BANALIZAÇÃO DA VIDA

BANALIZAÇÃO DA VIDA

Nossa sociedade ocidental, de consumo, teme significativamente a morte, e por temê-la, busca uma banalização. Essa forma de evasiva ocorre, em algumas circunstâncias, através da negativa em debater adequadamente o assunto. Outra forma de banalizar a morte é através do cinema, com as mortes em massa nos filmes de violência, quando torcemos para que Rambo e Schwarzenneger matem o maior número possível de inimigos, ou trágicas nos filmes de horror ou espetáculos de teatro. Igualmente as centenas de mortes que ocorrem nos jogos de “realidade virtual” dos computadores, dão uma falsa impressão do fenômeno. Banalizamos a morte porque não cansamos de banalizar a vida.

C. G. Jung afirma que o medo da morte é condição de sobrevivência para o ser humano. Mesmo assim, observa-se que a morte gera um medo, que poderíamos dividir em psíquico e religioso. O psíquico decorre da impotência humana contra a morte, que quebra o ritmo vital. O medo religioso é um medo do inferno e do desconhecido, que não deixa de ser, um medo de Deus. Pelo fato de sentir medo, o homem banaliza a morte, que se torna uma via de mão dupla com a banalização da vida. “Falo da morte alheia enquanto estou vivo, mas evito falar na minha morte”. Este é o pensamento moderno. Há quem equipare o medo da morte à falta de fé em um Deus misericordioso.

Para muitos a morte vem banalizada pelo cinema, teatro e tevê. Torna-se aventura; passatempo. Há também aquela morte social, que se torna corriqueira a nossos olhos. São as mortes no trânsito, nas filas do SUS e na falta de atendimento dos hospitais, as chacinas, a insalubridade, a perda do emprego, etc. Essa banalização nada mais é que uma fuga.

Nos Estados Unidos e alguns países da Europa, por exemplo, a morte é revestida de uma sofisticação, em que as empresas funerárias procuram competir, uma com as outras, para ver quem faz o enterro mais luxuoso, com a limosine mais moderna, as músicas mais tocantes, e o ministro que diga as palavras mais bonitas. No entanto, depois das pompas fúnebres, a família não assiste o enterro. O defunto é deixado num determinado lugar do cemitério, onde os funcionários providenciam o sepultamento. Depois todos vão para a casa do falecido, desfrutar de um coquetel.

Essa banalização da morte, executa ora a eutanásia (recordam do Dr. Morte?) que consiste em prover a morte de quem assim o deseja, ora realiza congelamentos de pessoas doentes, na esperança de uma mesma vida no futuro, quando - quem sabe - tiverem descoberto a cura para aquela doença. O congelamento moderno é semelhante, tem como que a mesma finalidade dos antigos embalsamentos do Egito.

A verdade é que, hoje, o ser humano tem medo de morrer, porque seu modelo social é vazio e o comprime, resultando, para muitos, um medo de viver. É em face da morte que o enigma da condição humana mais se adensa. Não é só a dor e a progressiva dissolução do corpo que atormentam o homem, mas também, e ainda mais, o temor de que tudo acabe para sempre. No episódio do paraíso, talvez esteja a gênese de todo o drama humano. Adão e Eva perderam a amizade com Deus porque quiseram se tornar iguais ao Criador. Talvez sem saber que haviam sido criados para a imortalidade física, com medo de viver, buscaram-na, só que pelo lado errado (cf. Gn 3, 4).

Hoje as pessoas têm medo de viver. As crianças não querem assumir os compromissos da adolescência. Os jovens temem as responsabilidades da vida adulta, e por isso agem como crianças, para que os pais não se apercebam que eles cresceram. Os adultos não querem envelhecer, e por isso usam cremes, não saem das academias, fazem cirurgias plásticas, adotam cuidados especiais, até o congelamento, que já vimos linhas atrás. Essa ânsia de prolongar a vida, de buscar energia pelo lado errado tem resultado em escravidão e morte. O Brasil todo se lembra do drama de uma jovem, artista de tevê e modelo (em 1996) que quase morreu, após fazer uma cirurgia de lipoaspiração, para emagrecer uns quilos e perder alguns centímetros de cintura. Isso é medo de viver.

As igrejas ensinam que a esperança escatológica não diminui a importância das tarefas terrestres, mas antes, apoia o seu cumprimento, com motivos novos. No entanto, o maior castigo infligido a um ser humano, seria torná-lo humanamente imortal. Os parentes desapareceriam, os amigos envelheceriam, contrairiam novos hábitos e morreriam, e a pessoa ficaria sempre igual, como uma espiga de trigo que esqueceram de colher. Na mitologia, vemos a deusa Calipso com inveja da condição mortal de Ulisses. Na comédia cinematográfica “A morte lhe cai bem” (1991), o personagem vivido por Bruce Willys prefere continuar um simples mortal do que experimentar a tumultuada imortalidade das suas pretendentes, vividas por Merryl Streep e Goldie Hawn.

O medo de viver vai desembocar no temor da morte. Sem conhecer bem o sentido de sua vida, algumas pessoas imaginam a morte como um grande vazio. Ora - devem pensar - se minha vida é assim, sem sentido, como será a morte? A perspectiva da morte coloca o homem diante do maior de todos os desafios: como descobrir um sentido em sua vida, um ideal pelo qual valha a pena viver.

O progresso tecnológico da humanidade, em muito pouco ajudou o homem a descobrir a razão de viver. E quem não descobre a razão de sua vida, às vezes deserta dela pelo suicídio. O suicida é alguém que tem medo de viver. Prefere a morte violenta, inglória ou sem honra até, do que enfrentar a vida, que se tornou para ele um suplício impossível de ser encarado.

O medo da morte leva as pessoas ao suicídio, que nada mais é que uma fuga, um gesto de desespero. As pessoas que se matam, em geral já vêm mortas psiquicamente da primeira infância. A morte, nesse particular, tem o significado de um aniquilamento. Deste modo, o medo de viver, como o de morrer, costumam andar juntos. Em alguns casos um é consequência do outro. As pessoas, em geral, têm muito medo da morte. Quando se fala nessa dama, muitos pedem para mudar o assunto, dão pancadinhas na madeira (para isolar, dizem).

Quando se programa, em movimentos, associações ou comunidades, alguma palestra ou reflexão sobre morte, vida posterior ou algo parecido, a frequência diminui consideravelmente. Há pessoas que não vão a velórios e enterros, pois “quem não é visto não é lembrado”, dizem... Entretanto, esse fato que muitos procuram ignorar e que a tantos inquieta e assombra, é a única certeza da vida humana. Ninguém sabe se vai ficar rico, se vai morar nessa ou naquela cidade, qual o número de filhos que vai ter. Mas que vão morrer, isto é certo e insofismável.