Deus Está Nu!
 

            Quando se começa a desenvolver um olhar crítico sobre a realidade que nos cerca, algumas criações, em especial da Tv, nos assombram os olhos com forma cada vez mais caricata.
            O desenvolvimento desse olhar crítico, no entanto, somente é possível quando se busca um mergulho essencial na Verdade que emerge do pensamento comprometido em excluir da sua vida todas as superficialidades. Convicto estou que a procura da Verdade em si, exige muito mais que avançar na temática de qualquer doutrina: exige um encontro pessoal consigo mesmo, ou seja, é o inabalável conceito do ¨conheça-te a si mesmo¨.
            Tenho aprendido, nessa incansável jornada, que o elemento que intitulamos ¨Deus¨, apresenta-se em constante mutação, conforme avançamos no descobrimento de ¨nós mesmos¨ também avançamos no desnudar desse ¨Deus¨. Dessa forma, o que um entende por ¨divindade¨, ou ¨divino¨, varia muito em relação ao que outro entende, mesmo que ambos compartilhem a mesma fé ou doutrina.
            Quanto mais cavo fundo nessa busca, passo a parecer, na aparência, ser um indivíduo cada vez mais cético. Entretanto, o que em profundidade se desenvolve em mim não é o terror de uma fé sustentada não apenas nos ¨dogmas¨ irrefletidos de qualquer seara, mas uma crença calcada na observação e vivências firmes de um ideal que procura se fundar em princípios inalienáveis.
            Esses sim, os princípios, podem auxiliar um indivíduo a construir e a sedimentar a única forma de ¨fé¨ que realmente esclarece, por que instrui e amplia o pensar, ao invés de querer engessar em conceitos, essa verdadeira ¨fé¨, alimenta e amplia a noção de crítica ao deitar um olhar inquiridor até mesmo sobre os próprios conceitos do investigador. De forma tal que a única fé legítima é aquela que testa e reavalia a si mesma constantemente e que não contraria, em nenhum momento, os basilares sedimentos da ciência, nos pontos sobre os quais não haja mais qualquer equívoco.
            No curso desse processo, surgem então elementos que nos provocam ao debate em nós mesmos.
            Nesta semana, enquanto aguardava para pagar uma pamonha na fila de um estabelecimento, vi que a Tv exibia uma novela em que um jovem, provavelmente o futuro rei Davi, encontrava-se acuado por um enorme urso. Usando da sua conhecida funda (arma de giro no qual se lança uma pedra) atinge-o na testa (uma alusão ao que se daria com o gigante Golias), porém, a pedra mal arranha o referido animal – e seria melhor que os autores do programa tivessem exagerado e o matassem ali mesmo, pois o que vem é muito pior.
            O pastor, apenas um adolescente franzino na época, sobe em uma montanha. O urso desiste de segui-lo e visa atacar uma das suas ovelhas. Implorando aos céus, recebe ou uma força sobre-humana, ou o auxílio divino, vindo a fazer desprender das escarpas uma enorme rocha que esmaga o pobre urso.
            A ovelha sai ilesa – ufa! O ganha-vida do pastor está salvo.
            Qual a mensagem para o crente? Deus te dará força e poder absoluto contra teus inimigos, basta que peça com fé. No entanto, aos olhos do homem moderno, o urso também não é uma criaturinha de Deus com direito ao sustento? Por que Deus privilegiaria ao homem, daquela forma, matando deliberadamente uma de suas crias inocentes? Não seria mais fácil lançar um raio que assustasse o urso, ou um enxame de abelhas ou de vespas pondo-o a correr? Por que essa necessidade divina de matar?
            Infiel! – Dirão os fervorosos defensores de uma fé cega, mas muito antes míope, que não conseguem discernir sob a crueza dos fatos.
            Quando se avança no descortinar da existência, descobre-se que o urso tem tanto direito ao alimento quanto a ovelha e o pastor. Então, pode o pastor matar a ovelha e o urso não pode? Que Deus é esse que aparta dessa forma as suas criaturas? Descortina-se que esse ó o Deus de muitos, mas que não é o meu Deus. Esse, a quem muitos chamam de Deus, cresceu de tal modo diante de mim, justamente por que me rebaixei ao procurar a sua essência, que perdeu as vestes brutais, o artificialismo e qualquer tipo de preferência que possa ter por qualquer espécie.
            O Meu Deus, o Deus que aprendi a ver com os olhos da razão, é mais fácil de definir pelo que sei que não é, do que pelo que afirmam que seja. Enquanto amplio meu entendimento, o Meu Deus, ao invés de diminuir, cresce ao passo que se despoja das vestes pesadas da crueldade dos conceitos antigos. Peço que me perdoem, mas o Meu Deus está nu...
 
(Jurandir Araguaia é escrito goiano, Bacharel em Adm de Empresas e Ed. Física, palestrante motivacional espírita, ex-fiscal ambiental/Goiânia e Auditor Fiscal/Go).   

Texto Publicado nos veículos:

Jornal Diário da Manhã (Goiânia)

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