Os estigmas e o perdão

Desde que me converti ouço expressões como: “não devemos ser crente como Tomé”. De fato, o apóstolo Tomé tem sido desvalorizado ao longo da história da igreja. Ele ficou estigmatizado como o “discípulo sem fé”, o mais hesitante dos apóstolos. Sua frase na ocasião da ressurreição de Cristo é repetida como filosofia de vida dos céticos e materialistas: “A menos que eu veja, não acreditarei”.

Um exame mais cuidadoso do Novo Testamento, no entanto, nos revelará que Tomé não foi de modo algum mais incrédulo que qualquer apóstolo de Cristo. Quando as mulheres contemplaram o sepulcro vazio e anunciaram aos discípulos, a Bíblia nos diz qual foi a reação deles:” E as suas palavras lhes pareciam como desvario, e não as creram “(grifo meu- Lucas 24:11). Notemos que todos os apóstolos (v.9) ouviram o relato das mulheres e igualmente não creram em suas palavras, e consequentemente descreram do próprio Cristo que lhes havia anunciado a ressurreição.

Na verdade, Tomé foi um dedicado servo do Senhor. Demonstrou disposição para morrer por Cristo (João 11:16) e certamente operou sinais e maravilhas pelo poder de Deus (Atos 2:43). Além disto, a tradição nos revela que o seu ardente amor por Jesus o levou ao martírio aproximadamente no ano de 70 d.C. Também nos diz que após levar o evangelho à Índia, aos pardos e Extremo Oriente, ele foi lançado vivo numa fornalha vermelha de calor. Por certo, a imensa maioria que fala com desdém sobre Tomé não é capaz de fazer um décimo do que ele fez pela causa do evangelho. Apesar de ter fraquejado na fé num determinado momento, ele foi um exemplo de perseverança e amor a Jesus. Sua fé foi provada diversas vezes, e ele se mostrou convicto. Muitos de nós não possuímos sua coragem e determinação.

Assim como ocorreu com Tomé, com outros personagens bíblicos se deu o mesmo. Foram marcados por algum erro cometido. Quantas vezes ouvi pregadores falarem com certa zombaria sobre o episódio em que Pedro afundou no mar após desviar os olhos de Cristo. Mas nunca ressaltaram o desejo do apóstolo em estar com Cristo, disse ele: “Se, és tu, manda-me ir ter contigo por cima das águas” (Mateus 14:28), e nem o fato de Pedro ter andado por alguns momentos sobre as águas, enquanto os demais apóstolos ficaram acanhadamente dentro do barco. A experiência de Pedro com Jesus naquele dia foi maravilhosa, apesar de sua hesitação ao sentir um forte vento. É preferível nos lançar às águas ao encontro do Mestre, arriscando-nos a afundar a ficar encolhidos em aparente segurança numa pequena embarcação.

Pedro também é marcado como aquele que negou conhecer a Jesus diante de várias pessoas quando o Senhor foi preso. Não há dúvidas de que foi um grave pecado. Todavia, devemos observar que ele era o apóstolo que ainda estava mais perto de Cristo. Os outros haviam desaparecido. Seu coração foi tão sensível ao toque divino que bastou um olhar para que se arrependesse. “Virando-se o Senhor, olhou para Pedro e Pedro lembrou-se da palavra do Senhor, como lhe havia dito: “Hoje, antes que o galo cante, três vezes me negarás. E, havendo saído, chorou amargamente.”(Lucas 22:61-62). Pedro glorificou a Deus até na sua morte (João 21:19). Diz-se que ao ser levado à cruz pediu para invertê-la, pois não era digno de morrer como seu Mestre.

O que ficou gravado para Deus não foi seu momento de fraqueza, mas sua vida de abnegação e serviço. Certa vez atentei para um trecho da Bíblia, registrado no terceiro capítulo do evangelho de Marcos em que Jesus escolhe os seus apóstolos. O nome de Judas está em último na lista, e acompanhado da expressão “foi quem traiu”. A traição não foi acidental em sua vida. Ele já furtava as ofertas dadas aos discípulos (João 12:6). Ele não apenas o traiu em um dado momento, mas ele era um traidor. Entretanto, veja o que se dá com Pedro: “A Simão, a quem pôs o nome de Pedro” (Mc 3:16). O próprio Senhor não quis que o nome de Pedro ficasse registrado ao lado de expressões como “àquele que o traiu”. Por isso o profeta afirmou que o Senhor lançará todos os nossos pecados nas profundezas do mar (Miquéias 7:19).

Devemos vigiar para não estigmatizarmos ninguém. Ao recordar falhas de outros, que Deus mesmo já perdoou, é como se grudássemos em suas costas um papel contendo os seus pecados para que todos que se aproximem dele saibam. Alguns guardam mágoa por tanto tempo que isto se torna como um câncer a corroer a alma. Não devemos nos acusar de pecados passados, já há no mundo um acusador para isto (Ap. 12:10). Que o Senhor nos dê graça para curar as feridas dos soldados do exército do Senhor e erguê-los para continuarem no campo de batalha

George Gonsalves
Enviado por George Gonsalves em 17/03/2013
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