Carta 017 - A escirtura judaica

A Escritura Judaica

Um leitor de Rondônia solicita uma informação sobre a

divergência entre o número (e a nomenclatura) dos

livros Sagrados dos judeus com relação às Bíblias

católicas.

Caro leitor,

Quando se estuda as Escrituras com os mestres judaicos, como fiz em 2009 em Jerusalém (École Biblique et Archéologique de Jérusalem – EBAJF) há que se ter sempre alguns cuidados. O que para nós é “Bíblia”, para eles é tanakh. É claro que estou me referindo ao Antigo Testamento, uma vez que, por uma questão de estrutura doutrinária, eles ignoram o nosso Novo Testamento. Os judeus tem enorme carinho e veneração por suas Escrituras, assim como nós amamos a nossa Bíblia.

Embora realizado por especialistas das áreas de teologia, ciências da religi-ão, antropologia e arqueologia, o evento em Jerusalém reuniu pessoas não per-tencentes às hierarquias ou ao saber oficial das religiões, mas pensadores independentes, escritores e exegetas sem vínculo. Não havia rabinos, padres nem pastores. O evento ocorreu em dois lugares: em Caphernaun, na Galiléia, e junto a Ramat Ráchel, um sítio arqueológico perto de Tel Aviv. As apresentações e os debates ocorreram em hebraico, inglês e francês.

A dificuldade do estudo dos livros judaicos começa com o número de livros. Enquanto o cânone (a regra) católico possui quarenta e seis livros, a coletânea dos judeus (no que é acompanhada pelos protestantes) tem livros a menos: ela não registra os livros Judite, Tobias, 1 e 2 Macabeus, Eclesiástico, Baruc e Sabedoria que são encontrados nas nossas Bíblias. São, portanto, sete livros a menos, além de alguns fragmentos (escritos em grego) de Ester (9,20-32) e Daniel (cap. 13-14). Esta diferença tem a ver com aspectos históricos levados a efeito com a reforma de Esdras (430 a.C.).

A outra divergência está na sistematização dos livros. As Bíblias católicas tem seus quarenta e seis livros do Antigo Testamento dispostos em quatro grupos (Pentateuco, Históricos, Sapienciais e Proféticos). Os judeus agruparam seus livros em três compartimentos: Torá (a lei), Nebiim (os profetas) e Ketuwin (os demais escritos). Pentateuco é penta (cinco) e teuxós (rolos). É das iniciais de Torá, Nebiim e Ketuwin sai o acrônimo Tanaka (tanakh).

O objetivo do trabalho levado a efeito em Jerusalém em 2009 foi trazer mais esclarecimentos de exegese e interpretação para a chamada “parte mitológica” da Bíblia, capítulos 1 a 11 da bereshit, (livro de Gênesis). Assim buscou-se uma nova visão, místico-científica, e sobretudo crítica para os personagens Lylith (a primeira mulher de Adão), Adão e Eva (como uma geração e não um simples casal), seus filhos Cahim e Abbel (como classes em tensão e não apenas dois irmãos) e sobre a família de Noé, e sobre os eventos “Dilúvio”, “Torre de Babel” “Gigantes” e a fantástica “Tomada de Jericó” (Êxodo).

Como essência, Deus criou, salvou e preparou um projeto. A forma como is-to aconteceu, o como é acidental, adstrito à exegese de cada época. Os participan-tes esperam que, com o passar dos anos haja um substancial incremento de in-formações crítico-científico-religiosas nos rodapés dos livros sagrados, com o aporte dos subsídios da ciência, ao invés de tão-somente informações religiosas. A pesquisa deve continuar pelos na escolas, universidades e pelos links da Internet.

Voltando às dificuldades do estudo conjunto, vemos que dentro do cânone católico, os cinco primeiros livros (no Pentateuco) têm nomes em grego e em por-tuguês: Gênesis (o nascimento), Êxodo (a saída), Levítico (os códigos rituais), Nú-meros (o recenseamento) e Deuteronômio (deuterós = segunda + nómos = lei).

Os judeus adotam outro critério para nominar seus livros. Eles não foram buscar nomes em outras línguas, mas utilizam as primeiras palavras de cada vo-lume para designá-los. Assim, o livro do Gênesis é chamado de bereshit, que significa no princípio; ao segundo volume, o Êxodo, os judeus chamam de shemôt, que se refere aos nomes dos filhos de Israel; ao Levítico dão o nome de vaicrá – e chamou, que narra o chamado de Javé a Moisés, para uma conversa na “tenda da reunião”; o quarto livro, Números, é conhecido entre os hebreus como bamidbar – no deserto, que explicita o mandato de Deus, no deserto do Sinai, para que Moisés realizasse o censo do povo; por último, o Deuteronômio é chamado de debarim (ou devarim) como as palavras dirigidas por Moisés à assembléia do povo, no outro lado do Jordão.

Dos três conjuntos que compõem a Tanakh (Torá, Nebiim e Ketuwin) a ênfa-se de leitura e oração se apóia na Torá e seus cinco livros. As preces dos rabinos e demais fiéis junto ao “muro das lamentações” bem como nas sinagogas contempla privilegiadamente textos da bereshit, supervenientemente a shemôt, vaicrá, bamidbar e debarim. A esses livros, por sagrados, devemos respeito e reverência.

O ciclo de estudos citado teve o apoio do Rockfeller Archeological Museum (Jerusalém), do Museum of Jewich People (Tel Aviv) e da École Biblique et Archéolo-gique (française) de Jèrusalem. A reunião desses intelectuais, por sua importância mereceu reportagem de destaque no “The Jerusalem Post” de 13/08/2009 e no JJTh (Jornal da Teologia Judaica). Minha mulher Carmen me acompanhou, a-judando nas traduções e no manuseio do laptop.

Espero ter respondido satisfatoriamente suas questões. De qualquer forma, fico sempre à sua disposição. Fique com a proteção de Deus e o carinho materno de Maria.