FREUD SALVA - Amanda Massuela (CULT)

Presente na dinâmica dos cultos evangélicos, a psicanálise chega aos púlpitos, onde ganha aura de “divina”, mas perde conteúdo

Numa noite chuvosa de quarta-feira, desci do ônibus na rua Brigadeiro Luis Antônio, região central de São Paulo, quase em frente a uma das unidades da Igreja Universal do Reino de Deus situadas na capital paulista. No portão, uma senhora e dois jovens distribuíam exemplares da Folha Universal, periódico evangélico que circula semanalmente por todo o país há vinte e um anos. Ela estendeu o jornal e convidou-me a voltar “qualquer dia desses para conhecer a palavra de Deus”. Respondi que estava prestes a fazer isso. “Entre que o Senhor vai te abençoar, querida”, disse sorrindo. Entrei.

O salão, muito amplo, ainda estava vazio. Algumas crianças corriam de um lado para o outro e uma música ambiente melancólica ecoava das caixas de som. Ocupei uma das cadeiras ao fundo e, antes que pudesse me dar conta, quando o pastor alcançou o púlpito alguns minutos depois, quase todos os assentos já estavam tomados por pessoas de todas as idades. Acompanhado por um jovem no teclado, ele iniciou a pregação enquanto os fiéis sibilavam suas orações de olhos apertados e braços estendidos para o alto. “Conversem com Deus, não tenham vergonha da pessoa que está ao seu lado”, incentivava aos gritos no microfone. O relógio se aproximava das oito da noite.

Como eu descobriria mais tarde, aquele era o dia de “cuidar do espírito”. Depois de ler um trecho da Bíblia (João 1:3) e de explicar didaticamente cada passagem, o pastor afirmou que quando ele mesmo decidiu “se apresentar como filho de Deus e se batizar nas águas”, livrou-se de doenças do espírito. O mesmo aconteceria àqueles que escolhessem tomar o seu exemplo e seguir pelo mesmo caminho.

A Universal do Reino de Deus é a maior entre as igrejas neopentecostais existentes no Brasil. Segundo o Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ela reúne mais de 1,8 milhão de fiéis espalhados por todas as regiões do país. Fundada em 1977 pelo bispo Edir Macedo num subúrbio do Rio de Janeiro, faz parte do movimento das igrejas evangélicas surgidas no final dos anos 1970, que se distanciam do pentecostalismo tradicional, principalmente porque pregam a prosperidade como via de aproximação com Deus. Além disso, são conhecidas por dividir o mundo e as coisas entre bem e mal, encarnados nas figuras de Deus e do diabo.

Naquela quarta-feira à noite, perdi as contas de quantas vezes o pastor evocou a imagem do diabo para representar todos os males existentes na Terra. Mas num momento específico, ele decidiu falar sobre males mais concretos, muito contemporâneos, e comumente associados a tratamentos psicoterápicos, psicanalíticos ou mesmo psiquiátricos: o medo e a síndrome do pânico. “Grande parte das igrejas neopentecostais se pretende especializada no cuidado de três conhecidos ‘problemas’ humanos: a saúde, o amor e o dinheiro”, diz o psicanalista Wellington Zangari, doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo e vice-coordenador do Laboratório de Psicologia Social da Religião do Instituto de Psicologia da USP. “Para alguns pastores, não importa se existem médicos, psicólogos e outros profissionais de saúde para lidar com questões de doença. Há sempre uma interpretação bíblica para oferecer e vender saúde”.

O psicanalista enxerga nas religiões contemporâneas uma nova vertente do sincretismo, o “sincretismo de atribuição de causalidade”, na qual as causas dos sofrimentos humanos podem ser compreendidas “ao gosto do freguês” – psicanaliticamente, psiquiatricamente, historicamente. “É quase como se os pastores dissessem: ‘Sim, você pode estar sofrendo porque há um problema na transmissão de serotonina em seu cérebro ou porque você não resolveu adequadamente o Édipo, mas aqui a cura é feita por Deus e, portanto, é muito mais poderosa!’.” Mas ele assinala que tal postura não é compartilhada por parte considerável das igrejas evangélicas históricas.

A estratégia das igrejas neopentecostais e de seus pastores, segundo Zangari, tem sido a da assimilação, reinterpretação e incorporação dos diversos discursos presentes na cultura. Inclui-se aí o discurso da psicanálise, que cada vez mais é objeto de estudo por parte dos próprios pastores evangélicos – tanto neopentecostais, quanto pentecostais (batistas, presbiterianos e metodistas). “O diabo e a repressão convivem amistosamente, lado a lado. As figuras noosográficas da psiquiatria e da psicanálise, como a depressão, a melancolia e a fobia, são recebidas de braços abertos e ‘tratadas’ à luz de uma leitura particular do evangelho”, afirma.

Teoria e prática

Izilmar Finco é pastor batista desde 1986, quando começou a atuar como missionário em Prado, na Bahia. Converteu-se aos treze anos, depois de ser curado de uma doença grave não diagnosticada que o acompanhou dos quatro aos nove anos de idade. Aos dezessete anos, ingressou no seminário e completou o curso de Teologia em 1985. “Todos esses anos tenho trabalhado para cumprir o chamado de Deus”, conta.

Hoje, Izilmar trabalha na Igreja Batista de Eldorado (IBEL), em Serra, no Espírito Santo, e é filiado à Ordem dos Pastores Batistas do Brasil (OPBB). Em 1998, formou-se em Psicanálise pela Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (SPOB), criada em 1996 com a missão de popularizar e disseminar a psicanálise por todos os cantos do país. “Foi uma experiência muito enriquecedora e sou grato pela oportunidade que tive. A SPOB foi pioneira no Brasil na modalidade de formação de psicanalistas e deu a chance a muitas pessoas, assim como eu, de conhecer a psicanálise e seu valor na clínica, para ajudar as pessoas”, diz.

A psicanálise não é uma profissão regulamentada, ou seja, não existem cursos universitários especializados na prática criada por Sigmund Freud, tampouco leis que guiem especificamente seu exercício. A formação tradicional de um psicanalista passa pela graduação em Psicologia ou Medicina e pela associação a alguma sociedade psicanalítica, além da análise em si.

Na Sociedade Brasileira de Psicanálise, a primeira a ser criada na América Latina, em 1927, tal formação é oferecida somente a médicos e psicólogos registrados nos respectivos Conselhos Regionais, e a aceitação de profissionais graduados em outras áreas do conhecimento fica sob responsabilidade de uma Comissão de Ensino. Se aprovado, o pretendente deve se submeter a cinco anos de análise – com frequência mínima de quatro sessões semanais – além de realizar 160 seminários obrigatórios e atender a dois pacientes adultos ao menos quatro vezes por semana sob supervisão de um analista membro da sociedade.

Nem todas as sociedades psicanalíticas, no entanto, disciplinam a frequência e a duração da análise pessoal do analista em formação. “É da natureza da própria psicanálise uma certa dose de indeterminação no ritmo e na duração de um tratamento, que pode se estender por vários anos”, comenta Gilson Iannini. É o caso das Escolas inspiradas no ensino de Jacques Lacan, como a Escola Brasileira de Psicanálise, fundada em 1995. “Também não há diplomas ou carteirinhas que atestem que alguém é psicanalista. Trata-se de um processo mais longo, sinuoso e exigente do ponto de vista do engajamento subjetivo. Isso porque não se trata apenas de uma formação intelectual ou do domínio de uma técnica”.

Mas, sendo livre a formação psicanalítica, entidades paralelas, como a Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil, oferecem cursos livres a qualquer interessado, como o pastor Izilmar Finco. Atualmente, a Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil é a maior sociedade de psicanalistas da América Latina. Em seus 18 anos de existência, concluiu mais de cem turmas em todos os estados brasileiros e formou cerca de três mil psicanalistas. O único pré-requisito para participar dos cursos é ter um diploma de graduação, seja ele qual for. Em dois anos, depois de participar de aulas duas vezes por mês e realizar 80 sessões de análise, o aluno recebe seu diploma de psicanalista.

A procura do curso por pastores evangélicos e líderes religiosos é intensa. Para o pastor Izilmar, se um religioso deseja desenvolver um bom ministério pastoral, ele precisa acumular uma série de conhecimentos, além da teologia: “Claro que a área da psique é uma delas. O pastor precisa se conhecer bem e saber como conhecer o outro”. Com o auxílio da psicanálise ele afirma não atribuir tudo a questões espirituais. “Uma abordagem correta do problema é o primeiro passo para ajudar a encontrar a solução e a cura.”

Em 1927, Freud publicou um ensaio intitulado O futuro de uma ilusão, no qual afirma ser a religião “a neurose obsessiva universal da humanidade”, culpada pela decadência intelectual de parte dos seres humanos. Não seria então contraditório tentar conciliar religião e psicanálise? O pastor Izilmar Finco acredita que não. “Não podemos negar o conhecimento ou os benefícios que a psicanálise trouxe para nós, desmistificando muitas coisas. Também de forma alguma podemos negar a fé e principalmente a fé em Jesus Cristo”, diz.

Gildásio dos Reis, pastor da Igreja Presbiteriana do Parque São Domingos, em São Paulo, e docente no Centro de Educação, Filosofia e Teologia (CEFT) da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma que teologia e psicanálise partem de pressupostos completamente diferentes. Por isso, não acredita ser honesto um pastor evangélico “atender pacientes utilizando acriticamente uma técnica que diverge sob muitos aspectos da fé cristã”. “Quando eu clinicava, há dez anos, deixava claro aos pacientes sobre minha fé e dizia que, no tratamento, iria fazer uso da teologia para ajudá-los.”

Quando os assuntos tratados passavam por questões como adultério, homossexualidade, aborto ou “qualquer comportamento que, à luz dos ensinos bíblicos, são considerados errados”, Gildásio utilizava-se dos princípios bíblicos “para orientar melhor os pacientes”. “Tínhamos um contrato analítico sobre isso”, diz.

Sérgio Laia, analista membro da Escola Brasileira de Psicanálise e professor, há mais de trinta anos, do curso de Psicologia da FUMEC, em Belo Horizonte enxerga também um problema conceitual na aliança entre as duas práticas: “A perspectiva de Freud era a de que a religião está para a civilização assim como a neurose está para o indivíduo. É dessa forma que a psicanálise lida com a religião – e uma pessoa que pratica uma atividade religiosa dificilmente aceitaria esse tipo de definição”.

“Ouvi de um dos meus professores uma frase de que nunca me esqueci: ‘Não há incompatibilidade entre verdade e verdade’. O que é verdade na psicanálise não anula as verdades do cristianismo”, relembra o pastor Izilmar.

A frase ouvida por ele durante o curso de psicanálise é de autoria do Dr. Heitor Antonio da Silva, um dos fundadores da Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil. Ele me repetiria a máxima alguns dias depois, quando nos falamos pelo telefone. “Não existe incompatibilidade alguma entre psicanálise e religião, pois se a psicanálise é uma verdade, ela tem que ser compatível com qualquer ciência. Se a religião é verdadeira, ela também terá que ser compatível com qualquer ciência”, explica Heitor, que além de psicanalista, também é pastor batista. “Se duas coisas se apresentam incompatíveis, ou ambas são mentirosas ou uma delas o é.”

Heitor da Silva afirma que, por não haver qualquer tipo de vinculação entre as duas atividades, não existe espaço para conflito. “Pelo contrário, quando um padre ou um pastor faz uma formação em psicanálise, isso só aumenta a sua compreensão dos paroquianos, das suas ovelhas, assim como a compreensão de si mesmo e de sua visão de mundo”, enumera. “Mas, se a pessoa quiser filtrar a psicanálise pela sua fé, vai cometer uma grande bobagem.”

Durante dez anos, Heitor da Silva foi diretor executivo da SPOB e um dos responsáveis por concretizar o objetivo de disseminar a psicanálise para todos os estados do país. Hoje, ele atua como diretor geral e presidente do grupo Redentor, que administra três faculdades no Rio de Janeiro. “A ideia de popularizar a psicanálise não significa que o façamos sem qualidade. É uma questão simples: a psicanálise é uma ciência independente”, ressalta. “Freud disse que a psicanálise era a profissão de pessoas leigas que curam almas e que não necessitam ser médicos.”

Em 2000, o deputado Éber Silva, do Rio de Janeiro – ele mesmo pastor da Igreja Batista – apresentou um projeto de lei no Congresso Nacional que visava a regulamentar o exercício da psicanálise no Brasil. Ele recebeu o apoio da SPOB, que passaria a atuar com maior reconhecimento, aumentando os atritos já existentes com grande parte da comunidade psicanalítica, que comumente a associa a grupos evangélicos.

Heitor da Silva afirma que a SPOB foi vinculada aos evangélicos devido a “perseguições das sociedades ligadas ao organismo internacional”, pois sabem que ele e o presidente Dr. Ozéas da Rocha Machado são pastores evangélicos. “A SPOB não oferece cursos para pastores, mas para qualquer pessoa que tenha formação universitária. Nunca foi uma sociedade religiosa ou vinculada à religião”, defende-se. Ele admite, no entanto, que a sociedade de fato forma muitos pastores e líderes religiosos, pois estes exercem funções que lidam com a “problemática humana”.

O projeto de lei não foi aprovado. “O fato de esses cursos terem sido fechados e considerados sem validade não me parece terminar com o problema”, considera o psicanalista Wellington Zangari. “Eles permanecem em nosso meio, senão como superiores, como cursos livres. A ‘formação’ é a mesma, com direito a carteirinha de psicanalista depois do cumprimento de uma série de regrinhas e provinhas de leituras de apostilas mal feitas.” Para ele, a medida não elimina “a sombra do risco de formação de péssimos psicanalistas, com placas com seus nomes em consultórios, cartões de visita e sites na internet”.

O curioso é que as próprias plataformas de formação a distância voltadas especificamente para pastores e líderes religiosos também oferecem cursos de psicanálise. Se a procura dos próprios pastores pelo conhecimento psicanalítico acontece de forma “natural”, como afirma a maioria deles, o caminho inverso também é verdadeiro, uma vez que a formação em psicanálise está acoplada à formação religiosa. Na Faculdade Gospel, por exemplo, criada há vinte e cinco anos, junto às aulas de aperfeiçoamento em bibliologia, direito eclesiástico, história de Israel, liderança cristã e outros cento e cinquenta títulos, há também os cursos de “psicanálise clínica pastoral” e “psicanálise cristã”.

Diante de uma deformação tão grande da psicanálise, com a existência de cursos simplificados, que achatam conceitos freudianos em apostilas que muitas vezes não os expressam de forma correta, Zangari diz que os “pastores psicanalistas” correm o risco de terem a falsa impressão de que a psicanálise se prestaria a referendar conceitos e interpretações religiosas. “Quando não sabem interpretar um fenômeno psíquico de modo analítico, lançam mão de interpretações religiosas como se isso fosse razoável e esperado.”

A cura pela obediência

Três dias depois da minha primeira visita, numa sexta-feira, voltei à Igreja Universal da Bela Vista. Deparei-me com uma sessão de exorcismo, em que o pastor e seus “obreiros” – espécies de ajudantes do líder – dedicavam-se à tarefa de expurgar o demônio do corpo de dois fiéis, um homem e uma mulher, ambos na meia idade. Foram aproximadamente quarenta minutos até que eles voltassem à realidade. Depois de incentivar, aos berros, que o demônio se manifestasse na pele daquele homem, o pastor tomou o microfone e começou a conduzir uma conversa com o suposto diabo encarnado. O homem grunhia, urrava e se retorcia em frente às cerca de trinta pessoas que compareceram naquela tarde.

Segundo Doryedson Cintra, professor de psicanálise nos cursos realizados pela Sociedade Contemporânea de Psicanálise (SCOPSI), as religiões evangélicas estão praticando uma psicanálise selvagem, espécie de chantagem terapêutica que ele chama de “comando passivo”. “Os pastores sabem que há algo na vida de cada indivíduo que inspira o medo e o terror. Só não sabem o quê. Com a apologia ao medo, eles incitam os membros a ponto de despertarem um comportamento histriônico, uma espécie de teatralidade muito comum nos casos de possessão”, teoriza. Ele afirma que, na verdade, essas pessoas se encontram psicologicamente abaladas e, inconscientemente, desenvolvem comportamentos que poderiam perfeitamente ser diagnosticados como transtornos histéricos, e não casos de possessão.

Naquele dia, conversei com uma das “obreiras” que se ocupavam de exorcizar a mulher, enquanto o pastor cuidava do homem. Ela me contou que após a morte dos pais, há mais ou menos dez anos, sentia-se como se lhe tivessem “arrancado o coração com uma faca”. Começou a desenvolver tendências suicidas e depressão, não querendo mais viver. Certo dia entrou por acaso numa Igreja Universal e, ao ouvir a pregação do pastor, achou que ele estivesse falando diretamente com ela, tamanho o impacto do discurso.

Ela continua frequentando as reuniões e, hoje, é como se os pais “nem estivessem mortos”. Quis saber se ela se considerava curada pela religião e ela disse que não. A Universal não a curou do sofrimento, mas sim as pessoas que encontrou ali e o seu próprio comprometimento em frequentar os cultos nos dias corretos. “Deus não é religião, mas é entrega. Se você não se entregar e não obedecer, nada vai mudar em sua vida.”

Não é difícil perceber a que os pastores se referem quando pregam a “entrega”. A obediência dos fiéis, a que se refere Marta, está muito mais relacionada à noção de prosperidade do que a qualquer tipo de elevação espiritual. Ao longo dos cultos, os líderes da Universal repetiram à exaustão a máxima “dê e receba em dobro”, e não apenas bens materiais. Traçam uma conexão direta entre dinheiro e graça.

Em determinado momento, após discorrer a respeito da ação de Deus sobre as “doenças do espírito”, o pastor chamou os fiéis à frente para depositar a “oferta”. Todos se levantaram com seus envelopes brancos enquanto ele enumerava as bênçãos que se desprenderiam daquele gesto. Alguns minutos depois, os “obreiros” se aproximaram com três caixas carregadas de exemplares do livro Nada a perder, de autoria do bispo Edir Macedo, enquanto outros traziam máquinas de cartão de crédito.

Ainda que as pessoas busquem a religião e a psicanálise para lidar com seus sofrimentos, Wellington Zangari acredita que o ponto de contato entre ambas termina aí: “Cada uma dessas perspectivas oferecem compreensões do ser humano baseadas em modos de obter conhecimento que são, por vezes, antagônicas”. A religião supõe a existência de agentes espirituais intencionais e uma ordenação da realidade que é ligada àqueles agentes. A ciência, por outro lado, não enxerga a realidade a partir de referenciais sobrenaturais.

Segundo ele, ao contrário da religião, a psicanálise encontra a natureza do sofrimento humano no próprio sujeito, em sua subjetividade e dinâmica pessoal. Nada é atribuído a Deus ou a qualquer associação do tipo. Além disso, as formas de lidar com esse sofrimento são distintas: “A religião poderá buscar a solução do sofrimento pela via da salvação divina ou do afastamento do demônio, o que supõe uma ação de tipo sobrenatural ou, ao menos, um contato entre o ser humano e uma instância desse universo transcendente. Na psicanálise, lida-se com o sofrimento justamente colocando o sujeito no centro, na natureza mesma do sofrimento. Ele próprio é o agente último da ação, implicado até o pescoço no sofrimento que sente.”

Para Doryedson Cintra, o ser humano vive num constante cabo de guerra, em que de um lado é puxado pela razão psicológica e, do outro, pela fé religiosa. “No meio se encontra o abismo negro do demônio chamado doença mental.”