Carta 010 - A sétima Trombeta

Carta 010

Assunto: A sétima trombeta

Um leitor de Santa Catarina diz que ouviu falar, na tevê sobre

a “sétima trom-beta”, ficou impressionado com o assunto e

quer saber o que é isto.

Caro amigo,

No campo das profecias escatológicas aquela que se refere à sétima trombeta é a mais impressionante. Sobre isto lemos no capítulo 10 do Apocalipse:

Não há mais tempo. Quando o sétimo anjo tocar a trombeta,

então vai se realizar o mistério de Deus, conforme ele anunciou

aos seus servos, os profetas! Aquela mesma voz do céu, que eu

já tinha ouvido, tornou a falar comigo: “Vá! Pegue o livrinho

aberto da mão do Anjo que está de pé sobre o mar e sobre a

terra”. Eu fui, e pedi ao Anjo que me entregasse o livrinho. Ele

falou comigo: “Pegue e coma. Será amargo no estômago, mas

na boca será doce como o mel”. Peguei da mão do Anjo o

livrinho e o comi. Na boca era doce como o mel, mas quando o

engoli, meu estômago virou puro amargor. Então me

disseram: “Você tem ainda que profe-tizar contra muitos povos,

nações línguas e reis” (vv. 6b-11).

O Anjo forte indica uma poderosa manifestação de Deus. Vestido de nuvem, coberto por um arco-íris e com o rosto resplandecente, ele representa o poder, a glória e a misericórdia de Deus. Tudo está no terreno da preparação para a sétima trombeta (11,15). A imagem do arco-íris personifica a misericórdia de Deus, capaz de estabelecer uma aliança de amor com o homem. Surgido depois do dilúvio, o ar-co-íris é sinal de esperança, fim do castigo, ponte por onde o homem pode chegar a Deus. Já o rosto como sol, revela a luz que ilumina a vida, que tanto pode ser o Pai, como o Filho ou o Espírito Santo.

O julgamento se fará sob a luz: isso o anjo veio anunciar. As pernas do Anjo, como colunas de fogo (cf. Ez 1,7; Dn 10, 6; Ap 1, 15) são um símbolo do juízo, da purificação, do expurgo. A colocação dos pés, um sobre o mar e outro sobre a terra, caracteriza um senhorio absoluto de Deus, sobre toda a terra. A figura do livrinho aberto indica que, após os selos terem sido rompidos pelo Cordeiro, a Palavra de Deus (o Evangelho) está pronta para ser revelada (lida) e assimilada (comida) pelo homem.

Ao dizer que “não há mais tempo...” o escritor manifesta a iminência da paru-sia (a vinda definitiva de Cristo): “Eis que venho em breve...” (1,1.3; 22, 7.12). A voz forte, como o rugido de um leão, acompanhado de trovões, é uma expressão usada mais de uma vez no Apocalipse, e retrata a autoridade de Deus. O leão pode ser en-tendido como um reforço à voz forte, ou também como a voz de Cristo, o “leão de Judá”, que ecoa em todo o mundo (cf. Sl 29, 3-9). No v. 4 o vidente é aconselhado a não revelar um segredo. Nessa interpretação os biblistas se dividem.

Há os que a-firmam tratar-se de uma visão particular concedida a João, sem interesse univer-sal, servindo apenas para um propósito imediato, ou segundo outro segmento, tra-ta-se de juízos terríveis que nunca acontecerão em virtude da misericórdia de Deus (cf. Mt 24, 22). Guardar em segredo, significa dizer que seu efeito foi cancelado.

Os vv. 5-6 nos mostram o Anjo com a mão direita levantada para céu, como quem vai proferir um julgamento (cf. Dn 12, 6), jurando por Deus que toda a profe-cia vai acontecer breve, com a realização do que chama “mistério de Deus”. Os mis-térios de Deus são, na verdade, todo o conteúdo do livro, segredos que aos poucos vão se revelando, como o mistério escatológico (tribulação, redenção, ressurreição, arrebatamento, vida eterna), quando a terra, na parusia (segunda vinda Cristo) se encherá do conhecimento de Deus (cf. Is 11, 9).

A voz de Cristo (v. 8) manda o vi-dente apanhar, da mão do Anjo, o livro que estava aberto (revelação completa). O Anjo manda comer o livrinho (cf. Ez 2, 8; 3,1ss). Comer (cf. Jr 15, 16), nesse caso, significa ler o Evangelho, tomar conhecimento de suas exigências e assimilá-lo, co-locando-o em prática (cf. Mt 7, 25 par.). Vale ler abaixo um trecho do Apocalipse.

A dialética doce-amargo, experimentada após a ingestão do livro, revela que a palavra de Deus é doce, quando observada superficialmente, tornando-se amarga depois, pelo compromisso que desperta. É doce meditar a palavra de Deus e desfru-tar de sua intimidade (cf. Sl 19, 11), mas amargo é o dever de profetizar, assim co-mo o desleixo de não servir o Senhor (cf. Jr 2, 19). Por último (v. 11), o vidente re-cebe ordens de profetizar contra vários segmentos, revelando a universalidade da denúncia, assim como a salvação, que deve ser anunciada a todos. No capítulo se-guinte há outras referências sobre o profetismo em nome de Deus.

Depois disso, deram-me um bastão parecido com vara, e me

disseram: “Levante-se e tire as medidas do Templo de Deus, do

altar e dos que estão lá em adoração. Deixe de lado o pátio

externo; não precisa medi-lo; pois o pátio foi entregue ao

poder das nações; elas vão pisar a Cidade Santa durante

quarenta e dois meses. Mas eu vou permitir que minhas duas

testemunhas possam profetizar, vestidas de pano de saco,

durante mil, duzentos e sessenta dias”. Essas duas

testemunhas são as duas olivei-ras e os dois candelabros que

estão diante do Senhor da terra. Se alguém quiser pre-judicá-

las, um fogo sairá de sua boca e devorará seus inimigos. Sim,

se alguém qui-ser prejudicá-las, é assim que vai morrer. Elas

têm o poder de fechar o céu, para que não caia nenhuma

chuva enquanto durar sua missão profética. Elas têm o poder

de transformar as águas em sangue. E quantas vezes quiserem,

podem ferir a terra com todo tipo de praga. Quando elas

terminarem o seu testemunho, A Besta que sobe do Abismo, vai

combater contra elas, vai vencê-las e matá-las. E os

cadáveres das duas testemunhas vão ficar expostos na praça

de Grande Cidade. Esta cidade se chama simbolicamente

Sodoma e Egito, onde foi crucificado também o Senhor delas.

Gente de todos os povos, raças, línguas e nações, vêem seus

cadáveres durante três dias e meio. E não deixam que os

corpos sejam sepultados. Os habitantes da terra fazem festa

pela morte das testemunhas, ficam alegres, trocam

presentes, porque esses dois profetas haviam incomodado os

habitantes da erra. Depois de três dias e meio, um sopro de

vida veio de Deus e penetrou nos dois profetas. E eles ficaram

de pé. Todos aqueles que os contemplavam ficaram com muito

medo. Ouvi então uma voz forte vinda do céu e chamando os

dois: “Subam para cá!” Eles subiram ao céu na nuvem,

enquanto os inimigos ficaram aí olhando. Na mesma hora

aconteceu um grande terremoto. A décima parte da cidade

desmoronou, e sete mil pessoas morre-ram no desastre. Os

sobreviventes ficaram apavorados e deram glória ao Deus do

céu. Isso que se passou foi o segundo Ai. E o terceiro já vem

chegando bem depres-sa. O sétimo Anjo tocou a trombeta. E

vozes bem fortes começaram a gritar do céu: “A realeza do

mundo passou agora para Nosso Senhor e para seu Cristo. E

Cristo vai reinar para sempre”. Os vinte e quatro Anciãos que

estão sentados em seus tronos diante de Deus ajoelharam-se e

adoraram a Deus. Eles diziam: “Nós te damos gra-ças, Senhor

Deus, Todo-poderoso, Aquele-que-é e Aquele-que-era. Porque

assumiste o teu grande poder e passaste a reinar. As nações

tinham se enfurecido, mas chegou a tua ira e o tempo de julgar

os mortos, de dar recompensa aos teus servos, os profe-tas,

aos santos e aos que temem o teu nome, pequenos e grandes,

e o tempo de des-truir os que destroem a terra”. Abriu-se

então o Templo de Deus que está no céu, e apareceu no

templo a Arca da Aliança. Houve relâmpagos, vozes, trovões,

terremotos e uma grande tempestade de pedra (Ap 11,1-19).

No v. 1, o vidente recebe um bastão, um pedaço de taquara para fazer a me-dição do templo, do altar e dos adoradores lá presentes. Ora, a medição sempre an-tecede uma construção ou reconstrução. Neste trecho, o santuário, o altar e os ado-radores, sintetizam a Igreja, enquanto “povo de Deus”. A medição simboliza prote-ção contra a apostasia, e, ao mesmo, sinal de restauração. Medir o santuário signi-fica comparar e restaurar a fé dos crentes (cf. Ez 40, 3; Zc 2, 5s), avaliando sua conduta. Consciente da proteção da Igreja, São Cipriano († 258), afirmaria, no sé-culo III d.C. que salus extra ecclesiam non est (Fora da Igreja não há salvação, in Ep 73, 21).

É voz comum entre alguns biblistas a suspeita que os versículos 1-13 sejam antigos fragmentos esparsos, de antes de 90 d.C. A constatação de alguns vícios de cronologia leva a essa suspeita. Fora da medição ficou o pátio exterior (v. 2) do templo de Jerusalém chamado de “pátio dos gentios”, reservado aos pagãos e aos não iniciados no judaísmo. Aliás, essa expressão “lado de fora” aparece muitas ve-zes nos Evangelhos, como trevas exteriores... (cf. Mt 25, 30 par.), identificando a-quelas pessoas que não terão proteção. A expressão nações que aqui aparece, tem um sinônimo de mundo, como força contrária, enquanto oposto de céu. Também faz alusão às nações conquistadoras que fustigaram Jerusalém e todo Israel, como babilônicos, assírios, egípcios, filisteus e gregos.

O texto compreendido entre os vv. 3-11 trata das “duas testemunhas” que, vestidas de saco, profetizam durante mil duzentos e sessenta dias. Ora, 1260 dias, equivale a 42 meses, ou três anos e meio, que revela uma obra finita, imperfeita, inacabada, que não vai chegar a sete, que é o número cheio, das coisas perfeitas. Sua profecia será interrompida, não por desejo ou defeito deles, mas pelo martírio. O ato de vestirem pano de saco, significa estarem em penitência, coisa comum aos profetas do tempo do exílio. Tratando-se de minhas duas testemunhas, observa-se como testemunhas de Cristo.

Sendo as duas oliveiras e os candelabros que estão diante do Senhor (v. 4), as duas testemunhas representam os dois homens, Zorobabel e Josué, que receberam de Deus o poder para restaurar Israel (cf. Zc 4, 3. 11-14). Há segmentos da exegese protestante que afirma que as duas testemunhas se trata da Bíblia (Antigo e Novo Testamento). O novo povo de Deus abrange o passa-do, o presente e o futuro, trazendo-nos as figuras de Moisés e Elias, e também Pe-dro e Paulo. Esses são os restauradores da Igreja de Cristo, chamada a ser teste-munha e profeta. Mesmo santa a Igreja sempre está a carecer de conversão.

O fogo e a água dos vv. 5-6 revelam proteção e poder, através do fogo de Elias (cf. 2Rs 1, 19-16) e as águas e pragas de Moisés (Ex 7, 17.20; 9, 23; 11, 10). O candelabro, que se confunde com a própria luz de Deus (cf. Zc 4,6a) reflete os membros do povo de Deus, também chamados a ser luz (cf. Mt 5, 14). Nos vv. 7-10 vemos as testemunhas, agora não só aquelas históricas, mas os mártires do pre-sente e do futuro, sendo vítimas da Besta (cap. 13) que emerge do fundo do Abis-mo. Aqui se esclarece a semelhança entre a Besta e Lúcifer, a “estrela caída” (9,1).

O ato de matar as testemunhas (testemunha em grego é martyr) e se refere não só ao tirar a vida, mas também perseguir, investir contra a fé e coagir, à rebelião, ao hedonismo, à violência e ao materialismo. Os cadáveres expostos na praça (v. 8) se referem a uma forma cruel de morte, tornada pública, como exemplo (países islâmi-cos que matam seus criminosos diante das câmeras de tevê) ou como forma de au-mentar audiências (tevês do mundo inteiro).

A “grande cidade” aqui é Jerusalém, mas, por certo, refere-se a Roma, tida naquela época como a capital do pecado, mas poderia citar, antigamente, a Babilô-nia, ou, modernamente, o Rio de Janeiro, Nova York, Paris, Bogotá, Tóquio ou ou-tra qualquer. No texto são citadas, Jerusalém onde Cristo foi morto, Sodoma, por sua vida desregrada, e o Egito, por ser símbolo da escravidão de Israel. Assim como a revelação é universal (cf. 10,11) abrangendo povos, tribos, línguas e nações, tam-bém o é a profecia contra a iniqüidade e a opressão.

Os cadáveres insepultos, como uma vingança da Besta, por três dias e meio (menos de sete), demonstram a injus-tiça dessas mortes e o curto período de sua impunidade. A festa dos maus (v. 10), a alegria e a troca de presentes (um “Natal” infernal, às avessas) indica a força da vingança dos seguidores da Besta, e o quanto a santidade das testemunhas os con-trariava. O triunfo do mal é aparente. Hoje há pessoas que se desesperam ao ver o crescimento do mal e o esmagamento aparente do bem. Na parábola do trigo e do joio, Jesus nos dá pistas sobre esse assunto (cf. Mt 13, 24-30).

A expressão “depois de três dias e meio...” (v. 11) retrata que o tempo das coi-sas imperfeitas tem fim: ali acaba o poder do mal. O Espírito Santo começa a atuar, convertendo a muitos. Os profetas que se põem de pé, mediante o sopro de Deus, são um sinal da ressurreição, igual àquele em que os ossos no campo adquirem vida, transformando-se no exército do Senhor (cf. Ez 37, 7-10). Os vv. 12-14 mostram, no meio de uma manifestação da natureza, o segundo Ai da Grande Cidade, como a lamentar-se na hora da morte de Jesus (cf. Mt 27, 51; Lc 23, 45-48).

Sete mil, o número dos mortos é resultante de 7x1000. Sete é número cheio, representa-tivo de um todo, e mil retrata uma multidão. Isso nos leva a crer que haverá mor-tes, de muitas pessoas, atingindo todas as classes sociais.

O v. 15 narra o soar do shofar, a sétima trombeta. As vozes fortes identificam o júbilo dos justos que vêem o “reino do mundo”, antes dominado pelo mal, tornar-se de Nosso Senhor e de seu Cristo. A convulsão no céu e na terra (cf. Mc 13, 25) mostra a ira de Deus e a proclamação de seu poder (cf. Dn 7, 14.27). Os veneráveis do céu (a Igreja Triunfante), os 24 Anciãos ajoelham-se e adoram a Deus em uma inspirada doxologia (vv. 16-17). O v. 18 nos mostra as nações enfurecidas, com medo do julgamento (cf. 6, 16) e decepcionadas com a perda do poder da Besta.

O julgamento vem cheio de recompensas e castigos, de acordo com o procedimento de cada um. A recompensa reservada aos profetas é a plena revelação do que vai acon-tecer (cf. Am 3, 7). Concluindo, vamos ver no v. 19 o surgimento da antiga “Arca da Aliança” (cf. Ex 25, 8-10), símbolo do pacto eterno e da presença de Deus. A verda-deira aliança se efetiva quando o povo de Deus assume seu múnus profético, na Igreja e no mundo. Uma manifestação ruidosa dos fenômenos da natureza, tão ao gosto dos escritores judaicos, tem o efeito de uma teofania que exprime alegria e vitória. A sétima trombeta apresenta o tempo do fim quando o remanescente fiel proclamaria o evangelho eterno e a mensagem dos três anjos a todo o mundo.

No filme The Moment After (1 e 2) que no Brasil ganhou o título de “Arrebata-mento” o expectador é levado a presumir que os arrebatados são levados por Deus para um lugar seguro, o céu, enquanto os “deixados para trás” ficam entregues ao poder cruel e opressor da “Nova Ordem Mundial”, comanda pela Besta. No filme, a partir do Presidente da República (seria o Anticristo?), todos são obrigados, coerci-tivamente, a usarem um chip na mão direita, para fins de identificação. Ocorre aí uma clara alusão à marca da besta, colocada na mão de todos os que se opõem ao reinado do Cordeiro (cf. Ap 14,9). No campo do imaginário popular, tem gente que anda escutando trombetas por aí...

A sétima trombeta, a tés eschata salpinx (a trombeta escatológica) aponta pa-ra a volta de Jesus! Nós estamos preparados para esse encontro com Ele?

Um abraço fraterno.