INFERNO NOSSO DE CADA DIA

"De boas intenções o inferno está cheio", muito já ouvimos este axioma e sempre ignoramos sua profundidade sem percebemos que nada tem de vão. É que não nos damos conta de quantas boas intenções temos guardadas em nossos corações, de quanta vontade de ajudar somos portadores e de quantas criticas às ações danosas somos porta-vozes. Não nos damos contas que temos em nossa retórica a solução para os mais diversos entraves e a cura para os infinitos males, não nos damos contas que os contornos assumidos para não realizar nada do que apregoamos, passa por querer de verdade, desejar profundamente.

Legal compadecer-se do velho largado numa casa de repouso sem assistência necessária, porém sua carência passa pela dificuldade de empenho da pessoa humana e eu tenho um tempinho pra cervejinha e o futebol. O mendigo que me aborda me provoca indignação por sua situação e eu resolvo o meu problema de consciência com algumas moedinhas, isso não é uma prerrogativa minha, isso eu sei, me prevaleço disso quando vejo muitos que possuem boa situação financeira agirem da mesma forma. A fortuna é uma das maiores, se não a maior das provações. Iludem-se os que vêem na fortuna dádiva ou supremacia. A responsabilidade é proporcional ao “dote” recebido.

A prepotência do mundo em que vivemos nem sempre nos permite refletir sobre esse tema, mesmo sabendo que alguns segundos de reflexão são uma eternidade desastrosa para os que urgem nos guetos e marquises. Não doamos aos movimentos de coleta de usados o que eles necessitam, mas o que nos sobra. Não doamos bens, doamos entulhos. Aliviamos nossa consciência, os armários e ainda ganhamos espaço para voltar a ocupá-los na próxima ida ao shopping. A dificuldade de olhar para baixo ou para os lados é tanta, que só pode ser comparada a de um camelo ao passar pelo fundo de uma agulha – ops! Alguém já disse isso!... Muitos são afortunados, poucos são ricos de fato.

Os prêmios de loterias nos encantam, temos lindos planos para eles. Pensamos conseguir manter-nos imunes ao assédio do poder, as carícias vaidade. Isso é cômodo. Se não conseguirmos o prêmio desobrigamo-nos de realizações altruístas. Bem mais leve pensar assim do que levantar-se mais cedo e ganhar uns pontinhos agregando-se ao voluntariado tão carente. Lemos e aprovamos textos que tratam do tema, mas não conseguimos ver essa simbiose materializada. Como num jogo de xadrez, um passo atrás pode parecer retrocesso, mas nesse caso nos permitiria obter uma melhor visão do tabuleiro ao ponto de nos liberar das amarras preconceituais, letárgicas, livrar-nos de nossa condição indolente perante vida. Precisamos dar aquele salto em direção ao oculto e mergulhar em nosso lago escuro sem temores quanto ao resgate.

O reconhecimento a essa limitação, já considero um avanço, mas a ação ainda requer desprendimento desobrigado, compreensão acima do interesse. Precisamos passar a ver vida a partir dos reflexos e marcas que são projetadas em outros rostos e isso não é tão complicado assim.

Pena que nossa consciência não é de papel. Parece tudo tão simples quando se escreve....

Du Valle

Anderson Du Valle
Enviado por Anderson Du Valle em 03/06/2012
Reeditado em 03/06/2012
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