SENHOR TU ME CONHECES...

UM DEUS QUE ME CONHECE

Nós sempre nos surpreendemos com o conhecimento que Deus tem a respeito da nossa vida. Em cada momento da nossa existência constatamos o Senhor cuidando de nós, se antecipando aos perigos que nos ameaçam e prevendo as coisas que vamos fazer e que vão nos acontecer. O salmo 139 é uma meditação sobre a onisciência de Deus, em forma de reflexão litúrgica e teológica, amadurecida na vivência da fé, e desenvolvida com pensamentos profundos e intuições poéticas. Deus que conhece os segredos do homem está presente em toda a parte, e é inútil querer esconder-se dele ou fugir de sua presença.

A Bíblia ensina que o mundo está cheio do conhecimento de Deus, e por conta disto descobrimos a sua providência atuando em nosso favor, pelo amor de Jesus Cristo e pelas luzes do Espírito Santo. Nesse contexto aparecem os fatores teológicos da Divindade: a Onisciência e a Onipresença, tudo ordenado a partir da Onipotência.

1 Javé, tu me conheces e me sondas. 2 Tu me enxergas quando estou sentado e quando estou em pé, de longe penetras o meu pensamento. 3 Vês claramente o meu andar e o meu deitar, meus caminhos todos são familiares a ti. 4 A palavra ainda não me chegou à boca e tu, Javé, a conheces inteira.

5 Tu me envolves por detrás e pela frente, e sobre mim colocas a tua mão. 6 É um saber maravilhoso que me ultrapassa, é alto demais: não posso atingi-lo! 7 Para onde irei, longe do teu sopro? Para onde fugirei, longe da tua presença? 8 Se subo ao céu, tu aí estás. Se me deito no abismo, aí te encontro. 9 Se levanto voo para as margens da aurora, se emigro para os confins do mar, 10 aí me alcançará tua esquerda, e tua direita me sustentará.

11 Se eu digo: "Ao menos as trevas me cubram, e a luz se transforme em noite ao meu redor", 12 mesmo as trevas não são trevas para ti, e a noite é clara como o dia. 13 Sim! Pois tu formaste meus rins, tu me teceste no seio materno.

14 Eu te agradeço por tão grande prodígio, e me maravilho com as tuas maravilhas! Conhecias até o fundo de minha alma, 15 e meus ossos não te eram escondidos. Quando eu era formado, em segredo, tecido na terra mais profunda, 16 teus olhos viam as minhas ações, e eram todas escritas no teu livro. Os meus dias já estavam calculados, antes mesmo que chegasse o primeiro.

No texto, o salmista destaca que Deus é Onisciente. Ele sabe todas as coisas, desde as mais simples como se assentar, andar, deitar e levantar, até as mais difíceis como os pensamentos e as palavras antes que sejam ditas. Deus nos conhece profundamente. Ele nos sonda e conhece. A sonda era uma espécie de corda com um peso na ponta que era usada para sondar a profundidade de um rio, lago ou mar. Deste modo o salmista compara conosco dizendo que Deus sabe o que há no mais profundo de nosso ser. O Senhor sabe todas as coisas sobre nós, até o que ninguém, nem mesmo nós sabemos, Deus sabe.

Deus olha para você (Sl 33,18s).

Deus também é Onipresente. Ele está em todos os lugares. O salmista declara que Deus pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Para Deus não há distância. Mesmo que se esconda no mais profundo ou mais alto lugar, “aí me alcançará tua esquerda, e tua direita me sustentará” (v.10). Pelo fato de estar presente em todo lugar ao mesmo tempo, Deus pode ver tudo. Davi ainda diz que mesmo que se esconda no lugar mais escuro, Deus pode ver do mesmo jeito por que “mesmo as trevas não são trevas para ti, e a noite é clara como o dia” (v.12).

O ser humano busca onipresença. Cria máquinas ágeis para estar em mais de um lugar num mesmo dia, envia sua imagem através da tecnologia querendo estar presente através de sua voz em lugares longínquos. Isso tudo só é possível por que Deus permite ao ser humano como seu semelhante (mas nunca igual). Contudo a Onipresença pertence somente a Deus. Não há onde alguém possa fugir da presença de Deus, principalmente se você entregou sua vida pra Jesus, a mão de Deus te acompanhará onde estiver. Você sabia que nunca está sozinho? Deus sempre está contigo em qualquer lugar! Jesus diria, no ápice de sua vida pública, que estaria conosco todos os dias (cf. Mt 28,20).

Desde a Antiguidade judaica o salmista proclama a sabedoria de Deus através de um conhecimento que a tudo sonda, perpassa e em tudo penetra. Neste salmo de Davi, vemos que o Criador conhece todos os nossos gestos, caminhos e ideias que se transformam em palavras. Nada escapa à sabedoria de Deus.

Este salmo (139) nos chega como uma reflexão sapiencial sobre a presença e o conhecimento de Deus. A esses fatores, que dão a unidade do poema litúrgico, soma-se um terceiro elemento: o saber que é inútil fugir ou esconder-se de Deus. Examinado por Deus, o salmista descobre que o Senhor o conhece mais do que ele próprio. As atitudes de Deus aparecem às claras e são as mesmas exigidas por ele com relação ao ser humano. É por esta razão que todos os nossos caminhos lhe são familiares.

Assustado com essa presença de Deus, o salmista pensa em fugir, se esconder. Mas, ir para onde? Deus se encontra e todos os lugares. O profeta Jonas tentou fugir da presença de Deus e acabou surpreendido com aquilo, a missão, que Deus lhe impôs: profetizar em Nínive. O ato de envolver o fiel por detrás e pela frente (v. 5) aponta para um abraço que revela uma proximidade imediata, semelhante à experiência de Moisés (cf. Ex 33,22s). Céu e abismo são dois extremos nos quais se situa, de forma axial, a presença de Deus.

Os vv. 13-18 formam o centro ideológico do salmo. Deus se revela como aquele mistério que está em toda a extensão da vida humana. Ele forma não só o corpo físico, mas também o interior, a psique e toda a história da vida pessoal do ser humano. Essa presença ultrapassa a compreensão do próprio homem. As trevas naturais da vida humana descrevem a sensação de transitoriedade entre o claro e o escuro, onde este tenta suplantar a luz.

O olhar atento de Deus transcende a separação humana e cósmica de luz e trevas. Ao contrário da filosofia platônica (séc. IV a.C.), anterior ao rei Davi, que desconsiderava os ossos e a matéria em geral, vistos como meros despojos, o texto sapiencial da Bíblia revela-os como um dos elementos essenciais da constituição humana, objeto dos cuidados de Deus. Tanto assim que o Criador se vale deles (é salutar fazer uma leitura profunda da história dos ossos secos, em Ezequiel) para instaurar o reinado de um povo novo, sinal da ressurreição que haveria de vir (cf. Ez 37). O Pai sempre está ao nosso lado, disposto a nos acolher e salvar:

Eu, porém, estou feliz de estar com Deus, e em Deus colocar o meu abrigo, para contar as tuas obras todas junto às portas de Sião (Sl 73,28).

A expressão tecido na terra mais profunda revela uma relação entre seio materno (v. 13) e mãe terra (v. 15). Comparar com Jó 1,21 e Eclo 40,1. No v. 14 há uma ação de graças, em que o salmista agradece a Deus pela magnitude de sua obra que resulta em um concreto benefício da humanidade.

A conclusão final, que o texto nos permite descobrir é que Deus nos conhece; é ele que revela aquilo que somos. Nada do que fazemos passa despercebido a ele. A consciência do conhecimento de Deus desvenda o mais íntimo de nosso ser e o faz palco de um compromisso leal com Deus, desejoso de ser orientado pela sua graça.

Javé conhece o caminho dos justos, enquanto o caminho dos maus perecerá (Sl 1,6).

Meditação de abertura levada a efeito no XVI Encontro Nacional

das Famílias Cristãs, (FZA/CE)

O autor é Filósofo, Biblista e Doutor em Teologia Moral.