FÉ DETERMINISTA, A FÉ QUE FAZ DEUS TREMER

Ao retornar de uma viagem segunda-feira passada, em 5 de setembro de 2012, minha esposa trouxe consigo um livreto do Bispo Macedo, que ela recebeu enquanto aguardava a cirurgia da irmã no hospital em Lajeado, interior do Rio Grande do Sul. No livreto, o religioso ensina os fiéis a como acelerar as respostas de Deus e otimizar os resultados de suas orações. Outro dia eu já vira estupefato, no canal de televisão da Igreja Sara Nossa Terra, um pregador ensinar que não recebemos mais bênçãos de Deus, ou tantas quanto pedimos (e bênçãos se entenda por riquezas materiais) porque nos dirigimos a Ele em condição humilde, acanhada, como a de servos, a exemplo do filho pródigo, em Lucas 15:19, que, ao retornar derrotado, envergonhado, roto e sujo, disse: “Pai, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus empregados”, pois dizia consigo quando na miséria: “Quantos empregados de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome!”. Citando esta passagem, o pregador explicou que devemos nos colocar na condição de filhos e assim pedir como filhos, como quem tem direito aos bens do Pai, sugerindo que se nos impusermos, Deus reconhecerá nosso direito.

Pouco tempo se passara desde essa afronta a inteligência e surgiu esse livreto do Bispo Macedo, Prova Com Deus, 1ª Edição, Unipro Editora, que minha esposa já criticara estupefata na sala de espera do hospital em Lajeado, comentando com as senhoras presentes sobre a insolência retratada no impresso. Nas páginas 8 e 9 do livreto o Bispo observou que por mais de vinte anos “Abraão obedeceu fielmente a Palavra de Deus por crer em Sua promessa de lhe dar um filho como herdeiro, mas nada ocorreu” e, ao ouvir Deus dizer-lhe “Não temas, Abraão, eu sou o teu escudo, e teu galardão será sobremodo grande” (Gênesis 15:1), Abraão indignou-se, expressando sua indignação nos versos 2 a 5, dizendo: “ó Senhor Deus, que me darás, visto que morro sem filhos, e o herdeiro de minha casa é o damasceno Eliézer? A mim não me tens dado filhos; eis que um nascido na minha casa será o meu herdeiro”. E, segundo o bispo, essa indignação provocou a resposta de Deus a Abrão, dizendo: “Este não será o teu herdeiro; mas aquele que sair das tuas entranhas, esse será o teu herdeiro”.

Assim, o bispo, conclui que “Abraão se revoltou contra aquela situação, afinal, ele fizera tudo conforme Deus havia lhe ordenado, mas não vira o resultado”.

“O problema, prosseguiu o bispo, “é que até aquele momento, Abraão estava apenas sendo religioso. Porém, no momento em que refletiu sobre o que Deus lhe havia prometido, (...) usou a fé racional, ele mudou de atitude”. Então, segundo o bispo, Abraão cobrou uma resposta. “Quer dizer”, explicou, “a indignação de Abraão fez com que Deus lhe desse uma resposta imediata”.

Contraditória essa pregação, pois a Bíblia é bem clara em mostrar que nada podemos fazer para merecer as considerações de Deus, pois tudo Ele nos dá de graça e pela graça de Jesus na cruz. Se Ele fosse esperar pela obediência dos seres humanos para beneficiá-los, Ele jamais nos daria nada, pois nossos pensamentos são sempre egoístas. As bênçãos são o resultado matemático das nossas boas ações, denotando que ao obedecermos não o fazemos para favorecer a Deus, nem tem como, mas o fazemos por reconhecermos que obedecê-lO é a obrigação de quem recebeu a salvação de graça, é justo e é correto, e fazer o que é correto sempre beneficiará a quem faz, como quando obedecemos ao sinal vermelho, recebemos no ato a bênção de não sofrermos acidente, nãos ferir-nos, não ferir alguém, não matar e não morrer. E, demonstrando como as bênçãos de Deus não podem ser compradas com nossos esforços em obedecer, em Mateus Jesus diz que devemos amar e fazer o bem justamente a quem nos odeia e persegue e somente assim seremos melhores que os maus, pois o Pai manda o sol e a chuva, colheita e tudo sobre bons e maus indiscriminadamente. Portanto, não podemos cobrar nada de Deus, pois Ele faz tudo antes que pedirmos. Apenas podemos pedir humildemente com a certeza de que Ele sempre nos ouve e responde, podendo ser essa resposta “espera um pouco”, “sim” ou “não”, mas, não importa qual seja a resposta, Ele sabe o que é melhor.

Em primeiro lugar, esses pregadores ensinam que se deve pedir o que bem se entende (especialmente riquezas) a Deus sem nem mesmo dar-lhe o tempo de responder e decidir se tal dádiva nos convém e será benéfica. É como se esse Deus fosse o guarda-chave do nosso almoxarifado pessoal, onde tem tudo o que queremos e Deus não pode opinar sobre o que é melhor. Mas, contrariando esse pensamento, em Romanos 8:28 diz que “Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus”. Isto indica que o que Deus nos dá espontaneamente é melhor do que o que pedimos, pois, em Romanos 8:26 o mesmo apóstolo Paulo diz que “(...) não sabemos o que pedir como convém (...)” e pedimos o que não é bom, por isto o Espírito Santo intercede por nós diante de Deus.

Isso mostra que o que pedimos e é atendido não parte de nossa iniciativa, mas é intuído pelo Espírito de Deus que nos move a pedir e interpreta nosso pedido diante do Senhor.

A origem do pecado está unicamente em o ser criado impor e pôr sua vontade acima da vontade de Deus, que contempla o direito de todos. Se ensinarmos as pessoas a, aparentemente, entregarem sua vida a Deus para utilizá-lo na satisfação de suas vontades egoístas não lhes ensinamos nada que já não façam instintivamente, pois fazer a própria vontade é próprio da natureza humana decaída e por isto é que vivemos ansiosos e insatisfeitos. Pregando assim, que as pessoas devem se impor a Deus, exaltando-se, como quem é digno de exigir-lhE algo, em vez de ajudarem os indivíduos a vencerem a ansiedade, esses pregadores os empurram para ansiedade e decepções mais profundas. Essa teologia estranha a Bíblia mais parece a teologia dos filhos rebeldes, que sapateiam, constrangem os pais em público e conseguem o que querem. E os pais vão permitindo-lhes crescer com o defeito de caráter de pensar que podem tudo, para, quando forem adultos e depararem-se com um mundo que não lhes passa a mão na cabeça, sentirem-se rejeitados e tolhidos, sentindo profunda pena de si mesmos e caminharem para a depressão, para a bebida alcoólica, para a droga, para o crime, a prisão e o cemitério.

Imagine os pais reféns de filhos assim. Nas lojas e supermercados, eles compram tudo que os filhos pedem e sapateiam que querem; arma de pressão, filmes de terror, roupinhas caras de marca, brinquedos de violência, etc., só porque se não compram os filhos baixam o barraco em público. Conhecemos muitos filhos assim e depois de grandes eles bem sabem maltratar e explorar seus pais. É dessa forma que esses pregadores ensinam as pessoas a relacionarem-se a Deus.

Por outro lado, imagine que alguém que se esquecesse das necessidades indispensáveis dos seus filhos seria Deus. Nem pai ou mãe seria, quanto menos Deus. Então imagine que o Deus verdadeiro se sujeitaria a ser manipulado e precisaria ser coagido por seus filhos para cuidar de suas necessidades. Alguém assim não seria Deus. Os deuses inventados é que são assim. Só mesmo a mente pagã para imaginar que deuses inventados e imagens esculpidas e de fundição são Deus e têm algum poder para cuidar das necessidades dos humanos, que transportam esses deuses e protegem suas imagens, porque nem cuidar de si esses deuses podem.

Quanto a luta diária pela sobrevivência, não precisamos trabalhar além da conta e termos somente dobrões nos olhos. Jesus disse, em Mateus 6:15-33: “Porque estais ansiosos...? (...) Pois a todas estas coisas os gentios” (o pagãos) “procuram.”. “Porque vosso Pai celestial sabe que precisais de tudo isso”. “Mas buscai primeiro o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”. Conteúdo entre parênteses acrescentado. E Davi louvou a Deus dizendo: “Sem que haja uma palavra na minha língua, eis que, ó Senhor, tudo conheces” – Salmos 119:4.

Portanto, Deus sabe tudo e conhece nossas necessidades muito antes que elas nos venham à mente.

Mais adiante, na página 11 do livreto, o Bispo piorou a imagem que fez do Deus Provedor dizendo: “Amigo(a) leitor(a), você não pode aceitar migalhas de Deus. Ele nos prometeu vida em abundância em todos os sentidos. Mas para que essa promessa se materialize em sua vida, é preciso deixar a religiosidade e praticar a fé”.

Imagine que Deus nos dá migalhas. Imagine que a vida, o emprego que temos, a força que nos dá para trabalhar, a casa que moramos, por humilde que seja, as vestes que usamos, embora que simples, o alimento que comemos, mesmo que não seja banquete, a morte de Jesus na cruz e a esperança da vida eterna são migalhas. Deus nos prometeu vida em abundância, mas vida, não dinheiro saindo pelo ladrão, na maioria das vezes, ganho a custa da exploração do salário e mão-de-obra estafante dos funcionários, ou a custa da venda de bebidas alcoólicas, cigarros e alimentos impuros, cujos efeitos destroem as pessoas, as famílias, a saúde física e mental. Bem pelo contrário, muitas vezes o não ter muitos bens e conforto pode ser a bênção, não apenas para um indivíduo e sua família, mas para tantos quantos ele teria a sua mercê, pois a avareza e egoísmo é que têm afundado a sociedade e a natureza; o desejo de possuir demais tem produzido a exploração dos pobres, o banditismo, a miséria, a ansiedade, a depressão e a morte.

Que Deus seria esse, ao qual podemos obrigar a dar-nos tudo que nossa mente tendenciosa imagina e a Ele impomos, não lhE dando sequer a alternativa de decidir se o que pedimos nos será benéfico ou prejudicial? Talvez fosse um ídolo então, um deus inventado. Que Deus seria esse em cujas predições e prescrições se confiaria, se Ele precisa ser lembrado e relembrado de Suas obrigações e, após lembrado, ser coagido a cumpri-las? Poderia até ser um deus, nas não seria Deus. Afinal, foi Ele quem nos fabricou e os fabricantes das coisas sabem antes delas do que precisam para funcionar bem.

A teologia desses líderes demonstra ingenuidade ou completa falta de conhecimento da Bíblia, mas, talvez, seja mesmo guiada por uma ardilosa intenção de torcer a Palavra de Deus e imputar-lhe a imagem de um Deus ao qual não se pode levar a sério, tampouco confiar-lhE a própria vida. Esse Deus, porém, diz: “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como o céu é mais alto do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos”. - Isaías 55:8-9. Portanto, Deus é perfeitamente habilitado para conduzir nosso barco através da pior borrasca sem nem mesmo tomarmos conhecimento do que Ele faz.

Observemos a expressão “mais altos do que os vossos”. Ela denota que os pensamentos e caminhos de Deus não são comparáveis a nossa forma tendenciosa de nos preocuparmos unicamente com o nosso favorecimento, a despeito do direito dos outros. Nem mesmo podemos sondar os pensamentos de Deus; não somos capazes. Os pagãos sacrificavam pessoas aos deuses concebidos por eles mesmos para o favorecimento e riqueza póprios e sequer reconheciam o dever de respeitar os direitos mais sagrados das pessoas – o direito a vida e à liberdade. Nosso Deus não compactua com tal preciosismo. O Deus “Criador do Céu e da terra e das fontes das águas” (Êxodo 20:8-11) não tem pensamentos mesquinhos como os nossos; não tem pensamentos de exploração dos pobres e de confiança no poder das riquezas materiais. Para Ele todos são iguais e Ele faz tudo visando a todos. E é mais fácil Ele manter alguém pobre nesta vida para não perdê-lo para a vida eterna do que dar-lhe a riqueza e o conforto que o farão apegar-se a este mundo. É por isto que Ele é Deus – porque Sua visão vai muito além da nossa.

Quando Jó, um homem realmente temente a Deus, em quem Deus apostou sua confiança, presumiu ter encurralado o Senhor, o Criador do Universo perguntou-lhe: “Onde estavas tu, quando eu lançava os fundamentos da terra? Faze-mo saber, se tens entendimento”. - Jó 38:4. E desse verso em diante Deus deu-lhe uma lição de bom-senso, fazendo-o se lembrar que quando não havia ninguém que pudesse sugerir qualquer coisa a Deus Ele providenciou tudo o que nos faz existir. Como então poderemos nos posicionar ao Criador como se pudéssemos criar algo melhor e censurá-lo? Quem somos, senão pecadores em conseqüente e contínuo distanciamento de Deus? Que mérito temos, senão a morte por termos pecado contínua e obstinadamente? Onde está a dignidade com a qual pretendemos nos impor a Deus e cobrar-lhe nossos direitos? Nada mais nos cabe, senão, com reverência, extremo respeito e humildade, reconhecendo todo a nossa pequenez, em nome de Jesus, pedir perdão por nossos pecados contra a Lei de Deus e Sua soberania para podermos nos achegar a Ele afiançados pelos méritos do sangue de Cristo na cruz.

Observe, nossos méritos são os de Jesus e Jesus é Deus. Portanto, os méritos são sempre de Deus. De outra forma, nada mais somos, senão impenitentes insolentes.

Ao recordar da explicação do bispo Macedo hoje pela manhã, quando viajava de trem até Porto Alegre, me ocorreu a seguinte frase: “O pentecostalismo atual adota o pensamento pagão que se impõe a Deus, exigindo coisas e respostas do Criador, se impondo àquEle que tudo vê e tudo sabe”. Esse posicionamento das teologias neo-pentecostais nada mais é do que a manifestação do paganismo mais tosco; coisa de mentes que criam deuses particulares para satisfazer aos interesses pessoais.

Quando fui anotar a frase no celular, vi uma frase que lá esquecera, a qual diz: “Os pagãos sacrificavam pessoas aos deuses não para pagar pecados, mas para conseguir riquezas”.

Então observei que a grande massa de crentes atuais se dirige às igrejas não por causa dos pecados aos quais querem perdão, tanto é que abolem a Lei de Deus para se convencer de que não pecam, eles as procuram da mesma forma que os pagãos antigos, com o pensamento de manipular Deus para satisfazer a sua avareza. E a pregação da teologia da prosperidade torna-se cada dia mais explícita, sem disfarce algum, pois dizem abertamente, sem temer sequer as sanções da lei humana, “venha para a nossa igreja, nós te ensinaremos a pôr o gênio da Lâmpada (Deus) na parede e Ele vai te enriquecer.

Num mundo que carece de humildade, simplicidade e amor a Deus e ao próximo acima do desejo famigerado ao dinheiro, essas teologias são verdadeiramente anti-Cristo.

Wilson do Amaral