Verdade e mentira

VERDADE E MENTIRA

Dois valores de um mesmo fato

Antônio Mesquuita Gakvão

Uma das características do ser humano é a busca permanente pela verdade. É o desejo de comprovar a veracidade dos fatos e de distinguir o verdadeiro do falso e que frequentemente nos coloca dúvidas no que nos foi ensinado. As pessoas dignas, que propugnam a ética não abrem mão da verdade em suas ações. A busca pela verdade surge logo na infância e ao longo da vida; estamos sempre questionando as verdades estabelecidas pela sociedade, e a filosofia tem na investigação da verdade o seu maior valor. Essa busca da verdade e o constante confronto com a mentira sempre foi um dos exercícios mais executados pela humanidade. Nesse contexto, verdade e mentira sempre foram valores que circundaram as diversas circunstâncias da vida humana.

A noção bíblica de verdade, ‘emet, אֱמֶת no hebraico, e aléteia, ἀλήθεια no grego, provém de pontos de vista bem diversos que a nossa noção ocidental, a qual remonta à terminologia grega. Para os gregos a verdade é a concordância entre om pensamento e a realidade, ou a própria realidade enquanto se revela ao espírito. Nisso se manifesta a aspiração típica grega à clareza, à compreensão teórica e intelectual. Na Bíblia a noção passou por uma evolução. Do judaísmo ao Novo Testamento, o termo verdade é cada vez mais relacionado com a lei, a revelação, a Palavra de Deus. O verbete litúrgico amém tem dua raiz em ‘emet. Ao dizer amém o crente está afirmando “é verdade!”.

Ao contrário da verdade (valor) existe a mentira (antivalor). O verbete hebraico sheker, שֶׁקֶר e o grego pseudós ψεῦδος, apontam para algo falso.

Se na Criação vemos traços da verdade de Deus (Gn 1---2) logo a seguir constatamos a penetração da mentira (Gn 3) que iria perder o casal humano e propiciar sua exclusão do Paraíso. Enquando os capítulos 1 e 2 do Genesis indicam o “projeto de Deus”. O 3 aponta para o “projeto do maligno”, Isto evidencia que os dois andam juntos e é preciso um grande senso crítico e muita vigilância para distinguir um do outro. A teologia bíblica ensina se reporta às “mentiras que Satanás quer que você acredite”:

O pai de vocês é o diabo, e vocês querem realizar o desejo do pai de vocês. Desde o começo ele é assassino, e nunca esteve com a verdade, porque nele não existe verdade. Quando ele fala mentira, fala do que é dele, porque ele é mentiroso e pai da mentira. Eu falo a verdade, e por isso vocês não acreditam em mim. Quem de vocês pode me acusar de pecado? Se eu digo a verdade, por que vocês não acreditam em mim? Quem é de Deus ouve as palavras de Deus. Vocês, porém, não ouvem, porque vocês não são de Deus (Jo 8,44-47).

A primeira mentira que Satanás quer que você acredite: Que a Palavra de Deus não é a verdade absoluta: “Vocês serão iguais a Deus...”.

Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal (Gn 3,5).

O diabo quer que você acredite que há caminhos, muitos outros caminhos para servir a Deus. Não precisa de Igreja: Satanás quer que você acredite que pode ser feliz sem ser cristão sem ir à Igreja, sem ler a Bíblia, sem orar.

Vocês são de Deus e já venceram os Anticristos, pois aquele que está com vocês é maior do que aquele que está com o mundo. Eles pertencem ao mundo; por isso falam a linguagem do mundo e o mundo os ouve. Nós, porém, somos de Deus. Por isso, quem conhece a Deus, nos ouve; e quem não é de Deus, não nos ouve. Com isso podemos distinguir o espírito da Verdade do espírito do erro (1Jo 4, 4ss).

Mentir é falar ou dizer algo contrário à verdade; é a expressão e manifestação contrária ao que alguém sabe, crê ou pensa. Pode-se crer na mentira, falar mentira e praticar a mentira. É o engano em seus diferentes aspectos; nocivo ao ser humano e ofensa grave diante de Deus. O diabo é o pai da mentira (Jo 8,44) e, portanto, a mentira é um instrumento diabólico que o homem usa para sua própria perdição. O mais triste é que o homem ama a mentira, não ama a verdade, pois ele é mau por natureza (Rm 1, 25; Ap 22,15).

A juventude, em termos gerais, está sendo arrastada à perdição eterna pelo prazer transitório da inclinação à droga, sexo, indiferença, etc. A vida de muitos não passa de uma grande mentira; é enganoso, anormal, trazendo prejuízos físicos, morais e espirituais. Tais coisas podem ser definidas como praticar a mentira. Esta prática abrange os mais variados aspectos da mentira como idolatria, homicídio, adultério, fornicação, cobiça, etc.

Falar mentira é um mal muito comum, e cada vez mais, em todos os ambientes e esferas da vida social e da política. Algumas pessoas dizem que certas mentiras são benignas, mas isto não é correto. Toda mentira, pequena ou grande, é um instrumento do diabo, portanto é recomendável que o cristão não se comprometa com coisa alguma que possa levá-lo a mentir.

Todo verdadeiro crente deve tratar tudo de uma forma positiva. Na verdade o seu falar deve ser "Sim, sim, Não, não, porque o que passa disto é de procedência maligna" (Mt. 5, 37). Existe a mentira doutrinária e a mentira teórica. O espírito do erro nega que Jesus Cristo veio em carne, nega que Cristo é Deus (1Jo 4,6). Esta é uma mentira doutrinária. A teoria da evolução é uma mentira teórica, pois nega a criação, negando assim Deus como Criador. Há pessoas que creem nessas mentiras, e haverá muitíssimos que irão crer por não terem dado crédito à verdade (2Ts 2,10-ss).

Quando Adão e Eva pecaram no Éden, o pecado entrou no ser humano. Ali entrou a mentira, o mal e, consequentemente, a morte. "Porque o salário do pecado é a morte, mas graças a Deus que o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm. 6, 23).

Portanto, a muitos homens agrada, por natureza, crer na mentira; agrada-lhes praticar a mentira e ele até mesmo amar a mentira. A mentira é prejudicial ao homem e, com todos os seus horrorosos aspectos, o degenera e o leva à perdição. O diabo com seu instrumental de mentira rouba, mata e destrói o homem. Está escrito: "O ladrão (o diabo) vem somente para roubar, matar e destruir" (Jo 10,10). O diabo lançou a sua mentira no mundo: "a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida" (1Jo 2,16). Ao contrário desses descaminhos que levam à morte, Jesus acena com a “vida em abundância” (10,10b).

O cristão deve desprezar a mentira, em qualquer forma que se apresente, e não nos esquecermos que o primeiro pecado grave, pecado de morte, registrado na igreja, foi uma mentira (At 5, 1-11). Temos que amar a verdade, a qual está em nós, e estará para sempre (2Jo 1,2). Procuremos praticar a verdade em nossas vidas, crer na verdade, falar a verdade e amar a verdade. Cristo disse: "Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim" (Jo 14,6). Em sua catequese apóstolo Paulo afirma

Deixem a mentira, e falem a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros (Ef 4,25).

Nas “três tentações” do deserto (cf. Mt 4) verifica-se o sofisma, a mentira, e o embuste que o diabo emprega para confundir. Ele é tão falso que tenha confundir o próprio Filho de Deus.

Depois de ser batizado por João Batista, Jesus foi para o deserto onde ficou em oração e jejum por mais de um mês. Nestes dias, no isolamento e recolhimento espiritual a que se submeteu, Jesus foi tentado pelo “demônio” ou por algum espírito ruim, que tentou desviar Jesus do caminho correto. Para isto tentou fasciná-Lo com mentiras e promessas de bens terrenos.

1ª tentação: “Não comeu nada nestes dias e, depois disso, sentiu fome. Então o diabo disse a Jesus: “Se Tu és o Filho de Deus, manda que esta pedra se torne pão.” Jesus respondeu: A escritura diz: ”Nem só de pão vive o homem.”” (Mateus 4,3,4). Significado: Jesus tinha um objetivo e estava fazendo um sacrifício para atingir este objetivo. O “demônio” propõe a Jesus que não se sacrifique, e que use o Seu poder para conseguir o pão e não o “Pão da Vida” espiritual que estava buscando. O desafio do “diabo” era uma cilada para Jesus se mostrar orgulhoso do seu poder (transformar pedra em pão) e começar a usar este poder segundo as leis do “diabo” e dos homens e não segundo a vontade de Deus. Jesus entende o fato e coloca a vontade de Deus acima de qualquer desejo do “demônio”. Ou seja, Ele não quis provar nada para ninguém.

Ele também demonstra que todos nós temos necessidades que só podem ser satisfeitas a partir de uma vivência espiritual: nem só de pão vive o homem.

2ª tentação: Jesus está no alto de uma montanha. De lá se pode ver o horizonte e imaginar toda a extensão de terra que forma os mais diversos reinos. O “demônio” diz: “Eu te darei todo poder e riqueza destes reinos, porque tudo isto foi entregue a mim, e posso dá-lo a quem eu quiser. Portanto, se ajoelhares diante mim, tudo isto será teu. “Jesus respondeu: “Você adorará o Senhor seu Deus e somente a Ele servirá.” (Mt 4, 6). Significado: O “demônio” tenta fascinar Jesus com a proposta de poder. Bastava Ele se tornar igual a tantos outros que queriam dominar os povos e submetê-los à situações injustas que Ele teria todo o poder e o apoio do “demônio” para dominar estes reinos. Mas Jesus disse: Não. Ele decidiu tomar o caminho que Deus havia lhe reservado: revelar as verdades fundamentais da vida, contribuir para a evolução espiritual do mundo, servir de exemplo positivo de amor e bondade para toda a humanidade através dos séculos. A obra de Jesus está aí até hoje; a obra dos dominadores e imperadores sempre acaba.

O “demônio” sempre usa a mentira da tentação para levar o homem a ser aproveitador e dominador, Jesus nos ensina que devemos servir e ajudar, que assim seremos mais justos, mais felizes e teremos maior realização interior.

3ª tentação: Jesus estava em Jerusalém, na parte mais alta do Templo. O “demônio” lhe disse: “Se Tu és Filho de Deus, joga-te daqui para baixo. Por que a escritura diz: Deus ordenará a teus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado. Eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em nenhuma pedra.” Mas Jesus respondeu: “A Escritura diz: “Não tente o Senhor teu Deus.” (Mt 4, 9. Significado: Deus protege aqueles que trilham um caminho correto. Se Jesus fizesse o que o “demônio” queria, Ele não estaria trilhando o caminho correto. Ele estaria colocando Deus à prova. E a verdade é que devemos confiar e nos entregar a Deus.

Se Jesus saltasse do alto do templo e saísse vivo, com certeza Ele seria aclamado como um super-herói, alguém poderoso e teria inúmeros admiradores prontos para segui-lo. Jesus, porém, sabia que seu caminho era revelar que todo este poder é ilusão, sendo verdadeiro apenas aquilo que podemos levar para o “além da vida”, onde nossa vida dura um infinito. E nós só levamos para o além vida o que é importante para Deus: valores morais, atos de justiça e amor ao próximo, nosso crescimento interior, caridade, entre outros. Ou seja, Jesus veio revelar a realidade além da morte, que a vida continua e que lá só importa a realização da obra de Deus.

A resposta negativa de Jesus nos ensina a importância do estudo contínuo e profundo dos ensinamentos de Deus, a fim de conseguirmos (através do conhecimento) sairmos da cilada armada por aqueles que utilizam a própria palavra de Deus desfocada da vontade de Deus. Jesus se defende da tentação, pois conhece o verdadeiro núcleo da fé no evangelho.

Ao final, Mateus escreve que depois destas tentações o demônio foi embora para voltar em um momento mais oportuno. Nós também somos constantemente tentados, principalmente pelo nosso egoísmo, sede de poder, ambição, vaidade, inveja,55 etc. Ou seja, nós possuímos um “demônio” interior que tenta nos distanciar do caminho do bem, da verdade e da justiça. Por isto a importância do dito: “orai e vigiai”.

É prudente lembrar-se que Jesus teve inteligência ao dizer não. Mas nem sempre aconteceu assim. Alguns profetas, homens de religião e autoridades da Igreja resolveram lutar pelo poder ou por suas paixões, e até partiram para a guerra e assim se desviaram do caminho correto. Estes falaram e fizeram coisas corretas, mas também muita coisa incorreta. Por isto devemos ter discernimento e bom senso quando lemos coisas que eles escreveram ou analisamos seus exemplos de vida.

A linguagem de Deus quanto à verdade não é uma mensagem abstrata mas traz consigo um ensinamento concreto e bem claro. Jesus em suas palavras ensina que enquanto a mentira compromete, a verdade liberta.

Se vocês seguirem as minhas palavras vocês conhecerão a verdade e a verdade os libertará (Jo 8,34).

Em seu famoso cântico da fraternidade São Francisco de Assis cantou

Onde houver erro (mentira) que eu leve a verdade...

Por fim, a respeito do assunto verdade e mentira há uma frase de São João que é lapidar:

Quem diz que ama a Deus a quem não vê e deixa amar ao irmão

a quem vê, é um mentiroso (1Jo 4,20).