DA PARÁBOLA DA OVELHA PERDIDA

Os discursos do Mestre de Nazaré, às vezes polissêmicos, portam linguagens sedimentadas. Os sentidos, assim, são preexistentes. Entretanto, nada a ver com convenções sociais. A polissemia, como força deslocadora, surge quando a Verdade se choca com o histórico-social. O dizer de Jesus, Mudando, sedimenta nossa Libertação. Não dissimula, não distorce, não polemiza. Ele é o Saber cujo comando é validado pelo Pai. Afinal, além de parte acessível de Deus, é a sua própria voz.

Certa feita, fariseus e escribas futricavam entre si pelo fato de Cristo receber pecadores. Ensina-lhes então: “Quem é o homem que, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e não sai em busca da perdida até que venha a achá-la? E, quando a encontra, cheio de júbilo, coloca-a sobre seus ombros e chegando a sua casa convoca amigos e vizinhos dizendo: Alegrai-vos comigo porque já achei minha ovelha perdida”.

Quem, antes de tudo, é o rebanho? Ora, não é um número, uma cifra, uma coisa, um objeto. O rebanho, amigo, é o Pastor. De certa forma, ele também foi responsável pela fuga, afinal, não estava atento o suficiente. Agora, uma ovelha corre tremendos perigos.

A rebeldia dela não é um ato de inteligência, não conduz à Vida. Longe do olhar do pastor, talvez possa até vivenciar sensações prazerosas, trilhas iluminadas e balidos sedutores; mas as consequências são desastrosas, a morte espreita sorrateira.

O que se perdeu precisa ser encontrado com urgência, sem demora, já. A vida do próprio Pastor está empenhada. A única verdade é salvar esta ovelha, não se trata de negócio, no fundo, o que move a consciência, aqui, é o Amor, nada mais.

O grande problema é que está em jogo um tipo de desejo cujo fim é a destruição. No dizer de Françoise Dolto, “essa parábola trata de um erro do desejo e não de um desejo de morte”. Dar asas às pulsões, aos tolos, parece atingir o nirvana da libertação. O Mestre, todavia, nos ensina que, desgarrados da Verdade, jamais haverá ordem em nossos Desejos. Nesse infeliz estado, triunfam devaneios, pois, supomos, como a ovelha perdida, marcharmos para ervas raras.

Enfim, aflora, nesta parábola, o alerta quanto nossa responsabilidade. Jesus nos mostra, afirma Dolto, que, não importa onde estejamos, com quem quer que sejamos, qualquer que seja a privação que nos oprime, devemos reencontrar nossa coesão. Quando for reencontrada, nossa alegria se irradiará” – “Alegrai-vos comigo”.