (alguém isento de kakós, maldade); os adjetivos íntegro e completo: aparecem nas versões gregas como plyres. Integro é o indivíduo correto, bom-caráter, que age de acordo com o direito e a justiça, seja no terreno social, profissional, familiar ou no âmbito da religião, da fé e da teolo-gia. A integridade tem seu apoio em várias virtudes, entre elas a sinceridade. Sin-cera é pessoa sem cera, isto é, alguém sem aquela cera que reveste as máscaras do fingimento, que encobre atitudes falsas, que tenta encobrir a mentira e a dis-simulação.

O ser humano que tem a integridade como seu distintivo não se esconde a-trás de máscaras ou de atitudes postiças, mas revela seu caráter reto e suas ati-tudes honestas. O íntegro é aquele cuja vida, e seus frutos de virtude, agradam a Deus e são capazes de servir de paradigma para seus irmãos. Nessa conformida-de, íntegro é aquele justo que agrada a Deus. Hoje, com base em um antigo Salmo (Sl 24) a Igreja canta e celebra o fato de estar na presença de Deus, quando per-gunta e ao mesmo tempo responde: Senhor quem entrará no Santuário, prá te lou-var? a) quem tem as mãos limpas; b) quem tem o coração puro; c) quem não é vaidoso; d) quem sabe amar, servir e perdoar.

Deste modo, vemos que honesto é o homem que cumpre os mandamentos de Javé e faz o que ele manda, meditando dia-e-noite a sua lei. Feita esta introdu-ção, vamos a partir de agora refletir sobre os tópicos em que o Saltério privilegia a integridade do ser humano, a ponto de classificá-lo como makário, isto é, feliz, bem-aventurado.

1. Feliz o homem que não vai ao conselho dos injustos, não pára no cami-nho dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores (1,1);

Este Salmo funciona como o pórtico de todo o Saltério. Começa com o alef, a primeira letra do alfabeto hebraico (ashroi). Aqui é oferecida uma bênção (bem-aventurança) ao orante que se afasta do mal e dos maus. Feliz é a-quele que não se mistura com os malfeitores, não apóia seus atos perver-sos nem se alia aos pecadores para dar curso aos seus projetos malvados. É feliz (porque Deus o distingue como justo) quem não comete o mal que é sugerido por boa parte da sociedade humana que se deixou corromper pe-lo pecado e pelas insídias de Satanás.

2. Felizes aqueles que (em Javé) se abrigam! (2,12);

A partir da primeira bem-aventurança (Salmo 1), as demais seguem um encadeado de bênçãos sobre aquele que faz a vontade de Javé. Em um mundo infenso, cheio de maldades e ameaças, é feliz quem se abriga sob a sombra protetora do Altíssimo.

3. Feliz aquele cuja ofensa é absolvida, cujo pecado é coberto (32,1);

É feliz quem toma a Deus por protetor. Aquele que evita o mal, e como uma pequena ave se abriga sob as asas do Pai. A esses suas falhas são re-levadas, suas culpas absolvidas e seus pecados são apagados. Se de um lado o Salmo 1 exalta a felicidade de não cair no pecado, este retrata a ale-gria de ser perdoado. Pecadores todos somos, mas se nosso coração está ancorado no amor de Deus, na hora em que ocorrem nossos tropeços, fru-to de nossa fragilidade humana, o Todo-Poderoso que conhece nosso inte-rior, vem ao nosso encontro com as mãos cheias de perdão, consolo e for-taleza.

4. Feliz o homem a quem Javé não aponta nenhum delito (32,2);

Na continuação do versículo anterior, esta bem-aventurança abrange, co-mo uma bênção, o homem a quem Javé tem em conta de íntegro, mesmo que seu pé possa vir a tropeçar em alguma armadilha do Maligno. A inte-gridade não está em não cair, mas na forma como o justo se ergue.

5. Feliz a nação cujo Deus é Javé, o povo que ele escolheu como herança (33,12);

No aspecto macro, vemos aqui a bênção de Deus, não mais ao homem, in-dividualmente, mas ao povo, à nação cujas ações, propósitos e objetivos estão voltados para os projetos do Senhor. Não basta a escolha divina: é preciso, pelo exercício da virtude e da piedade, a adesão humana ao plano do Pai. A escolha é da exclusiva competência de Deus, mas a adesão a ela pertence aos justos.

6. Provem e vejam como Javé é bom: feliz o homem que nele se abriga (34.9);

Aqui Deus faz um desafio, para que todos provem sua doçura de pai e a-migo. Voltando à idéia do Salmo 2, é feliz quem nele encontra seu abrigo, buscando proteção, consolo e iluminação. Muitas pessoas não descobrem a bondade de Deus porque não têm a coragem de estabelecer essa real ex-periência.

7. Feliz é o homem que confia em Javé! (40,5);

A confiança ilimitada em Deus é a chave e a pedra-de-toque da nossa espi-ritualidade. Confiamos nele porque temos fé na oferta de sua amizade e no poder da sua graça. E isto nos torna felizes. Quem confia em Deus se en-trega a ele de forma incondicional. Da experiência concreta do amor de Deus passa uma experiência que desemboca em uma bem-aventurança.

8. Feliz quem cuida do fraco e do indigente: Javé o salva no dia infeliz (41,2);

O Salmo 41 abre com uma referência que privilegia a solidariedade. O “dia infeliz” é uma adversidade que pode cair sobre qualquer ser humano. A salvação de Deus é algo gratuito que o homem não fez por merecer. En-quanto alguns praticam a caridade quando são chamados a fazê-lo, o soli-dário está sempre “ligado” na carência do outro. Este Salmo privilegia, co-mo foi dito, a solidariedade, mas também o cuidado fraterno especialmente com os mais fracos, os pobres e os despossuídos. Embora a nossa carida-de não deva ser interesseira, a espera de recompensas, Deus nos garante seu apoio nos momentos difíceis, se formos pródigos e generosos na aco-lhida e no socorro do indigente e do excluído.

9. Feliz quem tu escolhes e aproximas de ti para morar no teu Templo (65,5);

Semelhante ao que é dito no Salmo 24, aqui o salmista ergue um louvor e um agradecimento a Deus, pela escolha e eleição do fiel para caminhar com ele e ser digno de entrar no seu Tabernáculo. O Senhor chama e esco-lhe a todos; aceitar essa vocação é uma questão de fé.

10. Felizes os que habitam em tua casa: eles te louvam sem cessar (84,5);

O louvor é endereçado a Deus que permite a participação de seus filhos na vida divina. A essa vida divina chamamos de “vida da graça”,que consiste em aceitar os dons que a providência divina nos cumula por toda a vida. Os que habitam na casa do Pai são felizes e dessa felicidade nasce o louvor e a ação-de-graças.

11. Felizes os que encontram em ti a sua força ao preparar sua peregrina-ção (84,6);

Na Antiguidade, as peregrinações compreendiam extensas e concorridas caminhadas na direção das cidades santas, especialmente para Jerusa-lém. Antes de empreendê-las, o povo orava a Deus pedindo proteção. Hoje podemos enxergar a vida humana como uma grande peregrinação à casa do Pai. É feliz o homem que se sente apoiado e fortalecido pela misericór-dia divina para empreender essa importante jornada.

12. Javé dos Exércitos, feliz o homem que confia em ti! (84,13);

Seguindo a linha de louvor dos Salmos anteriores, este glorifica a Javé dos Exércitos pela segurança que proporciona àqueles que nele confiam. Este é um Salmo litúrgico em que o povo que volta do exílio descobre o sentido da sua vida e a forma mais concreta de viver sua espiritualidade.

13. Feliz o povo que sabe te aclamar: ele caminhará, ó Javé, à luz da tua face (89,16);

O conteúdo deste Salmo, cuja autoria é atribuída a Ethan, o ezraíta, retra-ta o culto de memória que perdura em Israel desde o êxodo, a partir do qual o povo não cansa de glorificar o Senhor, pela libertação. Nessa glorifi-cação aparece a alegria e o orgulho de um povo historicamente escolhido. A palavra “aclamar” tão comum nos livros Sapienciais hebraicos aponta aqui para um brado de triunfo. O rosto benévolo de Deus ilumina como um sol a vida e a conduta dos que são íntegros.

14. Feliz o homem a quem educas, Javé, a quem ensinas com a tua lei (94,12);

Todas as atitudes de Deus com relação ao ser humano têm sua pedagogia, visando uma edificação pessoal e comunitária. Este é um Salmo da época de retorno do exílio babilônico, período em que os mestres de Israel, afir-mavam que todo o sofrimento pelo qual passou o povo tem um aspecto educativo, por conta do desleixo em observar a Lei. Esta bem-aventurança passa do estilo sapiencial à revelação teológica que preconiza o cumpri-mento da lei.

15. Feliz quem observa o direito e pratica a justiça em todo o tempo! (106,3);

Este é outro Salmo com caráter de hino litúrgico, tanto que abre com a a-clamação de um vigoroso “aleluia”. Aqui os termos “direito” e “justiça” são uma característica do homem justo, cuja persistência e perseverança o tornam feliz. Aqui a bem-aventurança contempla o homem que age com retidão de atitude e caráter.

16. Feliz o homem que teme a Javé e se compraz com seus mandamentos! (112,1);

A Lei de Deus não é um fardo pesado, mas uma graça capaz de iluminar o caminho dos homens, nas refregas diárias contra as forças do mal. Na continuação, o salmista afirma que a descendência do íntegro que teme a Deus será poderosa e abençoada. Trata-se de uma meditação sapiencial sobre o ser e o agir do justo. Esta bem-aventurança é aberta com um bra-do de aleluia como sinal de fé em Deus e alegria. Trata-se de uma lição pa-ra a vida daquele que crê e almeja a salvação.

17. Feliz quem tem piedade e empresta, e conduz seus negócios com retidão (112,5);

O homem honesto e solidário que se compadece das necessidades dos ou-tros é tachado de feliz, em face da integridade do seu caráter. O ato de so-correr o necessitado é uma demonstração do “temor de Deus” (um dos dons do Espírito Santo). Esse dom se caracteriza por atitudes práticas de solidariedade. A partir da compaixão de Deus o homem deve aprender a ser justo e socorrer as necessidades dos outros sem esperar recompensa.

18. Felizes os íntegros em seu caminho, os que andam conforme a vontade de Javé (119,1s);

Neste grande Salmo de meditação sapiencial é dito pelo autor que são ín-tegros todos aqueles que se perfilam à vontade de Deus. O caminho dos justos sempre prospera por causa da integridade dos seus atos, que se a-justa àquilo que Deus quer.

19. Feliz quem teme a Javé e anda em seus caminhos! (128,1);

Os caminhos do Senhor são bondade e amor. Quem reconhece essa verda-de reconhece a divindade de Deus, tornando-se dócil e obediente aos man-damentos do Senhor. Temer a Javé e seguir seus conselhos são atitudes afins, correlatas e comunicantes.

20. Você comerá do trabalho de suas próprias mãos, tranqüilo e viverá feliz (128,2);

Aqui o salmista se refere ao valor do trabalho humano, complementando a idéia do v. 1. Temer a Deus e cumprir suas normas é condição de felicida-de. Trabalhar, produzir e auferir bens com a produção é uma bênção.

21. Feliz o povo cujo Deus é Javé! (144,15).

Neste Salmo de Davi ocorre uma semelhança com o Salmo 33, onde a feli-cidade é creditada ao povo que aceita Javé como seu Deus e Senhor. Os judeus, até os dias de hoje, costumam usar este Salmo afixado à porta de suas casas. Povo da promessa continua sendo o povo da Aliança, que re-conhece a Javé como seu Deus.

22. Feliz quem se apóia no Deus de Jacó, quem coloca sua esperança em Javé seu Deus (146,5);

Esta é a última bem-aventurança do Saltério. Trata-se de um Salmo de confiança, onde o rei Davi exalta o poder de Deus, que por toda a história sempre foi o go´el (o aliado) do povo de Israel. Aqui surge a lembrança do patriarca Jacó e das doze tribos de Israel.

A oração dos Salmos é uma forma de comunicação com Deus que os ju-deus, deste a Antiguidade, usavam para louvar, agradecer e glorificar a presença divina.

Invoque-me no dia da angústia, eu te livrarei e tu me glorificarás (Sl 50,15).

Para finalizar, vamos encontrar mais uma “bem-aventurança” (a 25ª.) ende-reçada àqueles que reconhecem em Javé o pastor do povo:

Sim, felicidade e amor me acompanharão

todos os dias da minha vida (23,6).

Se a felicidade não bate, construa-lhe uma porta (Mesquita Galvão)

Esta meditação foi levada a efeito em um retiro de religiosos em São Paulo (IS) em no-vembro 2009. O autor é escritor, com mais de cem livros publicados no Brasil e exterior, entre eles “Salmos: a oração do povo de Deus”, Ed. Ave-Maria, 2001. Exegeta, especialista em espiritualidade e Doutor em Teologia Moral. Conferencista e pregador de retiros de espiritualidade. E-mail: kerygma.amg@terra.com.br