Abdias, um profeta do tempo do Exílio

ABDIAS

Um profeta do tempo do exílio

Abadias (também aparece em algumas traduções mais antigas como Obadias) foi, provavelmente, um profeta cúltico que permaneceu em Jerusalém após a deportação de 586 a.C., profetizando, em vários pequenos oráculos contra a vizinha nação de Edom. Trata-se do menor livro profético da Bíblia. Abdias, ou Abad-yah quer dizer “Servo de Javé”. Seu trabalho profético fica centrado no ano 580 a.C., em pleno período do exílio, e é uma crítica contra a falta de solidariedade..

Para entrarmos no assunto enfocado pelo profeta, talvez caiba a questão: quem é, ou, o que é Edom? A palavra ’edõm, no hebraico, quer dizer ruivo. Era o apelido de Esaú, ancestral dos edomitas, uma tribo semita que ocupava a região ao sul do mar Morto, dos dois lados do vale da Arabá, até o Golfo de Ácaba, Jordânia.

Como sabemos, historicamente houve uma ruptura entre os irmãos Esaú e Jacó, uma vez que, premido pela fome, o primeiro “vendeu” ao segundo, em troca de um prato de lentilhas vermelhas, sua condição de primogênito (cf. Gn 25, 19-34). Por esta razão, os exegetas questionam se Esaú recebeu o apelido de ’edõm, por ser ruivo ou por perder a primogenitura por causa de um prato de comida vermelha.

Por conta disto, Edom (a tribo de Esaú) sempre foi inimigo de Israel (Jacó). Ezequiel chega a falar em “um ódio eterno” (35, 5). Os edomitas se orgulhavam da cultura de seus sábios e da coragem de seus guerreiros. O profeta mostra que a sabedoria, em muitos casos pode ser tornar insensatez e a valentia se converte em covardia.

Quando o povo hebreu veio do Egito, na direção da terra prometida, foi proibido pelo rei de Edom de cruzar suas terras. Para evitar uma luta, Moisés teve que descobrir um caminho alternativo (cf. Nm 20, 14-21). Seis séculos depois do êxodo, o ódio ainda perdurava. Como a parte sul de Israel, no caso o reino de Judá estivesse destroçada pela invasão dos caldeus de Nabucodonosor, os edomitas, prevalecendo-se dessa fraqueza, atacaram impiedosamente a cidade de Jerusalém, provocando os oráculos de Abdias.

Eis que vou tornar-te a menor entre as nações, tu serás profundamente desprezada! A arrogância de teu coração te enganou (vv. 2-3 a).

O valor teológico do livro repousa na necessidade da solidariedade dos fracos (Israel-Judá e Edom) diante do opressor (Babilônia). Edom, teoricamente um país-irmão, ao invés de auxiliar Judá, aliou-se ao opressor babilônico, e isso lhe trará ruína. O profeta busca mostrar, em seu texto, que a valentia se converte em covardia, e a sabedoria em insensatez, quando aliadas a um opressor contra alguém mais fraco. Por hostilizar seu povo, o Senhor se volta contra Edom, ameaçando-o com castigos piores que a deportação infligida a Judá.

Não é verdade? Naquele dia – oráculo do Senhor –aniquilarei os sábios de Edom e a inteligência da montanha de Esaú. Teus guerreiros se acovardarão, Temã, de modo que será exterminado todo homem da montanha de Esaú. Por causa do morticínio, por causa da violência contra teu irmão Jacó, a vergonha te cobrirá e serás exterminado para sempre! (8-10)

Temã é um sinônimo geográfico. Trata-se do outro nome da região onde moravam os edomitas. Os sábios de Edom, referidos na profecia de Abdias, eram muito famosos na Palestina por sua sabedoria (cf. Jr 49, 7).

O assunto principal do livro de Abdias é a sua reação diante do crime e oportunismo de Edom para com Judá, seu irmão. Os crimes descritos por Abdias podem ser situados em dois períodos entre 850 a.C e 400 a.C:

• Os filisteus e árabes invadem Jerusalém por volta de 844 a.C. no reinado de Jorão: 2Rs 8,16-20 e 2Cr 21,16-17

• Os babilônios sitiam, invadem e destroem Jerusalém em 587 a.C. 2Rs 25,1-12 e Ez 25,1-3

A segunda opção parece ser mais plausível do ponto de vista do verso 11. Portanto, as profecias de julgamento contra Jerusalém se cumpriram. A Babilônia invadira a terra, levara cativo o rei, devastara o templo, levando milhares de hebreus para o exílio. Embora o castigo de Judá fosse merecido, as nações ao redor, especialmente Edom, aproveitaram-se da fragilidade momentânea de Judá para promover saques e o massacre étnico contra os seus habitantes. Outras características que reforçam a datação pós-exílica são os paralelos que Abdias faz com Jeremias 49.7-22 citando uma tradição mais primitiva e o termo exilados no verso 20 referindo-se aos israelitas.

A gravidade destes oráculos contra Edom reside no parentesco entre Edom e Israel, que foram respectivamente os patriarcas Esaú e Jacó, filhos de Isaque e Rebeca (Gn 25,23-26). A nação de Edom vivia nas montanhas e tinha uma organização social estruturada desde a época dos patriarcas (Gn 36,1-30) e adotou o governo monárquico antes do Êxodo dos hebreus do Egito. Nesta época os edomitas negaram a passagem dos israelitas pelo leste mostrando seu potencial militar (Nm 20,14-21; 21,4). O tema clássico da vingança de Deus (“o Dia de Javé”) aqui é aplicado, numa segunda parte do livro, contra Edom, que receberá a paga de seus atos de agressão a um Judá aniquilado pelo invasor. Como na maioria dos livros proféticos, encontra-se a dialética do castigo e da reconstituição. Primeiro ocorre a “vingança de Javé” contra os inimigos do povo, e posteriormente a restauração de Judá.

No dia em que estavas presente, no dia em que estrangeiros capturavam o seu exército, inimigos entravam pela porta e lançavam sorte sobre Jerusalém, tu também eras um deles! Não te deleites com o dia de teu irmão, no dia de sua desgraça! Não te alegres às custas dos habitantes de Judá, no dia de sua ruína! Não sejas insolente, no dia da angústia! Não entres pela porta de meu povo, no dia de sua desgraça! Não te deleites, também tu, com a sua calamidade, no dia de seu infortúnio! Não lances a mão em sua riqueza, no dia de seu infortúnio! Não te coloques nas saídas para exterminar os sobreviventes! Não entregues os fugitivos, no dia da angústia! (11-14)

Fiel ao estilo daquele tempo, o oráculo do profeta acena com um “olho-por-olho” (cf. Ex 21, 5), fazendo ver que o dia da calamidade de Jerusalém também será o dia do infortúnio contra Edom. O trecho compreendido entre os versículos 11 e 14, retrata a denúncia de uma traição contra Judá. A sentença, pela violação de laços de sangue, está contida na utilização por oito vezes (grifado) da palavra não, a guisa de proibição e libelo acusatório. Edom seria atacado mais tarde, perdendo a autonomia de seus territórios.

Porque está próximo o dia do Senhor para todos os povos! Como fizeste, assim te será feito: teus atos recairão sobre tua cabeça! Porque assim como bebestes em minha montanha santa, assim beberão todos os povos, sem cessar; eles beberão e sorverão e serão como se não fossem! (15-16).

Na contrapartida, as expectativas de restauração e santificação de Sião (Jerusalém), mesmo não se confirmando posteriormente, são auspiciosas. Há, igualmente, no texto de Abdias como que um desejo expansionista, uma esperança de, passada a tormenta, Israel volte a adquirir seu antigo território, balizado pelo deserto de Neguev ao sul, pela Filistéia a oeste, Samaria ao centro e Sarepta, no noroeste, região da Fenícia.

Mas no monte Sião haverá salvação, – ele será santo! – A casa de Jacó desapropriará aqueles que os desapropriaram. Então a casa de Jacó será um fogo, e a casa de José uma labareda, mas a casa de Esaú será uma palha! Eles a incendiarão e a devorarão e não haverá sobrevivente da casa de Esaú, porque o Senhor falou! Ocuparão o Negueb, o monte de Esaú, a Sefela, a Filistéia; ocuparão o campo de Efraim, o campo da Samaria, Benjamim e Galaad. Os exilados, este exército de israelitas, ocuparão o país de Canaã até Sarepta, e os exilados de Jerusalém, que estão em Sefarad, ocuparão as cidades do Neguev. E os libertadores subirão a montanha de Sião para julgar a montanha de Esaú. Então o reino pertencerá ao Senhor (17-21).

O livro de Abdias, como deu para notar, tem só um capítulo, com 21 versículos, e seu esquema de estudo é simples, porém historicamente interessante.

1. Abertura e tema (v. 1)

2. Predição da ruína de Edom (2-10)

3. O pecado de Esaú contra Jacó (11-14)

4. O dia de Javé (15-21).

Como aplicação prática, vemos que Deus vai agir em nosso favor se permanecermos fiéis a Ele. Ao contrário de Edom, devemos estar dispostos a ajudar outras pessoas em momentos de necessidade. Orgulho é pecado. Devemos nos orgulhar apenas em Deus e em seu Cristo e no que Ele fez por nós... e em nada mais.