NOSSOS ANJOS

As missões, resgates, purgações ou punições, enfim como se queira definir, sempre irão parecer demais a luz das ideais individuais, as tarefas serão encaradas como trabalhos Herculíneos, a consciência apenas se reportará ao percalço com uma grande interrogação no semblante sem buscar o enigma oculto nos desígnios. Logicamente que a clarividência não irá auxiliar neste aspecto, não se pode contar com um dom permitido a tão poucos, então resta a alternativa da resignação, embora o interior clame por respostas que possam levar a iminente contrição. Faz-se necessário requerer ajuda.

Amigos, irmãos, simpatizantes enfim, certamente foram distribuídos matematicamente ao entorno e plantados com esmero de um jardineiro fiel ao longo do caminho, proporcionando, embora sabendo-se da morte inevitável, uma sensação de segurança, é como se o indivíduo fosse conduzido toda a vida pelas mãos da forma que os pais faziam quando criança. Continuará crianças aos olhos do universo e o será até o advento da maior idade espiritual. Isso não significa dizer que não possa rebelar-se, soltar-lhes a mão e caminhar montado em seu arbítrio, o que muito provavelmente dificultaria o trabalho de quem o assiste, sobretudo por não identificar sua presença nas situações mais prosaicas, requerendo-a nas horas de maior apreensão.

Hercules contava com o auxilio luxuoso do próprio Zeus enquanto a um reles escritor faz-se imperioso a localização de seu mecenas por entre as entidades mil, sob pena de nadar sem rumo no seu fétido pântano de Lerna.

Aquele que me pede auxílio, e que por vezes me constrange forçando-me a ajudá-lo, quando me expões suas chagas, atenua minhas faltas; pode ser um dos meus anjos. O outro que veio por mim, como um cuidador atento, estimulando-me a juras e promessas também. Os que me seguem em vida e oram por mim, transferindo um amor incondicional em forma de energia cósmica, provocando inconteste minha recíproca, e todos os outros que não vieram por mim, por pura dedicação a alguém impregnado de vícios e falhas de toda ordem, mas que pacientemente aguardam o momento de revelarem-se com veemência quando dissiparem-se as brumas da minha inconsciência.

Também devemos levar em contas que nossa passagem por este plano, foi tratada em regime de comum acordo com várias outras pessoas que se dispuseram a participar da empreitada e assim também teriam seu quinhão de atenuantes ou apenas somariam bônus para outra oportunidade. É como se contássemos sempre como uma equipe unida e obstinada a nos elevar, passar de fase e enfim rejubilarem-se por mais uma missão bem sucedida. Claro que tudo isso só é perfeito na teoria, já que quando nos encontramos sob o domínio da obscuridade carnal, perdemos a noção de tudo o que foi acordado, e como o telefone só toca de lá pra cá, devemos treinar nossos ouvidos para a percepção a emissão de silvos tão sutis. Desse amontoado de gente que participa dessa jornada, alguns são obrigados a atirarem-se ao corpo grosseiro no intuito de devolver o chão a quem já por algum motivo o perdeu, aquele que em algum momento fez a escolha equivocada, nesse caso, eles também passarão a fazer parte do grupo que precisará de auxílio para concluir seu intento e assim sucessivamente, uns pelos outros, até que se cumpra o objetivo. Esses são os nossos anjos, criaturas como nós que zelam por nós, como naquele mandamento.

Du Valle