Padres que não falam no demônio

PADRES QUE NÃO FALAM NO DEMÔNIO
Miguel Carqueija


Certa vez (não foi a única) saí da missa com um grande sentimento de frustração, de logro com a minha religião. As leituras do dia falavam na ação do demônio: a tentação de Adão e Eva (Gênesis 3) e as três tentações de Cristo no deserto (narradas nos três Evangelhos Sinópticos: Mateus, Marcos e Lucas). O pároco, habilmente, contornou toda e qualquer referência ao diabo.
No caso do Gênesis apenas disse que o mal era ali simbolizado pela serpente, omitindo que a serpente (como aliás é explicado no Apocalipse de São João Evangelista): simboliza o demônio: “Foi então precipitado o grande dragão, a primitiva serpente, chamado demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro” (Ap. 12,9).
Eu até achei que chegando ao texto evangélico ele não teria jeito, mas estava enganado: o padre limitou-se a falar em “tentação”. Teve a capacidade de se referir à passagem evangélica como “misteriosa”. Ao tentar explicar como Jesus, sendo Deus, pôde sofrer tentações, alegou que Cristo além de Deus era homem também, e que a tentação era de sua natureza humana. E daí passou simplesmente a discorrer sobre as tentações que distraem nossa vida diária, até a internet e as redes sociais! O que tudo isso dá a entender é que as tentações são apenas produto da nossa mente e pior, que no caso narrado na leitura da Bíblia a culpa foi do próprio Jesus!
Padres assim não chegam ao ponto de negar que Jesus Cristo é Deus e que ressuscitou dos mortos, mas abre-se uma porta que leva a isso. Ora, é preciso entender que as três tentações de Lúcifer foram apresentadas a Jesus, mas Ele as repeliu NA ÍNTEGRA.
Existem na verdade muitos demônios, milhões talvez. São apenas anjos caídos, ou seja anjos que se afastaram de Deus e sua lei. Porém existe um líder, conhecido como Lúcifer, palavra que claramente indica ser ele, na origem, um anjo de luz. Pelo pouco que sabemos também os anjos passaram por alguma prova e Lúcifer, por ter deixado crescer em si o orgulho, não quis servir ao Criador nem aceitar a sua obra; e seduziu a muitos espíritos angélicos que o seguiram. Ora, é doutrina de Fé que existem anjos e que existem anjos caídos, que hoje chamamos demônios, diabos ou capetas. Certa vez reclamei com outro padre por causa disso, que ao falar no “espírito mau” citado em alguma passagem bíblica ele tergiversara, falando coisas tipo “espírito mau do egoísmo” e assim por diante. Ou seja, abstraem a figura do demônio... e ele alegou que não era dogma de fé a existência pessoal dos anjos maus...
Comentei isso com o saudoso e inteligente Dom Ireneu Pena, que não escondeu sua indignação diante de tais aberrações doutrinais: então o “espírito de porco” estava no próprio Cristo?
Por certo, não aprovo o exagero de certos pastores protestantes que parece gostam mais de falar no diabo que em Deus. Mas também não podemos simplesmente ignorar a existência dos tentadores espirituais, referidos por São Paulo e por outros textos inequívocos da Bíblia. Pois, quem não crê na existência dos demônios também não se defende deles.

Rio de Janeiro, 8 de maio de 2017.


(imagem da Igreja Católica: o combate de São Miguel Arcanjo com Satanás)

Um adendo a este texto (19.32 de 8/5/2017): acabei de assistir o noticiário da Canção Nova, que passa diariamente no canal 44 de tv aberta, às 18.45. Foi mostrada uma alocução do Papa Francisco, na qual ele se referiu ao diabo. Ora bem: se o próprio Papa se refere ao diabo, como é que alguns padres (alguns, é claro, uma minoria) fazem verdadeiros malabarismos verbais para explicar a Escritura sem se referirem ao demônio como ser pessoal e real? Esta atitude é um desserviço desses padres à religião católica.