A festa do Corpo de Deus (Carta 185)

A FESTA DO CORPO DE DEUS

(Corpus Christi)

Um padre, de Porto Alegre, pede subsídios para a pregação na

festa de Corpus Christi.

Caro amigo,

“Sacrossanto maná dos altares, corpo e sangue do meu Redentor,

reverente minha alma te adora, e eu te adoro Mistério de Amor”.

A vida do ser humano é cheia de situações e alternativas que nos fazem pensar e refletir sobre nossa fraqueza, a fé, o serviço e a graça de Deus. É inegável o fato de que Deus sempre tem um projeto para que a pessoa seja feliz, assim como a constatação de que Jesus está sempre de braços abertos, pronto para conduzir, aqueles que desejarem, à casa do Pai. Jesus afirma, em mais de uma passagem de seu evangelho que, aquele que o ama será amado pelo Pai, e os dois virão (sob as luzes do Espírito) e farão morada no coração de quem demonstra essa fidelidade e esse amor ao Deus Uno e Trino.

Nós, muitas vezes, em algum momento da nossa vida, ficamos acabrunhados, decepcionados ou deprimidos porque deixamos de enxergar a estrada, larga, iluminada e florida que Deus coloca à nossa disposição. A essa oferta divina costumamos chamar de graça. Deus sempre está disposto a nos dar a sua graça que – como o nome diz – é uma oferta amorosa e gratuita. A verdade – e essa percepção às vezes nos escapa – é que Deus, em seu magnífico plano de salvação, sempre tem graças e dons a nos oferecer.

Se às vezes não os temos, é porque estamos com a visão obliterada, o coração cheio de outros valores, ou porque, simplesmente, esquecemos de clamar, de pedir ao Senhor. Desde a Antiguidade, vemos o salmista e os profetas afirmarem que, na hora da aflição clamei ao Senhor e ele me livrou (Sl 34,7).

Ao cristão que ama a Deus, que nunca rejeita sua presença nem usa indevidamente seu Santo Nome, aquele de lê os evangelhos e se apressa a colocar seus ensinamentos em prática, através de uma caridade discernida e efetiva, esse nunca será decepcionado. Igualmente, aquele que reconhece e adora a presença de Jesus no mistério do Sacramento da Eucaristia, esse nunca terá sua esperança defraudada. São inúmeros, no decorrer da história do cristianismo, os exemplos e sinais realizados pela graça de Deus em favor de quem tem fé. Há narrativas, embora muitas delas repetidas, nesse sentido, no mundo inteiro.

Anualmente, os católicos do mundo inteiro comemoram, sempre numa quinta-feira, data da instituição da Eucaristia, a Festa do Corpo e do Sangue de Jesus Cristo, também chamada de Corpus Christi. Como ocorrerá na próxima quinta-feira, dia 26 de maio. A Igreja celebra desde o século XIII essa festa, como participação popular no mistério daquilo que os santos, os Pais da Igreja e os teólogos chamaram de “sol dos sacramentos”. Vamos à história:

No ano de 1246, Santa Juliana, de Cornillon-Mont, França, iniciou em sua comunidade de religiosas, em Liége, uma celebração em homenagem ao Corpo de Deus, presença viva e real no sacramento da Eucaristia. Mais tarde, no ano de 1264, o Papa Urbano IV estendeu a toda a Igreja a festa comemorativa ao Corpus Christi, com celebração especial e procissão festiva. Para tanto, a autoridade eclesiástica incumbiu Santo Tomás de Aquino de organizar a liturgia da festa. Nessa ocasião ele compôs o Tantum Ergo Sacramentum (Tão divino sinal). Com instruções específicas, próprias das culturas medievais, a festa deveria ser celebrada com respeito, louvor e adoração ao mistério divino. Depois do Concílio Vaticano II (1965), a Igreja celebra Corpus Christi como festa do “Corpo e sangue de Cristo”, numa clara alusão ao inestimável dom da Eucaristia.

Desde o século XV, a procissão do Corpo de Deus ao passar pelas ruas da cidade devia fazer uma parada em quatro altares montados pelo povo, em que o ostensório, onde era levado o Santíssimo Sacramento, era incensado. Em cada um desses locais era dada uma bênção. Os quatro altares colocados em esquinas ao longo do caminho, eram voltados para os quatro pontos cardeais, simbolizando a universalidade da Igreja e sua missão de testemunhar Cristo “até os confins da terra”.

A Eucaristia, como “sacramento do amor” e memorial da Páscoa de Cristo, retrata para os católicos o mistério da salvação, realizado pela Vida, Morte e Ressurreição de Cristo que associa sua Igreja viva ao seu sacrifício na cruz ao seu Pai. Por esse sacrifício ele derrama as graças da salvação sobre seu corpo, que é a Igreja. A Eucaristia é a síntese das realidades divinas e humanas, e como tal deve ser adorada e anunciada. Nela Cristo está presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. O costume de acompanhar a procissão do Corpo de Deus é uma devoção universal, pois na Eucaristia está o ponto alto da fé cristã e católica.

Na expectativa de Festa do Corpo de Deus eu me lembrei de uma história interessante, revelando que Deus nunca rejeita a quem o ama.

Um bispo de uma pequena Diocese do interior nordestino dirigiu-se a um endereço, onde havia uma pessoa agonizando. Quando o sacerdote chegou ao local, constatou tratar-se de uma casa de prostituição. Com coragem de um ministro de Deus, resolutamente entrou na casa, disposto a atender o doente. Era uma das mulheres da casa, pessoa de meia-idade, abatida pelas agruras da vida. O homem entrou no quarto, onde a enferma estava deitada, e começou a conversar com ela, que se alegrou, contou sua vida e manifestou arrependimento por suas atitudes do passado.

Envergonhada, ela disse que fora à igreja duas ou três vezes, que acreditava em Deus, venerava Nossa Senhora e, mesmo sem frequentar o templo, tinha adoração pelo “Corpo de Deus”, o sagrado Sacramento da Eucaristia, que ela admirava à distância, nas procissões e nas Missas. Ela manifestou fé, e exprimiu o desejo de fazer sua “Primeira Comunhão”.

Na saída, perguntou ao sacerdote: “Quando vou receber o ‘Corpo de Deus’?”. Ele pensou e disse: “Terça-Feira eu volto aqui para conversarmos sobre o assunto”. No dia marcado, o religioso chegou cedo e encontrou a mulher com dificuldade para respirar, mesmo assim falou-lhe sobre a Eucaristia, e os compromissos de quem recebe o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo. Na saída, notando que o caso era terminal, o bispo prometeu à enferma que voltaria alguns dias depois, e que ela iria receber o “Corpo de Cristo”.

Na Quinta-Feira, por vários compromissos, ele só conseguiu visitar a doente ao final da tarde. Quando chegou a casa sentiu que alguma coisa estava diferente. Ao entrar no quarto, a imagem do colchão dobrado em dois, sobre a cama vazia, atestou de forma eloquente que a pobre mulher havia morrido. As pessoas informaram-lhe que ela havia morrido na madrugada e fora enterrada na tarde daquele mesmo dia. Uma mulher disse ao religioso: “Ela morreu em meus braços, falando no ‘Santíssimo Sacramento do Corpo de Deus’, e sobre seu desejo de receber a comunhão”. Ao unir os fatos, o bispo (já era idoso e “emérito” quando nos contou a história) sentiu um arrepio: de fato, a mulher havia concretizado, através do desejo, a sua “comunhão”. Ela, que afirmou adorar o “Corpo de Deus”, fora chamada por Ele em um dia muito especial. Não era uma Quinta-Feira qualquer, mas o dia de “Corpus Christi”, a festa do Corpo e do Sangue de Cristo.

Deus nunca nega seu amor, sua graça e sua comunhão àqueles que creem. Ninguém que tenha fé fica excluído da graça. Ao Cristo presente no mistério da Eucaristia toda honra, glória e adoração.

Sempre ao seu dispor, meu abraço fraterno.