O SAGRADO SEGUNDO RUDOLF OTTO

O SAGRADO SEGUNDO RUDOLF OTTO

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

Filósofo, Escritor e Doutor em Teologia Moral

Uma religiosa da Bahia pergunta sobre a “teoria do sagrado”, de

Rudolf Otto e do significado do verbete “numinoso”.

O teólogo alemão, luterano, Rudolf Otto († 1937) foi um orientalista e pesquisador das religiões do mundo. Para ele, Deus, alma e liberdade são três premissas a priori do fundamento racional da religião. A chamada “psicologia da religião” deve muito de sua expansão às pesquisas de Otto. Sua obra Das Heilige (o Sagrado) é antológica, onde ele aborda o sagrado sobre três ângulos:

a) o divino ou  numinoso, descoberto pelo ser humano através

de quatro etapas (sentimento de criatura, terror místico,

mistério do absoluto e arroubo místico);

b) o santo, ou o valor do numinoso;

c) uma disposição da mente, com capacidade de apreender o

numinoso, e assim, reconhecer uma revelação interior.

Embora se leia em algumas obras, teses e monografias, que a expressão numinoso teria sido cunhada por Otto, é prudente observar que Santo Antônio de Pádua, na Idade Média já fazia menção dela, em seus sermões, no século XIII. A palavra deriva do latim, onde, para os clássicos (Cícero, Vergílio, Horácio e Lucrécio) numen quer dizer divindade, poder, majestade divina.

Para Otto, o sagrado é a busca de toda a vida do homem, que é colocado em uma categoria complexa, constituída de dois elementos: o não-racional (numinoso) e o racional (gerador de predicados). Para o teólogo, abraçando as teorias de I. Kant († 1804), Deus não pode ser objeto da razão pura. Nas religiões, encontramos a idéia do sagrado, do santo, e nelas o sagrado surge como uma idéia, carregado de noções racionais. O numen, desta forma, é o objeto próprio da idéia do sagrado. Este não pode ser apreendido em conceitos racionais, mas pelo sentimento numinoso, que é um estado afetivo da alma, aberta à relação com o sagrado.

No meio de uma quantidade de atos estranhos e de formas fantasiosas de meditação, o homem religioso busca dominar a realidade misteriosa, a penetrá-la e a identificá-la, identificando-se com ela .

Por causa dessa identificação, atribui-se um papel psicológico à religião, capaz de influenciar e até mudar comportamentos. Isto leva, nos dias de hoje, muitos pesquisadores a estabelecer percepções a partir do psicológico, e não só do ponto de vista religioso, como se fez até o começo do século XX. Carl Gustav Jung († 1961) identificou, desde cedo, a importância da religião no trato com seus pacientes:

Entre todos os meus doentes, na segunda metade da vida, isto é, tendo mais de trinta e cinco anos, não houve um só cujo problema mais profundo não fosse constituído pela questão de sua atitude religiosa. Todos, em última instância, estavam doentes por haverem perdido aquilo que uma religião viva sempre deu em todos os tempos a seus adeptos, e nenhum se curou de fato sem realmente, em paralelo, recobrar a atitude religiosa que lhe fosse própria .

Jung considerava todas as religiões válidas, visto que todas recolhem e conservam imagens simbólicas advindas do inconsciente, elaborando-as em seus dogmas e, assim, realizando conexões com as estruturas básicas da vida psíquica. As igrejas são símbolos que capacitam o homem a estabelecer uma posição espiritual que se contrapõe à natureza instintiva original, uma atitude cultural em face da mera instintividade. O símbolo religioso tem valor evocativo, mágico ou místico, convertendo-se naquilo que, por analogia, representa ou substitui outras coisas. Desde o symbolon grego, a expressão símbolo significa juntar duas realidades, uma pensada e outra existente.

Símbolo é, portanto uma representação que faz aparecer um sentido secreto. Ele é a epifania (manifestação) de um mistério .

Na liturgia, por exemplo, lidamos com o sentido antropológico do símbolo, visto como um sinal visível que traz presente uma realidade invisível, como o apreço, o cuidado, o amor. Nesse particular, o pensamento simbólico é mais amplo, ultrapassa o pensamento racional e o complementa. Assim, símbolos são

...sinais sensíveis que nos permitem entrar em contato com uma realidade que não está ao alcance dos sentidos, mas que precisam da realidade sensível para se manifestarem ao humano em busca de um sentido da vida, em busca do mistério .

No contexto religioso, surge o mistério, em cuja profundidade a inteligência humana não pode penetrar integralmente. Por essa impenetrabilidade, o mistério traz consigo uma carga de atração. A capacidade de manifestar o mistério de Deus e de nos colocar em relação com ele, é própria dos símbolos e da intenção simbólica. Assim – diz Otto – além de surpreendente, o mistério torna-se maravilhoso.

À medida que cresce o mistério, aumenta o desejo humano em conhecer o sobrenatural, e o crescimento nessa intensidade pode chegar ao delírio. É o elemento dionisíaco da religião, que Otto chama de fascinante. Deste modo, a felicidade religiosa não se esgota em elementos naturais elevados a graus de perfeição, uma vez que tal experiência inclui, conforme o pensamento de Otto a respeito do sagrado, elementos profundamente não-racionais, que não podem ser cobertos pelo intelecto.

Nas suas origens o elemento fascinante aparece mais em formas magicas de apropriação do numen, com o fim de alcançar objetivos naturais. Com a maturação da experiência religiosa desaparece a busca do profano. Nas formas nobres do misticismo há uma busca do mistério que produz uma beatitude rara que não pode ser expressa e compreendida, mas que permite uma experiência de vida. É a experiência do elemento fascinante, que pode maravilhar e embriagar .

Na teologia de Otto o terreno religioso é um campo da experiência humana que apresenta algo próprio, que aparece só nele: a religião não se esgota em seus enunciados racionais. Ela também é composta pelo enunciado irracional, isto é, pelo indizível, que foge totalmente à apreensão conceitual, uma vez que nenhum conceito esgota a idéia de divindade. O termo sagrado (heilig) sempre esteve ligado a atributo moral no campo religioso. Porém, Otto esclarece que em línguas antigas esse termo significava algo mais e que outros significados são reinterpretações racionalistas do termo.

Em relação à obra O sagrado, Otto pretendeu acima de tudo descrever e analisar como as pessoas reagem diante do sagrado. Abandona enfoques tradicionais que até então relatavam testemunhos da história da religião e apresenta um novo enfoque que transfere da teologia para a religião todas as indagações acerca das experiências e vivências humanas do sagrado como constitutivas do fundamento da religião.

Rudolf Otto nasceu em 25 de setembro de 1869, em Peine, Alemanha. Era pastor, filósofo e teólogo. Na década de 1880, concluiu o segundo grau, em Hildesheim, e iniciou seus estudos teológicos, em Erlangen. Em 1891, continuou seus estudos em Göttingen, período em que foi profundamente marcado por Theodor von Haering, professor de Teologia Sistemática.

Em 1898, Otto concluiu seu doutorado com uma tese sobre As concepções do Espírito Santo em Lutero. Em 1899, tornou-se Livre Docente em Teologia Sistemática. Em 1904, foi nomeado professor extraordinarius na Universidade de Göttingen. Nesse mesmo ano, foi publicada a sua obra Naturalistische und religiöse Weltansicht [As visões naturalista e religiosa do mundo]. Em 1915, Otto assume a cátedra de Teologia Sistemática em Breslau/Wroclav. Em 1917, época em que a Primeira Guerra Mundial aproximava de seu fim na Europa, sucedeu o teólogo sistemático Wilhelm Hermann, em Marburg. Nesse mesmo ano, em Breslau/Wroclav, era publicado o clássico da literatura teológica e da filosofia da religião O Sagrado: aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional, obra que dedicou a Theodor von Haering e que se tornou um best-seller que o fez mundialmente famoso. Essa publicação levou Marburg à fama de Meca das Ciências da Religião.

A relevância do estudo das teorias clássicas no âmbito da fenomenologia da religião ocorre devido à necessidade de discussões de licenciamento sobre o tema e metodologia de estudos religiosos em geral e componentes em particular. No contexto de um erro entre os especialistas em religião e filósofos sobre as posições fundamentais, a ciência da religião deve aplicar as teorias em que se baseia a ciência, a partir do qual ela cresce. Assim, não só deve prestar atenção o conteúdo dessas teorias, mas também em seu contexto cultural, fontes e relacionamentos. Esta abordagem irá maximizar excertos de teorias clássicas, o que, naturalmente, é o conceito de Otto, um material útil para o trabalho nas condições atuais, separando elementos associados a personalidades, filiação religiosa ou períodos de vida e de outros autores escapistas em direção aos mais diversos fatores da teologia.