A CÉSAR QUEM É DE CÉSAR – 1ª parte

Jesus constituiu os cristãos suas testemunhas, não seus advogados.

E os comissionou a salvação das pessoas, não o julgamento destas.

“O que você acha de um professor homossexual?” – pergunta-me um colega professor e cristão (como eu).

“O mesmo de um hetero” – respondo

“Mas se ele for professor das séries iniciais?! Não vai influenciar seus alunos?” – continua.

“Sim”, respondo. “E se não fizer isso, será qualquer coisa, menos um professor”, concluo.

Como foi uma conversa ocasional, despedi-me com a seguinte observação: “Se eu tiver que me preocupar com a influência de qualquer professor sobre meu filho de seis anos de idade, o problema não está com nenhum dos dois, e sim comigo; afinal, eu tive seis anos de vantagem em relação ao professor”.

Sou cristão confesso e praticante e, apesar da confissão religiosa normalmente ser vista como um empecilho ao desenvolvimento acadêmico, no meu caso, posso afirmar que o efeito tem sido contrário e, por isso, nunca tive dificuldade – nem com professores nem com outros acadêmicos – de tornar pública e exercitar minha fé em qualquer lugar do território brasileiro por onde já passei.

Sinceramente, não consigo ao menos vislumbrar toda essa catástrofe que vários líderes religiosos e cristãos professantes alardeiam Brasil adentro por conta da ampliação dos direitos civis dos homossexuais e, como consequência, do comportamento destes. Ao contrário. Penso que se existe um tipo de pessoa sobre a qual as alterações constitucionais, sejam elas civis, militares, eleitorais, religiosas, etc. de qualquer país não exercem influência alguma, esse é o cristão.

Quando vejo esses estardalhaços por conta das mudanças no Registro de Nascimento, o conceito de família, casamento, etc., fico a me perguntar: “Como será que os cristãos brasileiros que hoje ficam em polvorosa com essas mudanças imaginam que eram as sociedades nos dias de Noé, de Ló e do próprio Cristo? E como será que eles [Noé e Ló, por ex.] mantiveram suas crenças e a integridade de suas famílias? Já existiam as bancadas evangélicas? Eles abandonaram as cidades onde moravam e foram habitar em cavernas pra fugirem às influências dos iníquos ou simplesmente decidiram seguir sua consciência e manter firmes suas convicções, deixando o resto com Deus?”

Que a população brasileira é absolutamente declarada cristã, é algo inconteste. Daí achar que porque o povo é cristão o Estado também tem que o ser é tão lógico e coerente quanto achar que alguém desdentado pode voar porque os pássaros também não têm dentes e voam; ou seja, um raciocínio completamente absurdo, incoerente e obtuso.

Pior e mais desmoralizante ainda (no sentido masculino do termo) é quando, em pleno debate sobre legislação ou em algum fórum ou parlamento, alguém levanta a voz para invocar Deus e/ou a Bíblia como referências pra se estabelecer esse ou aquele critério legal ou empregar esse o aquele conceito sobre determinados termos, assuntos ou instituições. Isso é risível. O guia, a referência, a base para o estabelecimento e funcionamento da sociedade brasileira é a Constituição Federal, e ponto.

Não vejo nada de errado naqueles que desejam viver em uma teocracia – eu também tenho esse sonho; tanto que prego e acredito no estabelecimento do Reino de Deus na Terra. Só não entendo porque tanta querela, tanta angústia e um verdadeiro terrorismo psicológico quanto ao suposto e iminente futuro apocalíptico (no sentido restrito e hollywoodiano) da nação por conta das tais mudanças. Entendo que seria menos angustiante, menos dispendioso e mais eficaz propor um plebiscito para que se decida qual será a Carta Magna do País: a Constituição Federal ou a Bíblia. Porque enquanto for a primeira, o máximo que se vai conseguir com essa enxurrada de argumentações vazias e baseadas, na maior parte das vezes, apenas no dogmatismo sectarista e vazio, é acirrar as agressões entre céticos e dogmatas e aumentar a intolerância e o fanatismo de ambos (ou de todos) os lados.

Não estou propondo o plebiscito. Estou dizendo, em outras palavras, que é perda de tempo – além de uma atitude vexatória – ficar invocando Deus ou a Bíblia pra defender posições religiosas quando o mérito da discussão são questões civis e o árbitro legal para dirimi-las é a Constituição. Por isso, proponho que, aqueles que querem normatizar a sociedade com base nas crenças cristãs, e não nas leis instituídas pelos próprios seres humanos que, para poupar fadiga, proponham logo a substituição da Constituição pela Bíblia...parem de perder tempo e de insuflar a intolerância e o preconceito entre nós. O Brasil já tem um histórico suficientemente vergonhoso nesses aspectos. Precisamos nos redimir; não começar um novo ciclo dessa insensatez que remonta a chamada era da barbárie primitiva.