Deus está surdo?

Wilson Correia

Pela segunda vez consecutiva sou acordado por volta das 6h00min. Nessas ocorrências, o som de cunho religioso que invade minha casa e meu quarto é tão volumoso que me sinto o grão de areia colhido pela onda gigantesca contra a qual nada posso. Resultado: acordo de supetão, me sentido injustiçado e com baldes de irritação a administrar.

Isso não é algo isolado, como pode parecer à primeira vista. Em nossos dias, católicos e evangélicos surgem unidos pela prática da perturbação do sossego público, mas desunidos com relação ao tipo de terreno que cada lado quer demarcar. E vem da década de 1980 o recrudescimento dessa guerra, a qual envolve a disputa pela ocupação do espaço público em geral e da mídia e política partidária em particular.

Nessa onda, tele-evangelistas de diferentes matizes, pastores-ricaços, padres-celebridades e cantores-gospel surgem como nuvens de gafanhotos que acinzentam nossos ouvidos e visão. Eles abusam do “fide ex auditu” medieval. Enquanto os ouvidos são excessivamente agredidos por barulhos inclassificáveis e ensandecidos, os olhos são estuprados por coreografias de senhores diversos, desmaios exóticos e gestuália que mais agita e violenta do que apazigua.

Agora se fala em megaeventos, megasshows, megacultos e megamissas, todos na linha da teologia da prosperidade, custeados pelas contribuições de gente que mais precisa é ser ajudada, mas que, ao contrário disso, é transformada em massa e volume nos incontáveis e imundos currais eleitorais Brasil afora.

Os templos faraônicos que estão sendo cravados em São Paulo evidenciam que a religião do barulho que nos perturba incessantemente e faz política diuturnamente precisa de espaços megalomaníacos para produzir suas histéricas estridências teologais, as quais também já colonizam a internet por meio do Facebook, Twitter e assemelhados.

E a religião do barulho tem outras características: popularesca, pouco atenta para as questões socioeconômicas, ela se faz massificada e se alimenta de alegrias baratas, prestando-se ao que no humano é corpóreo, emotivo, mágico, midiático, milagreiro (agora há shows de milagres, devidamente agendados), moral-conservador, sensorial, taumatúrgico, terapêutico e teologicamente informado pelo que de mais rústico existe em termos de simplismo e miséria material.

Abordagens mais critico-intelectuais não têm espaços nesses megaespaços da religião que produz, promove e dissemina a poluição sonora infernal, essa que lincha o sossego público e esgarça nossa paciência particular.

É oportuno, pois, relembrar o livro bíblico “Mateus”, que, em seu versículo 6, diz mais ou menos o seguinte: “Quanto você quiser orar, fuja da ostentação, escolha um lugar de recolhimento, entre no íntimo de seu quarto, feche a porta e dirija sua oração ao Pai, que está presente no lugar secreto”.

Ou será que Deus ficou mesmo surdo e agora se fazem necessárias toda essa algazarra e gritaria orantes que vilipendiam os “secretos” da fé?