A heresia do Monofisismo

A HERESIA DO MONOFISISMO

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

Em certas oportunidades se escutam pessoas, algumas até com razoável formação religiosa que, sem querer, cometem erros, ou até o que se poderia chamar de “heresias involuntárias” sobre Deus, Jesus Cristo e, principalmente contra a unidade da Santíssima Trindade. Em geral, as grandes heresias do início do cristianismo se referem a uma certa forma de desconhecimento da divindade dos três divinos. Algumas destas heresias se verificam até hoje.

Os primeiros séculos do cristianismo foram marcados por disputas teológicas sobre a divindade de Jesus e também da Santíssima Trindade, o que originou o surgimento de algumas heresias, como:

• arianismo: Ário († 386) foi um religioso que viveu no Egito que afirmou que Cristo e o Espírito Santo não são divinos como o Pai estabelecendo assim uma hierarquia, chamada subordinacionismo;

• modalismo: criado por Phótinos († 376), bispos de Smirna que negava a existência das três pessoas da Trindade, mas defendia o mesmo Deus sob três modos ou três “máscaras” (prósopon);

• sabelianismo: também chamado de monarquianismo de Sabélio († 385), negou a Trindade, estabelecendo relações de hierarquia em que Deus é apenas o Pai, detentor de toda a autoridade: monos (um) + arché (autoridade). Jesus é seu Filho, subordinado ao Pai, e o Espírito Santo não existe como pessoa, mas apenas é “a força ativa de Deus”. O Filho e o Espírito, nessa formulação seriam simples modos de manifestação da divindade e não pessoas distintas. Algumas seitas fundamentalistas modernas (entre elas “Testemunhas de Jeová”) postulam essa crença nos dias de hoje;

• triteísmo: heresia de Joaquim de Fiore († 1202) um monge cisterciense que afirmou que os Três são separados em três naturezas e três substâncias, como “três deuses” distintos. Sua heresia foi condenada pelo IV Concílio de Latrão (1215);

• monofisismo: mono (um) + physis )natureza)... uma só natureza. Teoria abraçada por Eutíquio († 460) um monge de Constantinopla (há quem fale Êutiques), que fundamentou a heresia do monofisismo. Eutiquio negava que Cristo, após a encarnação, tinha duas naturezas perfeitas, pois era impossível à natureza divina se encarnar em uma pessoa humana.

Essas controvérsias haveriam de arder por todo o século IV, envolvendo todas as camadas da população, desde o Imperador até os mais simples fiéis; a ingerência do poder imperial, que desde 313 era simpático ao Cristianismo, contribuiu para tornar difíceis e penosas essas discussões teológicas; elas assumiam, não raro, um caráter direta ou indiretamente político.

A problemática suscitou na Igreja os estudos de numerosos santos, teólogos e doutores, que, com seus talentos intelectuais e suas vidas, colaboraram decisivamente para a reta formulação da fé cristã. O período áureo da literatura cristã está precisamente ligado à época das disputas teológicas.

Embora a fé seja a melhor forma de apreender o mistério do divino, cabe ao teólogo que enfrenta as mesmas dificuldades dentro de sua limitada humanidade, e traduzir até onde for capaz para a assembleia, os ouvintes ou os leitores. Como disse em meu livro “A Santíssima Trindade, O mistério de três Pessoas e um só Deus” (Ed. Avemaria 2000 – 2ª. edição), não se aprende as coisas de Deus para saber mais, mas para amá-lo melhor e desenvolver mais nossa função profética.

As dúvidas acerca da Santíssima Trindade são até certo ponto normais, pois os mistérios de Deus são só parcialmente entendidos por nossa inteligência limitada. Resta-nos a fé, e é justamente por ela que se pode fazer a transposição, como uma ponte, entre o que não se compreende e o que se precisa saber para adorar a Deus.

O Concílio de Toledo (ano 400) expôs a distinção dos Três Divinos na interioridade trinitária elaborada a partir dos Concílios de Nicéia e Constantinopla: “...existe também o Espírito Paráclito que não é nem o Pai nem o Filho, senão procede

de ambos “ (DS 188.400).

As Igrejas Católica e Ortodoxa acusam as Igrejas não-calcedonianas (Igreja Apostólica Armênia, Igreja Ortodoxa Síria, Igreja Ortodoxa Copta, Igreja Ortodoxa Etíope e Igreja Ortodoxa Eritreia, entre outras) de serem monofisitas, devido ao fato de elas não aceitarem a doutrina das “duas naturezas”, decretada pelo Concílio de Calcedônia (451). Mas, estas mesmas Igrejas orientais recusam de serem classificadas como monofisitas e, em contrapartida, e também acham que o monofisismo é herético e defendem que em Jesus há a parte humana e a parte divina, mas que estas duas partes se unem para formar uma única Natureza de Cristo. O que dá no mesmo.

Recapitulando, o monofisismo é uma doutrina cristológica do século V e admitia em Jesus Cristo uma só natureza, a divina. Foi elaborada por Eutiques em reação ao Nestorianismo e foi considerada também uma heresia para os segmentos majoritários do cristianismo (os católicos e os ortodoxos). Esta doutrina era originária do Egito e estendeu-se progressivamente à Palestina e à Síria.

O monofisismo foi a negação da natureza humana de Cristo, afirmando somente a existência da natureza divina. Este pensamento era totalmente inverso ao que era postulado pelos cristãos do Ocidente. A Iconoclastia, outro exemplo das características próprias do cristianismo bizantino, era contra a adoração de imagens de santos por pensarem ser esta uma prática de heresia. Essas divergências religiosas dos cristãos da Igreja do Oriente perante os cristãos da Igreja do Ocidente foram consolidadas a partir do Cisma do Oriente em 1054.

O autor é Filósofo, Escritor e Doutor em Teologia Moral.