Culto aos santos

CULTO AOS SANTOS
Miguel Carqueija

Nos dias atuais cessaram as guerras religiosas entre católicos e protestantes e todo aquele ódio insensato que existia, pois afinal de contas Jesus mandou que amássemos a todos, mesmo aos inimigos. E na verdade hoje em dia católicos e protestantes são amigos, na vida social as pessoas em geral se respeitam. E, graças ao ecumenismo que vem desde o Concílio Vaticano II, a Santa Sé mantém diálogo de alto nível com representantes de confissões protestantes e ortodoxas, rabinos, líderes muçulmanos etc.
Com tudo isso notamos com frequência que muitos dos nossos irmãos protestantes nos tratam com desprezo e pior, insistem com acusações cediças e absurdas taxando o catolicismo de culto idólatra.
Não existe idolatria na doutrina católica. Antes, é doutrina explícita que só a Deus se pode adorar — e a ninguém mais.
Tentei explicar a um amigo protestante, muitos anos atrás (perdi o contato com ele de há muito) que nós católicos não somos idiotas e sabemso perfeitamente que a imagem de um santo é um objeto inanimado feito pela mão do homem, que pode ser destruído, quebrado, enfim, nós não temos tais imagens como “deuses” e beira o ridículo nos imputarem tal sandice. Bem, ele respondeu com essa pergunta: “E por que vocês se ajoelham diante de imagens?”
Vejam como a pergunta foi tola. Ajoelhar-se não quer dizer necessariamente adoração; é um gesto de respeito ou de oração. Os primeiro-ministros da Inglaterra se ajoelham diante da Rainha Elizabeth II. Com certeza não a estão adorando. Por outro lado, num templo a gente ajoelha e reza. Se não nos ajoelhamos diante de um altar onde haja uma imagem sacra, temos de nos ajoelhar diante de alguma coisa pois vivemos num mundo físico. Se nos ajoelharmos diante da parede estamos adorando a parede?
Como vêem, tais acusações são totalmente desprovidas de fundamento.
Acusam-nos então de adorar os santos.
Ora, os santos, com excessão da Virgem Maria, foram e são (os atualmente vivos) pecadores. Mesmo grandes santos cometeram alguns pecados. Entretanto, mesmo que não pecassem em nada, não seriam divindades. São criaturas, também eles foram resgatados pelo sangue de Cristo. E Jesus Cristo é o único nome sobre a Terra pelo qual podemos ser resgatados e salvos (Jo 10,7).
Então o que são os santos? Aprendi em criança que, a rigor, “santo é quem está no Céu”, almas santas que se encontram no gozo da divina companhia. Em termos mais específicos existem os santos canonizados, ou seja, aqueles a quem a Igreja reconheceu oficialmente que em vida praticaram as virtudes cristãs de forma heroica e se encontram na Bem-Aventurança com Deus.
É lícito dirigir orações aos santos, entendendo-se desde já que eles próprios encaminham pedidos a Cristo, tudo passa por Cristo para Deus, pois Jesus, sendo o Verbo Divino encarnado, ou seja o próprio Deus numa manifestação humana (genial e maravlhosa forma de se aproximar de nós e nos oferecer uma doutrina pura e salvífica e a redenção pelo seu sacrifício e ressurreição), somente por Ele podemos alcançar o Céu.
Mas então porque o culto aos santos? Por que não rezar diretamente a Deus, sempre?
Tal pergunta parece esconder um profundo orgulho. Só me dirijo a Deus! Sou muito importante para falar com subordinados!
De qualquer maneira o único caminho é Jesus, como Ele próprio afirmou. Mas isso não quer dizer que não possamos recorrer aos santos para que eles encaminhem nossas preces a Jesus (não esquecendo que a gente reza não só para pedir, mas para louvar e agradecer). Assim funciona a Comunhão dos Santos; Deus não quer que sejamos herméticos uns com os outros.
Ora, nossos irmãos protestantes fazem a rigor a mesma coisa. Se um protestante pede ao pastor, ou a outro irmão na fé, “reza por mim”, por que não se pode pedir a mortos que estejam no Céu? Pretender, como pretendem muitos protestantes, que os mortos estejam desativados, mortos, que só voltarão no juízo final, é um tremendo erro doutrinal que não se afina com a Escritura. Pois assim disse o salvador ao bom ladrão: “Em verdade te digo, hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43). Se ficássemos aniquilados São Dimas teria de esperar pelo Juízo Universal que ainda não ocorreu.
Seria injusto que Deus ouvisse orações de indivíduos cheios de vícios, aqui na Terra e não ouvisse as de seus santos que estão no Céu; ou da própria Virgem Maria, que ressuscitou conforme a tradição cristã e é dogma de fé católica. Aí, alguns irmãos protestantes alegam que “venerar” (esse o culto aos santos, e “hiperdulia” ou veneração extraordinária no caso de Nossa Senhora) e “adorar” é a mesma coisa segundo o dicionário. Outro argumento inconsistente, pois o dicionário não fala isso. É só olhar.
Sei que há um grande número de pessoas íntegras e sinceramente cristãs entre os nossos irmãos protestantes. Por isso mesmo faço uma pequena “provocação” a esses irmãos: se vocês estão sinceramente indispostos com a idolatria por que não tratam de combatê-la, expurgá-la no ambiente protestante? Pois o mesmo está terrivelmente contaminado pela idolatria, seja através da adoração do dinheiro e coisas materiais (a teologia da prosperidade), seja através de um fanático culto à personalidade de tantos pastores.

Rio de Janeiro, 28 de março de 2018.