O Medo é a Mãe das Virtudes?
 
            Andre Comte-Sponville, em seu ¨Pequeno Tratado das Grandes Virtudes¨, classifca a Polidez como uma falsa virtude. Afinal, indica o autor, ¨um carrasco pode ser gentil com a vítima, mas continuará sendo um assassino¨. De igual forma, vemos emergir em nossa sociedade virtudes que de fato não o são, visto serem alimentadas por uma força que, ao invés de ser lúcida e positiva, nasce de uma energia negativa: o medo.
            O Evangelho Segundo o Espiritismo afirma, no Capítulo XIX, item 11, ser ¨a Fé a mãe de todas as virtudes.¨ Digo, em saudável réplica, que assim deve ser quando nos encontramos devidamente amadurecidos. Entretanto, na observação e convivência diária com nossos pares humanos, podemos afirmar com grande margem de acerto que, para considerável parcela da população, o medo é o grande motivador ou inibidor, como queiram.
            Afinal, não é por medo de ser preso que muitos deixam de furtar, de matar ou de promover determinado ilícito definido em lei? Quantos de nós seríamos, de fato, virtuosos, se não houvesse a justiça humana pronta e apta a nos punir, sendo que a mesma ainda possui diversas limitações?
            Não é por amor à pretensa vítima que muitos deixam de cometer assassínios, seria mais por temor às consequências. Desse modo, podemos definir que somente não temos mais crimes, por que as pessoas temem a punição. Quanto mais aperfeiçoado for o sistema judiciário e penal de um país, até certo ponto, mais ¨virtuosa¨ se tornará a sua população.
            Vemos, no entanto, o sistema nacional ser frágil e lento na punição de corruptos, daí o excesso de atos ilícitos e a danosa sensação de impunidade. A impressão é de que no Brasil pune-se certo nível de crimes e autores até uma margem, a partir da qual, aparentemente tudo passa a ser permitido. Com as cobranças recentes da população, espera-se que o sistema se aperfeiçoe, mas ainda levará tempo.
            Quanto ao medo como motor das virtudes, vê-se o mesmo na prática de ações do bem ligadas a religiosidade. Frequenta-se templos, doa-se aos pobres, entrega-se a serviços voluntários por amor ou por temor à Divindade? Resta à consciência de cada um justificar perante si mesmo a importância e o valor dos seus atos.
            Jesus já nos alertou sobre o ¨óbulo da viúva¨ tendo verdadeiro peso aquilo que de nós exigiu-nos o melhor. Falsas virtudes do bem serão desmascaradas a seu tempo, quando cada um encontrar-se com si mesmo, dentro do chamamento evolutivo necessário e se perguntar: o quão extenso é o meu amor ao próximo?
            Não haverá nenhum tribunal a te condenar, nem juízes, inquisidores, reis ou legisladores. O ser se encontrará nu diante de si mesmo e somente a pessoa pode definir o fruto de suas escolhas. Pode-se enganar o mundo inteiro em vida, mas jamais enganaremos o Deus que nos habita nesse infinito Reino que já se encontra em nós!
(Jurandir Araguaia é escritor goiano, ex-fiscal-ambiental/Goiânia, Auditor-Fiscal/Go, formado em Ad. de Empresas e Ed. Física e palestrante motivacional espiritualista)