Os limites do ministério

Atos 20:24

Todavia, não me importo, nem considero a minha vida de valor algum para mim mesmo, se tão somente puder terminar a corrida e completar o ministério que o Senhor Jesus me confiou, de testemunhar do evangelho da graça de Deus.

Infelizmente, tudo nessa terra tem um fim. Em breve estaremos com Cristo em outra cidade, a Nova Jerusalém. Mas não estaremos mais nessa em que vivemos. Ou seja, tudo aqui tem começo, meio e fim. Assim é a vida nessa dimensão. O ministério não foge à regra. Por sermos seres limitados por tempo, espaço, circunstâncias, também remete ao ministério, à liderança dentro de nossas igrejas. Precisamos conhecer e entender os limites de ação e de permanência em determinado lugar ou liderança.

Poucos dias atrás, o mundo do futebol tomou um susto. O técnico do Real Madrid, Zinedine Zidane, que comandou o clube nos últimos três anos, ganhando todas as edições da Liga dos Campeões – maior torneio de clube do mundo – pediu demissão. Após ganhar a tão sonhada taça do campeonato de clubes mais difícil do mundo, ele se retira, argumentando que não conseguiria inovar no seu trabalho. Que já não tinha tanta presença na vida e na cabeça dos seus liderados. Que pressentia que não conseguiria colocar sua filosofia na mente de seus comandados. Apesar da situação inusitada e inesperada, foi muito elogiado por sua atitude, “saindo por cima”. Valorizado e com o sentimento de dever cumprido.

Óbvio que, quando se fala de ministério, liderança, no ambiente eclesiástico, existe o fator irrevogável: vontade de Deus. Ele que coloca, que tira, que muda, transfere, que sustenta, que trata. Não há como brigar com a vontade de Deus. Aliás, alguns pregadores, erroneamente cita o texto de Jacó lutando com o anjo, de que devemos sempre “lutar com Deus” para conseguirmos algo. Só é necessária a lembrança de que esse mesmo Jacó saiu ferido e nunca mais esteve em suas perfeitas condições. Lutar com Deus não é um bom negócio.

Humanamente falando precisamos perceber quando temos sinais claros de que nosso ministério/liderança está chegando ao limite. É bom sempre estar atento a esses detalhes para que não se estrague relacionamentos e amizades no percurso construído. Ou então, para que evitemos uma “luta com Deus” onde o Eterno libere essas circunstâncias para nos preservar de futuros desgastes.

1 – Não trabalho mais minha inteligência emocional.

Segundo a SBie (Sociedade Brasileira de Inteligência Emocional), Inteligência Emocional é a capacidade de um indivíduo administrar as próprias emoções e usá-las em seu favor, além de compreender as emoções das outras pessoas, construindo relações saudáveis e fazendo escolhas conscientes. Quem tem Inteligência Emocional sabe pensar, sentir e agir de forma inteligente e consciente, sem deixar que as emoções controlem sua vida e se acumulem de forma a reproduzir ou criar traumas. Baseando-se nesse conceito, quando eu não consigo ter mais controle sobre minhas emoções no ambiente do ministério e liderança. Tudo é motivo para irritação, grosseria, sem o mínimo de cuidado com as pessoas ao seu redor. Não há compreensão ou entendimento, sempre bastante emocional e realizando ou dizendo coisas sem ponderar, sem sensibilidade e indiferente aos traumas causados em outrem. Trazendo cansaço, ansiedade, transtornos graves para o ministro/líder e para os seus pares.

2 – Perdi o interesse pelo principal.

No caso da igreja, temos dois focos principais. A exaltação ao nome de Deus e a edificação do Corpo de Cristo (igreja). Quando não temos interesse em nenhum desses motivos, precisamos repensar nossa situação em determinada liderança que estivermos. Os relatos de liderados sobre o “desvio de foco” do líder durante a caminhada se faz concluir que se perdeu a direção, perdeu-se a visão de Deus que foi outorgada, aliado a boas doses de arrogância e vaidade em obedecer à voz do Pai e seus desígnios. Quando saio da trajetória traçada por Deus para minha vida, evidentemente, estarei seguindo meus próprios interesses e desejos. Matar a vontade própria é um desafio daqueles que Cristo nos propõe no seu ministério, colocando em confronto até nossa condição de ser seu discípulo “Da mesma forma, qualquer de vocês que não renunciar a tudo o que possui não pode ser meu discípulo.” (Lc 14.33). Renunciar seus objetivos pessoais pelos de Cristo é uma das maiores provas que podemos dar da nossa condição de discípulo, de servo.

3 – Componentes básicos do relacionamento interpessoal são quebrados.

Durante boa parte da caminhada, sentimentos são construídos e estabelecidos entre liderança e liderados. Entre ministros e ministrados. Admiração, respeito, consideração, reconhecimento da autoridade, alegria pela presença, paz, carinho, cuidado, paciência, longanimidade, mansidão, domínio próprio, enfim. Tem muito mais características, mas talvez sejam essas as principais. Quando a liderança está com os sintomas acima, ela começa a se perder e esses ingredientes importantes para o bom relacionamento são paulatinamente destruídos. Lembrando sempre que a ausência é recíproca. De parte a parte, não se tem mais prazer de um estar com o outro. Tudo leva a briga, discussão, choro, irritação. Desses todos citados acima, o respeito é o mais grave. Dentro dele está a consideração que também é uma lacuna, uma ferida que vai se abrindo cada dia mais. Quando não há mais consideração, é porque chegou o tempo de mudar a liderança. Não há mais preocupação com o outro, em dar satisfação, em fazer tudo pelo bem do outro. Quando as atitudes são mais motivos de criticas, até de indiferenças. “Tanto faz” vira a atitude mais recorrente sem nenhuma cerimônia ou cuidado em magoar o outro. Aliás, difícil alguém se preocupar com tanta indiferença. Não se obtém mais respostas sobre nada. O grupo responde com silencio. As pessoas preferem se afastar a ajudar a erguer. São sintomas cabais de o fim chegou e que precisamos de “novos ares”, novos caminhos, que precisamos estar mais atentos àquilo que Deus quer de mim e do meu trabalho.

Conclusão

Entender que o ministério chegou ao limite não pode ser encarado com vergonha ou medo. Pode se tirar grandes ensinamentos. Por exemplo, maior sensibilidade ao perceber os sintomas de desgaste de uma liderança ou ministério. Esses mesmos fatores citados podem ser observados para que o líder não deixe chegar a esse nível. É uma decisão também bastante importante. Lembrando que isso pode acontecer mesmo com o ministério ‘bombando’, somente acontece em escala menor, as coisas se tornaram mecânicas e já não tem muita profundidade. Que possamos ouvir a voz de Deus com toda a sensibilidade do mundo. E que tenhamos 1 Coríntios 10.31 sempre “em mãos”. Que até o nosso afastamento da liderança/ministério seja para a glória de Deus.

Graça e Paz!

Felipe Narcizo
Enviado por Felipe Narcizo em 28/06/2018
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