A visão espiritual do jejum - Carta 120

A VISÃO ESPIRITUAL DO JEJUM

Jejuem e orem a fim de não caírem em tentação (Mc 14,38)

Hoje vamos refletir sobre o jejum, que nada mais é que a privação parcial ou total de qualquer alimento, e mais raramente até de água. O jejum pressupõe uma atitude voluntária, por vontade própria ou induzida por motivação religiosa, durante algum tempo. No terreno espiritual, jejum aponta para uma abstinência de alimentos como forma de penitência durante um determinado tempo, que varia de acordo com os preceitos da religião ou da seita. Cristãos, judeus, muçulmanos, hindus, taoístas, jainistas e seguidores de outras crenças religiosas costumam praticar o jejum.

Em suas primeiras manifestações, o jejum era um dos inúmeros rituais onde havia redução ou suspensão das atividades físicas. Em certas cerimônias primitivas, fazia parte dos rituais da fertilidade. Alguns eruditos já relacionaram o uso simbólico do pão ázimo, feito pelos judeus durante a Páscoa judaica, com as primeiras práticas do jejum. Essa abstinência, que apontava também para as relações sexuais, tinha no Antigo Testamento um caráter de auto-humilhação. A lei mosaica estipulava apenas um dia de jejum, na festa da expiação (cf. Nm 29,7).

Depois do cativeiro babilônico foram instituídos mais quatro dias de jejum, em culto de memória às calamidades nacionais (cf. Zc 7,3.5.8.19). Usa-se a expressão jejum também no sentido figurado, como jejum de vitórias ou outras ocorrências sociais. Há ainda, os que confundem dieta com jejum; deixam de comer pelos mais variados motivos, e afirmam que “estão fazendo jejum”.

O Antigo Testamento não preconiza o jejum como um ato de ascese, mas para exprimir tristeza, pesar ou preparação para algum evento. Quando a comunidade se encontrava em perigo praticava o jejum para obter salvação. Davi jejuou antes da morte do filho de Betsabé, não em sinal de luto, mas na tentativa de salvar a vida da criança (cf. 2Sm 12, 16-23).

Foram, também, encontrados indícios de antigos rituais de jejum nos costumes cristãos durante a quaresma. No Oriente jejuava-se para provocar a fertilidade, afastar uma catástrofe ou como penitência por um pecado. Alguns grupos indígenas dos Estados Unidos mantinham jejuns para afastar desastres. As culturas indígenas mexicanas, e os incas do Peru, faziam jejum para minorar a ira de seus deuses.

Entre os judeus, o jejum como ritual de penitência e purificação representa, anualmente, o dia do arrependimento (Yom Kipur). O jejum até a hora do poente significa, entre os muçulmanos, uma forma de expiação, que acontece geralmente no mês do Ramadã.

Na verdade, a prática do jejum não é só cristã, pois, como já dissemos, sua exigência espiritual aponta para todas as religiões, filosofias e crenças que tem o jejum incluído em suas atividades. O judaísmo – e o Antigo Testamento no-lo revela – possui maior número de citações a respeito do jejum que o cristianismo. Nos evangelhos, a expressão aparece apenas quatro vezes. São Paulo, embora fizesse jejum, não o cita nenhuma vez.

As ocasiões e os motivos para jejuarmos são vários. Mas em todos os casos se trata de nos colocarmos com fé em uma atitude de humildade para aceitar a vontade de Deus e de nos colocarmos na presença dele. A fé e o espírito de oração não devem estar dissociados da prática do jejum. Essa intenção, impregnada de profunda mística revela o sentido das quarentenas passadas sem alimentação por Moisés (cf. Ex 34,28) e por Elias (cf. 1Rs 19,8). Nesse aspecto, a espiritualidade nos desperta para várias reflexões. Isto é muito bom e revela a diversidade de carismas que o Espírito de Deus suscita em nós, a partir de múltiplas interpretações que podemos dar aos mesmos fatos.

Quando se fala em libertação, em geral vem à nossa mente a saga libertadora de Deus, que arrancou o povo hebreu, com mão forte da opressão do pecado, presente em todos os tempos, nas relações entre os homens. Sempre houve – e a história é pródiga em revelar – opressores que sobre os mais diversos motivos sacrificaram o povo. A prática do jejum nos fornece a resiliência, a força e a capacidade de se resistir e superar os males da vida.

A mim, mais uma vez, se me suscita a questão do jejum. É um tema recorrente que volta-e-meia surge como questão nos retiros, aulas e cursos de teologia. Aos católicos é pedida a prática do jejum, apenas dois dias por ano: Na quarta-feira-de-cinzas, como um primeiro gesto de penitência quaresmal, e na sexta-feira-santa, como memorial de respeito ao generoso sangue de Cristo por nós derramado no Calvário.

Muitos não fazem jejum, ou porque não atentam para seu sentido, ou por preguiça ou pragmatismo. Nós poderíamos e deveríamos jejuar mais. Ao invés do jejum, muitos transformam o dia de reflexão em oportunidade para comer melhor, um prato mais sofisticado (e mais caro até). Não comem carne mas devoram iguarias mais onerosas, como o camarão, o bacalhau e os peixes finos. A rigor ficam dispensadas do jejum, crianças até quatorze anos e idosos depois dos sessenta e cinco.

Eu tenho uma lembrança interessante sobre jejum, quando vivi em João Pessoa, na Paraíba. O povo, na vivência de sua religiosidade simples mas enraizada na fé, nos dias de preceito, especialmente na Sexta-Feira Santa, faz comida normalmente, em quantidade que dê para toda a família, mas não toca no alimento, deixando-o nas panelas a espera dos pobres. Lá pelas onze horas da manhã começam a passar crianças raquíticas, homens subnutridos, mulheres magras, velhos desdentados e toda a sorte de pedintes, que vêm às casas pedir o jejum. De início eu não compreendi bem aquela tradição. Depois é que fui entendê-la.

Nós comemos e bebemos todo o ano, enquanto os pobres passam o mais cruel terror que é a fome. É justo que, pelo menos em um dia que fazemos (ou que deveríamos fazer) jejum, nosso alimento sirva para alimentar os carentes, aqueles a quem impomos um jejum forçado o ano inteiro. Os pobres, que durante todo o ano servem a Deus numa liturgia bárbara da fome compulsória, não voluntária, mas criminosamente imposta por uma sociedade idólatra e pagã, que come e bebe fartamente o ano inteiro, merecem se saciar nesse dia.

Se for analisado com olhos pragmáticos, o jejum é uma coisa medieval, ultrapassada, uma legítima tortura, sem o mínimo fundamento. No entanto, ele traz consigo uma forte carga social e teológica, representando, primeiro a sensação do homem sem Deus, e depois, pelo que é capaz de nos levar a sentir, um dia que seja, a fome crônica de tantos irmãos nossos. Sobre o jejum, Jesus nos lembra:

Q uando vocês jejuarem não mostrem semblante carregado,

como os hipócritas: eles desfiguram seus rostos para dar a

entender que estão jejuando. Eles já receberam a sua

recompensa. Quando vocês jejuarem perfumem a cabeça e

lavem o rosto, a fim de não mostrarem aos homens que

vocês estão jejuando. O Pai que enxerga no oculto, lhes

dará a recompensa (Mt 6,16ss).

Jejum é uma atitude de respeito, interiorização, busca e, sobretudo, de fé. Ele deve atuar como uma antítese à mesmice do egoísmo e da indiferença. Trata-se de sentir na nossa boca o gosto da privação. Ele serve para despertar em nós a inquietação social com vistas à fraternidade e ao serviço aos irmãos. Se bem orientado, o jejum nos coloca na trilha da conversão. Os santos e os místicos tinham no jejum o ponto alto de sua espiritualidade, na medida em que a privação do alimento lhes revelava a tragédia de uma vida sem a medida do transcendente e do solidário. Fazer jejum é buscar inspiração para uma aproximação com Deus através de atos concretos com o outro.

Naqueles dias eu, Daniel, estava em jejum, pranteando por

três semanas inteiras. Nenhuma coisa desejável comi, nem

carne nem vinho entraram na minha boca, nem me ungi

com unguento, até que se cumpriram as três semanas

completas (Dn 10, 2-3).

O texto acima é o exemplo clássico de um “jejum parcial”, realizado em meio às atividades do dia-a-dia, com o propósito de alcançar de Deus a revelação de sua vontade. Chamamos “jejum parcial” porque não se faz abstinência absoluta de alimentos, nem se deixa de executar os trabalhos diários. Está claro que existe um valor muito grande neste tipo de jejum.

Lendo os versículos seguintes deste capítulo de Daniel, verificamos que o culminar deste jejum foi uma visita do anjo do Senhor com uma revelação indispensável a respeito das batalhas que se travam nas regiões celestes (vv. 13-22). Além disso, o próprio Senhor, em sua visita a Daniel, assegura com palavras encorajadoras a eficácia de seu jejum e penitência:

Não temas, Daniel, porque desde o primeiro dia em que

aplicaste teu espírito a compreender, e em que te humilhaste

diante de teu Deus, tua oração foi ouvida, e é por isso que

eu vim (v. 12).

Nesse contexto espiritual só nos resta proferir um ruidoso brado de aleluia! Quando a promessa de Deus nos move e praticamos atitudes que o agradam, começamos a transformar esta promessa em realidade, a partir do jejum e da oração; no momento em que nosso coração se humilha e busca a face do Senhor, nossas palavras são ouvidas no céu.

Daniel dedicou três semanas completas (vinte e um dias) ao jejum e à oração. O tempo dedicado ao jejum é reservado para buscar o Senhor, mesmo em meio às atividades cotidianas. Através dele somos convocados a intensificar nossa comunhão com o Senhor. Um jejum sem propósito definido é como vagar num túnel escuro, sem se saber de onde vem ou para onde vai.

Olhando as Sagradas Escrituras, encontraremos muitas razões que levaram as pessoas ao jejum. Se vamos jejuar, teremos que ter objetivos firmes e claros pelos quais lutar:

• estar com Deus;

• receber sua Palavra;

• interceder pelas necessidades das pessoas;

• orar pela nossa salvação;

• enfrentar satanás e suas tentações.

Como se faz um bom jejum? Há um método, fruto dos místicos do mosteiro de Meteora (Grécia) que consta de três semanas (vinte e um dias). Os visitantes são convidados a um jejum parcial. Será um tempo de maior oração e dedicação ao Senhor. Durante este tempo, evitam-se alimentos pelos quais buscamos mais saciar nosso gosto do que as necessidades reais do nosso organismo (doces, refrigerante, bebidas, excesso de frituras ou outros alimentos que constituam hábitos alimentares aos quais estejamos apegados).

Os que tiverem condições podem escolher entre duas opções: ou iniciar a alimentação diária só a partir do meio-dia, ou simplesmente cortar uma das refeições do dia. Cuidado somente para não “descontar” na próxima refeição para compensar o que foi omitido. No capítulo 58 do profeta Isaías há um texto muito interessante a respeito do jejum. Talvez o mais expressivo de toda a Bíblia:

1 Grite a plenos pulmões, sem parar; solte como trombeta o som da sua voz; mostre ao meu povo os seus crimes e faça a casa de Jacó conhecer os seus pecados .

2 Dia após dia, eles parecem me procurar, mostram desejo de conhecer os meus caminhos; parecem povo que pratica a justiça e que nunca se esquece do direito do seu Deus. Eles vêm me pedir as regras da justiça, eles querem estar perto de Deus.

3 E dizem: “Por que jejuamos, e tu não viste? Por que nos humilhamos totalmente, e nem tomaste conhecimento?” Acontece que, mesmo quando estão jejuando, vocês só cuidam dos próprios interesses e continuam explorando quem trabalha para vocês.

4 Vejam! Vocês jejuam entre rixas e discussões, dando socos sem piedade. Não é jejuando dessa forma que farão chegar lá em cima a voz de vocês.

5 Vejam! O jejum que eu aprecio, o dia em que uma pessoa procura se humilhar, não deve ser desta maneira: curvar a cabeça como se fosse uma vara, deitar de luto na cinza... É isso que vocês chamam de jejum, um dia para agradar a Javé?

6 O jejum que eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar qualquer jugo;

7 repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se fechar à sua própria gente.

8 Se você fizer isso, a sua luz brilhará como a aurora, suas feridas vão sarar rapidamente, a justiça que você pratica irá à sua frente e a glória de Javé virá acompanhando você.

9 Então você clamará, e Javé responderá; você chamará por socorro, e Javé responderá: “Estou aqui!” Isso, se você tirar do seu meio o jugo, o gesto que ameaça e a linguagem que injuria;

10 se você der o seu pão ao faminto e matar a fome do oprimido. Então a sua luz brilhará nas trevas e a escuridão será para você como a claridade do meio-dia;

11 Javé será sempre o seu guia e lhe dará fartura até mesmo em terra deserta; ele fortificará seus ossos e você será como jardim irrigado, qual mina borbulhante, onde nunca falta água;

12 as suas ruínas antigas serão reconstruídas, você levantará paredes em cima dos alicerces de tempos passados. Vão chamá-lo reparador de brechas e restaurador de ruínas, onde se possa morar.

Nos tempos messiânicos, Jesus adverte quanto a eficácia do jejum no embate contra as forças malignas:

Esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo

jejum (cf.). Mt 17,21.

A esta altura ocorre-nos a questão preliminar: por que jejuar? O jejum diz aos nossos corpos, estômagos e apetites que nosso espírito é o responsável pela vida, e pela troca da hora de comer, para ficarmos mais próximos de Deus. Quando é exigido por Deus, o jejum traz benefícios extras e poderosos ao nosso espírito (cf. Mt 17,21). A medicina também reconhece que o jejum regular também faz bem ao corpo.

1. Como nós realmente fazemos jejum?

Em Mateus 6,16ss Jesus supõe que seus seguidores jejuarão de tempos em tempos. Ele diz “Quando vocês jejuarem” e não “se jejuarem”. O jejum é um tema que atravessa o estilo de vida e de espiritualidade. desde os dias mais remotos. O jejum necessita de uma motivação correta: Ele não vai torcer o braço de Deus para ajudá-lo. Ele não lhe ajudará a realizar sua própria vontade, isto seria mera greve de fome!

2. Quando Devemos Jejuar?

Existem muitas ocasiões na Bíblia quando as pessoas jejuaram sozinhas ou em grupo.

• Ao ouvirem más notícias, Ne 1,4; 2Sm 1,12

• Quando familiares, amigos ou pessoas estão doentes, 2Sm

12,16, Sl 35,13.

• Em tempos de luto, 1Sm 31,13; 2Sm 3,35.

• Em perigo, Est 4,16, Dn 6,18. At 2733s

• Em ameaça de desastre nacional, Jz 20,26; 2Cr 20,3; Jl 1,14;

2,12-15

• Em tempo de ameaça de julgamento, Jr 36,9, Jn 3,5-10

• Antes de uma viagem, Esd 8,21ss

• Na confissão pública de pecados, Ne 9,1s, 1Sm 7,6.

• No arrependimento pessoal, 1Rs 21,27ss, Esd 10,6

• Na intercessão, Dn 9,3

• Em resposta a uma revelação de Deus, Dn 10,1-3, At 9,9

• Ao ordenar ou enviar ministros, At 13,3, 14,23

3. O que devemos fazer em um jejum?

• Orar (Dn 9,3; Jr 14,12);

• Humilharmo-nos (Dt 9,18; Ne 9,1);

• Elevar nosso pensamento a Deus amando-o;

• Ler a Palavra de Deus (Jr 36,6) para depois coloca-la em

prática.

4. Tipos Diferentes de Jejum

Para começar, podemos fazer a abstinência de alimentos durante o dia e, quando o sol se põe, fazemos refeições frugais, apenas de manutenção. Em extremas circunstâncias Moisés, Elias e Jesus jejuaram por 40 dias (cf. Ex 24,18; 1Rs 19,8; Mt 4,1s). É facultado beber líquidos. Não é recomendado jejuar sem água. Podemos também jejuar de coisas doces e guloseimas, além de cigarro, ouvir rádio, etc.. Daniel orou assim por três semanas (cf. Dn 10,2s). Faremos bem jejuar regularmente da TV, dos esportes e de relações conjugais, para buscarmos mais a Deus (cf. 1Cor 7,5). Assim como Davi, os discípulos de João, Ana, Paulo e Cornélio, algumas pessoas têm o jejum como um estilo de vida (cf. Sl 109,24; 69,10; Mt 9,14; Lc 2,37; At 10,30; 13,3, 14,23; 2Cor 11,27.

5. O jejum escolhido de Deus

Será bom para todos nós jejuarmos de tempos em tempos e de acordo com a direção do Espírito Santo, mas existe outro tipo de jejum que é imensamente poderoso. Nós o chamaríamos de vida jejuada. No entanto, é prudente que se saiba que nem todo jejum agrada ao Senhor. Em Zacarias, 7,5s, o Senhor pergunta ao povo e aos sacerdotes se eles estão jejuando por ele, ou por outro motivo? O jejum do povo (cf. Is 58,1-5), definitivamente não agradou a Deus. Mesmo no dia de jejuar diante do Senhor, as pessoas estavam explorando os trabalhadores, discutindo, agredindo-se, sendo hipócritas, tentando chantagear a Deus, reclamando e abandonando os mandamentos de Deus.

Sobre isto, ele diz, “não esperem que seus clamores sejam ouvidos!”. Tem gente que jejua de má-vontade, preso à exterioridade de um preceito que nem ele acredita muito. Jejuar por jejuar, porque a Igreja manda, ou para impressionar aos outros, sempre olhando no relógio se já está na hora de empanturrar-se de alimentos, comendo mais do que deixou de comer no período em que esteve obrigado a jejuar, não tem nenhum valor.

6. Que tipo de jejum agrada a Deus?

Deus diz “O jejum que eu aprecio...” (cf. Is 58,6-12) e então o recomenda para nós. Este tipo de jejum tem pouco em comum com somente recusar a comida, mas tem muito em como recusar o ego, para viver para Deus. Não dura somente um dia, mas para sempre, enquanto vivermos. Ele nos pede para recusarmos a nós mesmos e para:

• Soltarmos as correntes da injustiça;

• Desatarmos as cordas do jugo;

• Satisfazermos as necessidades dos oprimidos;

• Quebrarmos todos os jugos;

• Compartilharmos nossa comida com o faminto;

• Provermos abrigo para os desabrigados;

• Cobrirmos aos desnudos;

• Ajudarmos nossa própria carne e sangue;

• Acabarmos com o jugo da opressão;

• Não apontarmos o dedo ou termos conversas maldosas.

Este tipo de jejum transforma o mundo, porém produz tremendas exigências espirituais, emocionais e materiais, mas veja por si mesmo como Deus promete manter miraculosamente aqueles que ousam negar a si mesmos, e viver em nome dos pobres e dos oprimidos. O jejum que eu aprecio é o que se reflete na solidariedade.

Se você fizer isso, a sua luz brilhará como a aurora, suas feridas vão sarar rapidamente, a justiça que você pratica irá à sua frente e a glória de Javé virá acompanhando você (Is 58, 8).

OS 9 TIPOS DE JEJUM

Texto base: Isaías 58, 1 a 12

É importante conhecer os tipos de jejuns que não agradam a Deus bem como compreender os tipos que ele escolhe. O povo estava jejuando, mas sem obter resultados e o motivo é que eles ignoravam o modo de jejuar que poderia mudar a vida deles. A Bíblia está cheia de exemplos e motivações a respeito de como e porque jejuar.

Não devemos interpretar os primeiros versículos de Is 58 como um chamado ao evangelho social no sentido de negar a adoração a Deus. O Senhor não estava pedindo que eles parassem de jejuar, mas que fizessem do jejum mais do que um mero ritual religioso. Os versos 6 a 8 nos mostram nove tipos de jejuns que podemos encontrar na palavra de Deus, basta buscar em algum deles a motivação adequada para o desenvolvimento de nossa espiritualidade.

1. Jejum para soltar as ligaduras da impiedade;

2. Jejum para desfazer as ataduras da servidão;

3. Jejum para libertação dos oprimidos;

4. Jejum para despedaçar o jugo;

5. Jejum para repartir o pão com o faminto e abrigar o pobre

desamparado;

6. Jejum para romper a luz;

7. Jejum para a cura;

8. Jejum pela justiça de Deus;

9. Jejum pela glória de Deus.

Para exemplificar e esclarecer a importância dessas nove razões para jejuar, escolhi nove personagens bíblicos cuja vida ilustra cada um dos aspectos mencionados em Isaías.

1. O jejum do discípulo

Objetivo:

• Soltar as ligaduras da impiedade (Is 58,6)

• Buscar libertação da escravidão do pecado e do diabo para si

mesmo ou para outros. (Mt 17,21)

Existem certos tipos de demônios que só saem pela oração acompanhada de jejum. Os discípulos não jejuavam por isso não puderam libertar o garoto – daí o título “jejum do discípulo”. Atenção para as seis atitudes necessárias:

• Renuncie a todo controle falso do inimigo;

• Reconheça o auto-engano. Nos enganamos quando não

chamamos o pecado de pecado;

• Perdoe para vencer a amargura. O ressentimento é um tipo de

prisão;

• Submeta-se à autoridade de Deus e da Igreja. A autoridade

pode ajudar na libertação e a quebrar ligaduras;

• Assuma as responsabilidades pessoais. Precisamos mudar a

nossa maneira de confessar os pecados. Em vez de dizer eu

confesso, deveríamos dizer: eu me responsabilizo por esse

pecado e reconheço que ele é passível da disciplina de Deus.

Não culpe os outros e nem o diabo; o adversário só nos atinge

quando lhe permitimos agir: a culpa dessa ação ocorre por

causa de nossa falta de vigilância;

• Livre-se de influências pecaminosas. Se o teu olho te faz

pecar, arranca-o. Se a internet te faz pecar, arranca-a. Se

certo amigo te faz pecar, afasta-o de tua vida, etc.

2. O jejum de Esdras

Objetivo:

• Desfazer as ataduras da servidão (Is 58,6)

• Resolver problemas, invocar a ajuda do espírito Santo para

avaliar pesos e superar barreiras que nos impedem de

caminhar com alegria diante do senhor (Esd 8,23)

O Senhor já havia agraciado seu povo com a bênção de voltar para a terra de Israel. No entanto, havia inimigos no caminho que tentavam bloquear a caminhada. Na vida ocorrem fatos semelhantes: temos a benção do Senhor, mas ás vezes precisamos romper obstáculos para resolver problemas. Esdras jejuou para fazer uma viagem levando riquezas pertencentes ao povo. Será que também faríamos um jejum? Nesse contexto destacam-se seis atitudes:

• Escolha os que se comprometerão em jejuar com você. Esdras convocou todo o povo que estava com ele para jejuar;

• Compartilhe o problema para ser ajudado. Esdras disse claramente que o jejum era para terem uma viagem feliz e segura;

• Jejue com seriedade. Jejum não é apenas se abster de alimentos, implica em afligir a alma com oração e intercessão com agonia. Esdras os convidou para se humilharem;

• Jejue antes de tentar uma solução. Observe que Esdras não jejuou durante a viagem, mas antes;

• Jejue no lugar ou com algo que simbolize o problema. Esdras não fez um retiro, mas foi para o lugar do desafio;

• Jejue esperando orientação. Depois de jejuar Esdras tinha a solução. O ouro foi pesado na saída e na chegada. A oferta foi distribuída entre 12 homens para que vindo o ladrão não levasse todo o tesouro. Por fim ele escolheu o caminho certo sob a direção de Deus.

3. O jejum de Samuel

Objetivo:

 Para por em liberdade os oprimidos; Is 58,6

 Para ganhar almas;

 Para se identificar com pessoas escravizadas;

 Para orar e ser usado por Deus;

 Para tirar as pessoas do reino das trevas e trazê-las para o

Reino de Deus. É o jejum por avivamento. (1Sm 7,6)

Samuel jejuou para que Israel fosse liberto do pecado. Atenção para as seis atitudes:

• Convoque a comunidade para reunir e jejuar (v. 5-6);

• Demonstre arrependimento genuíno (v. 3 e 6);

• Afaste-se do pecado secreto. Não devemos nos contentar

com os pecados que conhecemos, devemos pedir luz a Deus

e pedir que ele nos sonde. Confessar pecado conhecido

restaura comunhão, mas reconhecer o pecado secreto traz

avivamento;

• Faça a confissão de pecado pelo grupo. Samuel confessou o

pecado pela nação (Dn. 9). Podemos confessar o pecado por

aqueles por quem estamos orando;

• Espere a liberação de uma palavra de Deus. Nos dias de

Samuel as palavras eram raras (1Sm 3,1), mas depois desse

jejum veio a palavra de Deus;

• Faça do seu jejum um símbolo de sua atitude. Mude a sua

roupa, raspe a sua cabeça, faça um retiro, etc.

4. O jejum de Elias

Objetivo:

• Despedaçar todo jugo (Is 58, 6)

• Superar problemas emocionais ou mentais que controlam

nossas vidas e devolver o controle ao Espírito do Senhor.

Há pessoas que vivem debaixo de opressão, outras oscilam o tempo todo o estado de espírito, algumas são descontentes e ainda outras vivem debaixo de depressão (1Rs 19, 4 e 8). Embora não se diga que era um jejum, Elias deliberadamente ficou sem se alimentar quando fugia da rainha Jezebel, mulher de Acab. Depois desse jejum Elias foi assistido pelo anjo no monte do Senhor. Há nesse jejum oito atitudes:

• Prepare-se física e emocionalmente. Elias se preparou para

um jejum prolongado dormindo e comendo apenas o

necessário (v. 5-8). Todo jejum exige uma preparação;

• Reconheça suas limitações. Reconheça que você não

consegue a força do hábito sozinho. Permite que os irmãos e

amigos o ajudem a mudar suas atitudes e disposições mentais;

• Vá para um lugar onde você possa encontrar-se com Deus.

Elias queria encontrar-se com Deus no monte Horeb (v. 8);

• Jejue para ouvir a palavra do Senhor. Elias jejuou para ouvir a

voz de Deus (v. 9);

• Deixe que a Palavra de Deus revele sua fraqueza. Assim como

perguntou para Adão “onde estás?”, Deus perguntou para

Elias “que fazes aqui?”. As perguntas de Deus são uma

oportunidade para entrarmos em contato conosco mesmo;

• Confesse sua fraqueza diante de Deus. Elias se sentia

fracassado na sua missão (v. 10);

• Não espere sempre manifestações extraordinárias de Deus.

Observe que Deus falou com Elias no vento suave (v. 11 a

13);

• Veja a palavra de Deus de maneira positiva. Elias se sentia

fracassado em levar a nação de volta para Deus, mas Deus

mostrou que ele não era o único, havia mais sete mil. Deus

ainda lhe deu uma missão (v. 15 e 16).

5. O jejum da viúva de Sarepta

Objetivo:

• Repartir o pão com o faminto e abrigar o pobre desamparado

(Is 58,7)

• Suprir as necessidades básicas das pessoas que estão ao

nosso derredor (1Rs 17, 13-16)

Deus enviou o profeta Elias a uma viúva pobre, na região de Sarepta, que estava prestes a morrer de fome. Era um tempo de fome e seca, Mas Elias em vez de dar-lhe comida, pediu o que ela tinha para ele mesmo. Quando a viúva resolveu dar ao profeta a última comida que lhe restava, ficando ela mesma de jejum, o Senhor fez o milagre da multiplicação. Veja as seis atitudes:

• Volte-se para o seu próximo;

• Reconheça as próprias bênçãos;

• Separe uma parte do seu próprio suprimento para suprir

outros;

• Jejue e ore para receber orientação de Deus;

• Ore por aqueles a quem você ajuda;

• Identifique-se com o sofrimento dos outros.

6. O jejum de Ester

Objetivo:

• Que “a glória do Senhor” esteja sobre nós (Is 58,8)

O jejum de Ester não foi para poupar a própria vida, mas para que a glória do Senhor se manifestasse livrando seu povo da morte iminente (cf. Est 4,15s). Seis atitudes:

• Reconheça o inimigo como origem do perigo. O jejum de Ester

é por um livramento extraordinário de Deus, que traga glória

ao seu nome;

• Entenda a natureza da batalha espiritual;

• Reconheça o poder de Deus para guardá-lo;

• Jejue para vencer a cegueira espiritual. Muitas vezes não

percebemos as armadilhas do maligno ao nosso derredor.

Precisamos da luz de Deus.

• Entenda que o jejum é apenas parte do processo. A batalha

continua indo até quem tem autoridade para resolver ou

buscando todos os meios possíveis.

• Jejuns realizados na iminência da batalha são mais efetivos se

feitos em grupo. Ester pediu para que todo o povo jejuasse

(v. 16).

Jejuar é um mandamento para a nação de Israel. Uma das reuniões anuais mais solenes (cf. Lv 23,26-31), é o Dia da Expiação (Yom Kippur) onde é ordenado um jejum total durante vinte e quatro horas, para todo o povo se apresentar perante o Senhor, receber perdão, ser restaurado e renovado. Certos tipos de jejum são ordenados igualmente pela Igreja de Jesus até que ele volte:

Dias virão, porém, em que lhes será tirado o noivo; naqueles

dias, sim hão de jejuar (Mc 2,20; Lc 5,35).

A espiritualidade nos desperta para várias reflexões. Isto é muito bom e revela a diversidade de carismas que o Espírito de Deus suscita em nós, a partir de múltiplas interpretações que podemos dar aos mesmos fatos. Em geral vem à nossa mente a saga libertadora de Deus, que nos arrancou com mão forte da opressão do pecado, presente em todos os tempos, nas relações entre os homens. Sempre houve – e a história é pródiga em no-lo revelar – opressores que sobre os mais diversos motivos sacrificaram o povo.

7. O jejum de Daniel

Objetivo:

• A tua cura, do corpo e do espírito brotará sem detença (Is

58,8)

Para conseguir uma vida mais saudável ou receber cura para alguma enfermidade (cf. Dn 1,8). Trata-se de um dos jejuns mais importantes do Antigo Testamento. Para honrar a Deus, Daniel se absteve de alimentos pagãos e manjares do rei. No final o resultado foi que ele estava mais saudável que os demais da corte do rei. Cinco atitudes:

• Tenha um compromisso espiritual no seu jejum. Daniel queria honrar a Deus não comendo coisa imunda (1,8). Não faça do seu jejum apenas uma dieta.

• Faça do seu jejum um tempo de disciplina. Durante 10 dias Daniel se disciplinou (1,12).

• Ore para compreender onde há pecado na sua dieta alimentar. A comida da Babilônia era imprópria para um judeu, mas hoje há comidas que são impróprias para o templo do Espírito.

• Faça do seu jejum uma declaração de fé. O jejum de Daniel foi um ato de fé porque ele pediu para ser comparado com outros jovens no final (v. 13ss).

• Entenda que o próprio jejum é um meio legítimo de ter saúde física.

8. O jejum de João Batista

Objetivo:

• A tua justiça irá adiante de ti (Is 58,8)

Que o nosso testemunho e influência do sal do Senhor em nossas vidas sejam alcançados diante das pessoas (cf. Lc 1,15) João Batista tinha o jejum como estilo de vida, pois era nazireu, não bebia nada que viesse da uva e sua alimentação era o mais frugal possível. Isto o caracterizava como alguém separado pelo Senhor para uma missão especial. Quatro atitudes:

• Faça do seu jejum uma proclamação de sua separação para Deus;

• Decida ser alguém que possui uma vida devotada a Deus;

• Trabalhe com a possibilidade de fazer do jejum um estilo de vida;

• Registre por escrito o testemunho que você desejar obter.

O alvo do jejum de João Batista foi o de se tornar uma luz resplandecendo nas trevas. Ele submeteu seu estilo de vida a Jesus.

9. O jejum de Paulo

Objetivo:

• Romper a luz como a alvorada (Is 58,8)

Quando temos que tomar decisões cruciais, precisamos permitir que a luz de Deus venha trazer discernimento e uma perspectiva esclarecedora (cf. At 9,9). Depois de encontrar com o Senhor no caminho de Damasco e ficar cego, Paulo começou a jejuar e no final desse jejum Ananias foi enviado a ele para que voltasse a ver e fosse batizado. São seis as atitudes importantes:

• Separe tempo para ouvir o Senhor. Se é preciso tomarmos decisões cruciais em nossa vida precisamos separar tempo para jejuar;

• Faça uma auto-avaliação honesta. Quando Deus quer que avaliemos nossa vida ele nos faz perguntas. Paulo tinha uma pergunta na cabeça: “Saulo, Saulo porque me persegues?”. Esta pergunta colocou Paulo em cheque. Ele queria agradar a Deus, mas estava errado;

• Deixe de lado o seu esforço e renda-se a Deus. Tempo de jejum não é tempo de empreendimento. Paulo parou e esperou em Deus;

• Procure um lugar apropriado para orar;

• Aplique-se à oração. No verso 11 se diz que ele estava orando;

• Obedeça o que você ouviu de Deus. Em At 26,19 Paulo diz que não foi desobediente a visão celestial.

10. O jejum de Jesus

O próprio Jesus praticou o jejum, os líderes da Igreja também o faziam. (At 13,1-3; 14:23 e 27:9). Registros históricos dos pais da igreja também revelam que o jejum continuou sendo observado como prática dos cristãos durante muito tempo depois dos apóstolos. O jejum, portanto, deve ser parte de nossas vidas e praticado de forma equilibrada, dentro do ensino bíblico.

Embora o próprio Senhor Jesus tenha jejuado por quarenta dias e quarenta noites no deserto, e muitas vezes ficava sem comer (quer por falta de tempo ministrando ao povo – Mc 6,31, quer por passar as noites só orando sem comer – Mc 6,46), devemos reconhecer que ele e seus discípulos não observavam o jejum dos judeus de seus dias. Era costume dos fariseus jejuar dois dias por semana (Lc 18,12), mas Jesus e seus discípulos não o faziam. Aliás, chegaram a questionar Jesus acerca disto:

Disseram-lhe eles: Os discípulos de João e bem assim os fariseus frequentemente jejuam e fazem orações; os teus, entretanto, comem e bebem. Jesus, porém, lhes disse: Podeis fazer jejuar os convidados para o casamento, enquanto está com eles o noivo? Dias virão, contudo, em que lhes será tirado o noivo; naqueles dias, sim, jejuarão (Lc 5,33-35)

O Mestre mostrou não ser contra o jejum, e disse que depois que Ele fosse "tirado" do convívio direto com os discípulos (voltando ao céu) eles haveriam de jejuar. Jesus não se referiu ao jejum somente para os dias entre sua morte, ressurreição e reaparição aos discípulos (ao mencionar os dias que eles estariam sem o noivo), e sim aos dias a partir de sua morte.

A mim, mais uma vez, se me suscita a questão do jejum. Aos católicos é pedida a prática do jejum, apenas dois dias por anos: na quarta-feira-de-cinzas, como um primeiro gesto de penitência quaresmal, e na sexta-feira-santa, como memorial de respeito ao generoso sangue de Cristo por nós derramado no Calvário.

Jejuar é deixar de comer, mas também é pensar nos projetos de Deus. Ele mesmo é que nos diz: “O jejum que eu aprecio é acabar com a injustiça, libertar os oprimidos, repartir a comida com quem tem fome e mostrar-se solidário com quem sofre” (cf. Is 58, 1-12). Quando agimos com esse desprendimento e com essa visão de infinito, nossa luz brilha como a aurora. As feridas cicatrizam. Oramos e Deus responde: “Estou aqui!”. O jejum é a melhor arma na batalha diuturna contra as forças do mal, contra a omissão, o laxismo na fé, o egoísmo, o individualismo e a perda do senso crítico.

Na quaresma, início (quarta-feira de cinzas) e fim (sexta-feira Santa) a gente costuma jejuar. Em paralelo com o jejum de alimentos e bebidas, deve-se somar um rigoroso jejum de atitudes, com o qual quero encerrar esta reflexão: Jejum não deve ser de tristezas, mas uma festa. Jejuar é celebrar. É preciso

jejuar de julgar os outros e festejar porque Deus habita neles.

Jejuar de apontar diferenças, mas fazer festa pelo que nos

une na vida.

Jejuar das trevas da tristeza e celebrar a existência da luz.

Jejuar de pensamentos negativos e doentios e alegrarmo-nos

pelas palavras carinhosas e delicadas.

Jejuar de desilusões e festejar o sucesso.

Jejuar do ódio e festejar a paciência que santifica.

Jejuar do pessimismo e viver com alegria.

Jejuar das preocupações e celebrar a esperança.

Jejuar dos males da vida, alegrando-se pela existência de uma

vida abundante.

Jejuem e orem a fim e não caírem em tentação (Mc 14,38)

Meditação realizada em um retiro de espiritualidade ocorrido na Semana Santa de 2008 na cidade de Santa Maria, RS.