NAS MÃOS DE DEUS

Sou o último neto do meu avô que faleceu aos 92 anos quando eu tinha 5. Minhas tias já eram todas mais velhas e tiveram forte influencia na minha formação e educação com sua cultura, crendices e costumes. Algumas expressões carrego até hoje comigo. Certo dia me recordava de uma da Tia Marta, hoje com quase 95 anos. Quando menino perguntei-a sobre determinado acontecimento da família que eu afirmava não lembrar e ela sentenciou: _ Mas é claro que você não lembra. Nessa época você ainda estava nas “mãos de Deus” , ou seja eu ainda não havia nascido.

Expressão simples, mas cheia de significado, beleza, profundidade e poesia. Estar nas mãos de Deus para Tia Marta era estar ainda nos planos Dele. Minha existência ainda era uma vontade de Deus não realizada. Tia Marta é analfabeta, mas é cheia de sabedoria. E melhor que muitos “filósofos”, sabia que nesse tempo eu ainda não era pessoa humana, filho de Deus dotado de razão e sensibilidade. Mas tinha certeza que se eu estava nas mãos de Deus era porque estava predestinado a nascer a partir do amor Dele que iria se manifestar na comunhão de amor de dois de seus filhos, meu pai e minha mãe. E na expressão de minha Tia estava incutido a certeza de que antes de existirmos já éramos amados pelo Criador com seu plano para nós, um plano de amor.

Pura verdade, não estamos neste mundo por casualidade. Houve uma vontade maior que desejou por primeiro. Nossos pais foram apenas instrumentos de Deus que embalados pelo amor e o desejo por Ele incutido, nos geraram. De Deus viemos e por ele vivemos. Nossa essência é espiritual. Somos um espírito sedento, quando nos afastamos de Deus o centro, ficamos mancos, claudicantes. Somos constituídos de corpo e alma (espírito). Nosso corpo é esta matéria pela qual existimos neste mundo, somos e percebemos e que exige cuidados para não adoecer e nem morrer prematuramente. Da mesma forma somos espíritos, alma que também necessita de cuidados. Pela alma sentimos, percebemos as coisas, nos encantamos, poetizamos e damos sentido à vida.

Cuidar da alma é dentre outras coisas cuidar da espiritualidade conectando-se com Deus seja através da oração, meditação, contemplação e vivencia de valores. A espiritualidade deve nos levar a conexão com o Divino que é uma necessidade humana. E esta busca de Deus deve nos levar a uma vivência que traga harmonia interna e externa, paz. Geralmente as pessoas buscam a espiritualidade para um conforto emocional egoístico, destituído de compromisso o que vem a ser uma espiritualidade morna, rala, sem consistência, e que diante das dificuldades da vida perece ou peregrina em busca de novas experiências.

Vivemos tempos de superficialidade. Valores como honestidade, transparência, comprometimento estão em desuso. Fala-se muito em Deus, em religiosidade, mas num nível individualista e com uma teologia da prosperidade destituída de comprometimento, engajamento por um mundo mais humano e coletivo. Sem contar no medo que mais atrai as pessoas para as religiões do que o amor.

A verdadeira espiritualidade deve gerar compromisso, fortalecer nossas crenças, permear nossas atitudes e comportamentos. Levar-nos a honestidade nas pequenas coisas, evitar as pequenas corrupções como trafegar pelo acostamento, vender o voto, calar-se diante de um troco errado, oferecer propina ao guarda, falsificar atestado médico, etc.

A espiritualidade deve nos fazer mais pacientes, compassivos, respeitosos, responsáveis e solidários. Que possamos fazer da espiritualidade o fio condutor de nossa passagem por esta vida produzindo frutos de alegria, gratidão e amor em tudo que fazemos.

Gleisson Melo
Enviado por Gleisson Melo em 16/03/2017
Código do texto: T5942735
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