NASCIDO PARA AS COISAS MAIRES

“Quem estiver sofrendo, no corpo ou na alma; quem, pobre ou rico, estiver desesperado, terá lugar especial no coração do bispo” (Dom Helder).

Padre Geovane Saraiva*

Nascido para as coisas maiores, possuidor de uma força incansável, com muita alegria e esperança no coração, totalmente convertido a uma grande tarefa de construir Reino, a utopia mais bela e maravilhosa, Dom Helder não se acostumou e não achau normal e natural a miséria, porque ela fere o rosto de Deus e contraria sua vontade. Decide com muita obstinação e a ternura do “bom pastor”, levantar firmemente a voz e lutar, com o desejo derrotá-la.

Nascido 18 anos após o Papa Leão XIII lançar a Encíclica “Rerum Novarum”, apontando para as “coisas novas” – sobre a situação dos operários, falando claramente dos seus direitos e das responsabilidades da capital e do trabalho, defendo o direito dos trabalhadores, no sentido de se organizarem em associações, na tentativa de conseguir melhores salários e condições de trabalho mais justo e digno.

Dom Helder, no tempo de formação em Fortaleza, no Seminário da Prainha, passa a viver essa realidade dramática: “Não pode haver capital sem trabalho nem trabalho sem capital”. Certamente é o início da sua grande aventura, de abraçar aquilo que o destino lhe prepara: “a coragem que o conduziu ao que é mais elevado, as coisas maiores”, como expressa tão bem o latim: “Ad maiora nati sumus”.

Coincidência ou não, foi ordenado sacerdote em 1931, ano da comemoração dos quarenta anos da Rerum Novarum, com o Papa Pio XI lançado a Encíclica “Quadragésimo Ano”, apontando para a reconstrução da ordem social e ao mesmo tempo denunciando os efeitos da concentração do poder econômico sobre a grande massa de trabalhadores. É um grito, é um clamor em favor dos operários e pela justa distribuição da riqueza segundo as exigências do Evangelho, do bem comum e da justiça social.

Em 1961, comemorando setenta anos da Rerum Novarum, O Papa João XXIII lança a Encíclica Mater et Magistre, afirmando que a Igreja é mãe e Mestra, indo ao encontro de um cristianismo que favorecesse o progresso social, lamentado profundamente a crescente distância entre as nações pobres e ricas e também a corrida armamentista e ainda, a grande angústia dos campesinos, dos agricultores. Por fim, a convocação do Papa do “coração bom” para que os cristãos retomem a árdua tarefa, que é a de construir um mundo mais justo e solidário, segundo a vontade do Criador.

No dia 25 de janeiro de 1959, há exatamente 50 anos, “O Bom Papa João”, logo no início do seu pontificado, anuncia a alegre notícia, que surpreende a Igreja e o mundo inteiro, ao convocar o Concílio Vaticano II, formando a comissão preparatória e sua realização, três anos mais tarde, de 1962 a 1965.

O fim da missa El latim e o sacerdote não mais de costas, mas sim voltado para o povo, o sentido da colegialidade dos bispos, o ecumenismo, a liberdade religiosa e uma Igreja mais simples, uma Igreja povo de Deus, comunhão e participação são resultados visíveis do Concílio. É evidente que aí estava presente o articulador sábio e providencial, “pequeno na estatura”, mas grande nos sonhos, nos ideais, naquilo que é mais elevado: Dom Helder Pessoa Câmara.

Ele foi, como ninguém, a pessoa que melhor compreendeu todo o contexto da Igreja, a partir do final do Século XIX, com a Carta Encíclica de Leão XIII, mostrando os desafios no mundo e apontando para as “coisas novas”, chegando ao maior evento do Século XX, o Concílio Vaticano II, com a Gaudium et Spes, falando nas alegrias e nas esperanças, nas tristezas e nas angústias dos homens de hoje, sobretudo, nos que mais sofrem...

Sua ação pastoral, em meio às novidades do Século XX, nos leva a acreditar que, no Brasil dos dias atuais, apesar da pobreza, criou-se na população uma consciência dos seus direitos, tornando-a capaz de lutar por um mundo diferente, por um mundo melhor, o sonhado por Deus.

É por isso que diante do que acima colocamos, na feliz coincidência do centenário do artesão da paz e do cinquentenário da convocação do Vaticano II, não temos dúvida em afirmar, que Dom Helder foi: “Ad maiora niti sumus”. Dom Helder nasceu realmente para as coisas mais elevadas e maiores.

*Padre da Arquidiocese de Fortaleza, Escritor, Membro da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE), da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza e vice-presidente da Previdência Sacerdotal.

Pároco de Santo Afonso

geovanesaraiva@gmail.com

Autor dos livros:

“O peregrino da Paz” e “Nascido Para as Coisas Maiores” (centenário de Dom Helder Câmara);

“A Ternura de um Pastor” - 2ª Edição (homenagem ao Cardeal Lorscheider);

“A Esperança Tem Nome” (espiritualidade e compromisso);

"Dom Helder: sonhos e utopias" (o pastor dos empobrecidos).

Geovane Saraiva
Enviado por Geovane Saraiva em 21/03/2013
Código do texto: T4200196
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