A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE NA CLÍNICA PASTORAL (PARTE IV)

Ao que tudo indica, o caso Anna O. tornou-se tão impactante que Freud foi levado a, mais de uma vez, atribuir a paternidade da Psicanálise a Breuer, em vez de a si próprio (GAY, 2012)*. A razão principal dessa “revolução” teriam sido os métodos empregados com Bertha, que lhe trouxeram a cura pela fala, em estado hipnótico, como neste caso emblemático: Em 1892, quando Anna O. sofreu um acesso de hidrofobia, mesmo ressecada de tanta sede, ela não conseguia tomar nada, até que certa vez, em transe hipnótico, disse a Breuer que tinha visto sua dama de companhia deixar que seu cãozinho bebesse em um copo. Quando o nojo reprimido veio à tona, a hidrofobia desapareceu.

Sobre isso, Gay (2012, p. 82)* relata, in verbis:

Breuer ficou impressionado, e adotou esse modo pouco ortodoxo de obter melhoras. Ele hipnotizou Anna O. e observou que, sob hipnose, ela conseguia rastrear cada um de seus sintomas, sucessivamente, até a ocasião que lhe dera origem durante a doença do pai. Dessa forma, relatava Breuer, todos os diversos sintomas, as contrações paralisantes e as insensibilidades, a visão dupla e distorcida, as várias alucinações e o restante, foram expulsos pela fala.

O sucesso dos métodos empregados por Breuer chamou a atenção de Freud também e, com certeza, esses lhe foram de muita utilidade clínica. À semelhança de Breuer, Freud passou a lidar com pacientes histéricas, cujos sofrimentos eram das mesmas espécies (dores nas pernas, sensações friorentas, estados depressivos e alucinações intermitentes). As investigações de Breuer e Freud lhes permitiram admitir que, independentemente da fonte dos sintomas, estes desapareciam quando a paciente conseguia trazer essa origem à consciência, pela fala, num processo hipnótico.

Entusiasmados com a descoberta, os dois publicaram em conjunto, em 1893, uma comunicação preliminar sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéricos em que eles descrevem as mais inusitadas situações que puderam ser resolvidas pelas terapias da fala e hipnose, entre as quais se podem citar duas.

A primeira, envolvendo a paciente de Breuer, Anna O., diz que quando esta já era jovem, ao velar o leito de um enfermo extremamente angustiado, caiu, ela própria, num estado crepuscular e teve uma alucinação aterrorizante, enquanto seu braço direito, que pendia sobre o dorso da cadeira, ficou dormente e disso proveio uma paresia do mesmo braço, acompanhada de contratura e anestesia.

A outra situação contada por eles é a da Sra. Emmy Von N. (a baronesa Fanny Moser), uma paciente de Freud, mãe de uma criança que, de tão doente, não conseguia sequer dormir e, por isso, num dia, quando finalmente adormeceu, ela (a mãe) concentrou toda a sua força para manter-se imóvel, a fim de não despertar a filha. Em função desse esforço, principalmente mental, produziu uma espécie de estalo com a língua. A partir de então, o tal estalo se repetiu por diversos anos (FREUD, 1996a)**.

Em 1886 (alguns citam o ano de 1887), Freud abriu o seu consultório em Viena e passou a aplicar a hipnose nas pacientes histéricas. Com o passar do tempo, Freud começou a verificar que a hipnose surtia efeito apenas temporário para a retirada dos sintomas histéricos, visto que, depois, esses mesmos sintomas retornavam. Era como se a hipnose fosse um instrumento que se prestava apenas a provar que há conteúdos armazenados em um local da mente, o inconsciente, e a acessá-los por meio da fala (RODRIGUES, 2011)***.

Nesse mesmo diapasão, Gachineiro (2007)**** diz que Freud utilizou por um bom tempo a hipnose, mas a abandonou, por não achar seus resultados satisfatórios. Ele observou que a hipnose trazia alívios somente temporários, visto que os sintomas reapareciam depois de um tempo. Freud percebeu que a cura de seus pacientes advinha do acesso ao inconsciente, que poderia se dar por outros meios, além da hipnose. Foi assim que desenvolveu o seu próprio método (utilizado até hoje), em que os pacientes repousavam num divã e eram encorajados a dizer o que lhes viesse à mente, como também a contar os seus sonhos. A isso se nominou “livre associação” ou “associação livre” de ideias e passou a ser o método básico da Psicanálise, associado à interpretação de sonhos (GUEDES e BARROS, 2010)*****.

Para que pudesse ajudar seus pacientes a se livrarem de seus traumas e neuroses, à medida que falavam livremente ou contavam seus sonhos, Freud precisou aprimorar a técnica da escuta, pois somente um ouvir atento lhe permitia fazer interpretações corretas, nos momentos adequados e, assim, os pacientes, ao acessarem o inconsciente, pudessem dar um novo significado ao material recalcado em sua mente. Gay (2012, p. 87)* diz textualmente: “Ouvir, para Freud, tornou-se mais do que uma arte; tornou-se um método, uma via privilegiada para o conhecimento, à qual os pacientes lhe davam acesso”.

Se o método básico da Psicanálise combina a livre associação de ideias e os sonhos, e se esses são produto do paciente, e de mais ninguém, entende-se que o analista precisa praticar uma escuta igualmente livre, que não faça comparações ou julgamentos, mas comprometida tão somente com a demanda (ANDRADE, 2012)******. Para que isso seja possível, o terapeuta precisa ter resolvidas as suas próprias questões, a fim de que essas não interfiram no processo analítico de seus pacientes. Sobre isso, Macedo e Falcão (2005)******* comentam que o sucesso da escuta da psicanálise está na capacidade do analista em reconhecer a necessidade de ser, ele próprio, escutado.

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*GAY, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

**FREUD, S. (1927-1931). O futuro de uma ilusão, o mal-estar na civilização e outros trabalhos. Obras Completas, Ed. Standard Brasileira, vol. XXI, Rio de Janeiro, Imago, 1996b.

***RODRIGUES, Daniela Smid (2011). Por que a hipnose foi abandonada por Freud. Disponível em: http://psicanalisesexualidade.blogspot.com.br/2011/04/por-que-hipnose-foi-abandonada-por.html. Acesso em: 07.11.2015.

****GACHINEIRO, Maria Emilia Pinto. Vidas e obras. São Paulo: Editora Ferrari, 2007.

*****GUEDES, Mónica e BARROS, Sofia (2010). Método psicanalítico. Disponível em: http://segredosdapsicologia.webnode.com.pt/metodos-e-tecnicas-em-psicologia/. Acesso em: 07.11.2015.

******ANDRADE, Eduardo Lucas (2012). Escuta flutuante. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3744823. Acesso em: 08.11.2015.

*******MACEDO, Mônica Medeiros Kother e FALCÃO, Carolina Neumann de Barros (2005). A escuta na psicanálise e a psicanálise da escuta. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1415-11382005000100006&script=sci_arttext. Acesso em: 08.11.2015.

José Graciano Dias
Enviado por José Graciano Dias em 08/12/2017
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