AUTORIDADE E ESTRUTURAS NA IGREJA

“Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século.” Mt 28:18-20

“iluminados os olhos do vosso coração, para saberdes qual é a esperança do seu chamamento, qual a riqueza da glória da sua herança nos santos e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais, acima de todo principado, e potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não só no presente século, mas também no vindouro. E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” Ef 1:18-23.

Após três anos de sua obra aqui na Terra, período este caracterizado pela sua condição humana, esvaziada de sua glória da qual Paulo bem descreve em Fp 2:7, Jesus é crucificado; ressuscita e antes de ascender aos céus faz pela primeira vez esta declaração. Esta autoridade é única e imensurável, a tal ponto que Paulo ao falar dela se refere com superlativos por não existir palavras para definir tal autoridade e poder. Inferir que esta autoridade nos foi outorgada junto com a comissão é um erro, temos autoridade, mas não esta autoridade. Precisamos ver com cuidado este assunto para não agirmos de forma presunçosa e acabar se desviando do propósito eterno de Deus.

O SACRIFÍCIO ANTECEDE A AUTORIDADE

Existe um princípio importante que devemos aprender não apenas com esta passagem, mas com todo o exemplo da vida de Jesus: não existe autoridade espiritual sem cruz, sem sacrifício. Somente após ter passado pela cruz Jesus recebe pleno poder e domínio. T.A. Sparks diz o seguinte sobre a cruz:

“...Isto irá indicar o lugar da Cruz, pois foi pela Cruz que Ele expulsou o príncipe deste mundo. Foi pela Cruz que Ele estabeleceu Seu direito moral a terra. Foi por causa da Cruz que Ele recebeu “toda a autoridade no céu e na terra”, e recebeu o “nome que está acima de todo nome”. Somente em virtude do triunfo do Calvário seremos nós capazes de assegurar nosso terreno neste mundo pecaminoso e maligno – neste mundo dominado. Então, se isto é verdade e o princípio corporativo é o princípio efetivo, o único objetivo de Satanás, a fim de frustrar o final e arruinar o testemunho, será fragmentar a vida corporativa. Satanás jamais irá parar até que tenha feito tudo o que possa para dividir as últimas duas pessoas que estejam espiritualmente relacionadas ao testemunho de Jesus. Isto irá requerer uma profunda obra da Cruz nas pessoas envolvidas, para que “o príncipe deste mundo não tenha terreno nelas”. Humildade, submissão, auto-esvaziamento, e profunda devoção à honra do Senhor são frutos da Cruz. Não podemos conter Satanás com doutrinas, técnicas, fraseologia e ‘slogans’ (lemas) sobre Satanás sendo um inimigo derrotado. Ele precisa encontrar homens e mulheres crucificados que tenham dado bastante espaço para Cristo. Você irá ver a ação corporativa da Igreja no livro de Atos. Uma ‘Igreja’ nas nações que não esteja crucificada para o mundo é uma ajuda a Satanás, mas uma companhia crucificada é uma grande ameaça ao seu reino.”

Junto com a declaração do final de Mateus vem a ordem que consideramos nossa grande comissão: fazer discípulos. Fazer discípulos é o resultado de testemunhar (At 1:8, 2:39) e relacionar-se com os novos irmãos em Cristo da forma como Paulo expõe comparativamente em Cl 2:19, através de juntas e ligamentos. Esta relação chamamos de discipulado apesar desta palavra não aparecer nenhuma vez nas escrituras, é para todos, em todas as épocas, até que Ele venha. Para saber o que devemos fazer no discipulado precisamos olhar para Jesus e buscar no seu exemplo os elementos que devem existir neste relacionamento [1].

“Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” Jo 13:15

Não apenas o conteúdo, da qual Ele mesmo declara que o Espírito nos lembraria (Jo 14:26), mas a forma, a estratégia, teria que ser reproduzida. Jesus é o modelo e talvez nem todos tenham esta compreensão ao fazer a obra de Deus. O resultado de fazer a obra de forma diferente que Jesus fez produzirá resultados diferentes dos alcançados por Ele. Argumentar que o próprio Jesus disse que faríamos obras maiores que Ele para justificar todo tipo de extravagância feitas hoje em nome dEle (Jo 14:22), devemos considerar que maiores não significa diferente, até porque em outra passagem ele diz: “basta ao discípulo ser como o seu mestre...” Mt 10:25.

Devemos fazer discípulos dEle e não nossos, nunca esquecendo que o rebanho é dEle, as ovelhas são dEele (Jo 10:14-27, I Pe 5:2), Ele é “o” mestre e Senhor, Ele é a porta, Ele é o caminho e Ele é o alvo, nós apenas cooperadores.

Quando Paulo nos ensina sobre os homens-dons de Efésios 4:11-12, ele fala de quatro funções: apóstolos, profetas, evangelistas e pastores-mestres, sendo este último o único que recebeu uma dupla definição, por um lado enfatizando o ato de ensinar propriamente dito e por outro o ato de pastorear (cuidar). Pastoreio sem ensino não produz crescimento (Hb 6:1-2) e por sua vez ensino sem pastoreio resulta em individualismo e soberba, cria religiosos e não discípulos (1 Co 8:1-2).

Em nosso contexto, quando nos referimos a relação de juntas e ligamentos falamos de três pessoas: o discipulador, o(s) discípulo(s), o(s) companheiro(s). As referências a discípulos e companheiros encontramos com facilidade nas escrituras; discipulador e discipulado não, mas não significa que não existam. Esta relação deveria caracterizar o serviço dos irmãos mais velhos (experientes) que cuidam de outras vidas, é simplesmente um pastor, que nada tem a ver com a definição tradicional de pastor (ou reverendo=digno de reverenciar) que se estabeleceu no meio evangélico pós-reforma onde esta pessoa, de forma singular, ocupa a posição máxima de autoridade dentro da paróquia. Ao colocarmos pastor sobre pastores temos a figura do bispo no conceito protestante tradicional. Alguns grupos de irmãos para não copiar este modelo preferem tratar esta pessoa-posição de pastor-sênior, pai-póstolo entre tantos outros nomes criativos, mas tudo não passa de eufemismo para bispo ou papa: alguém que reclama ou recebe a primazia. Ao longo das últimas décadas vimos algumas modificações nestas nomenclaturas com a finalidade de aproximar um pouco mais da experiência e prática da igreja primitiva e agora, face aos erros e exageros cometidos na prática do discipulado, surgem alguns que defendem a troca do nome para corrigir erros. Podemos trocar discipulador e chamar de facilitador, colaborador, obreiro, “mano-véio”, etc... Qualquer nome que remeta ao estabelecimento de uma hierarquia é contrário ao ensino e prática de Jesus e dos apóstolos. Nomes de funções e serviços estabelecem posições e posições estabelecem hierarquias, quando estas estão no coração do homem.

Sem visão, aqueles que discipulam (cuidam) se veem em uma posição acima das outras ovelhas o que acaba muitas vezes trazendo uma atitude de superioridade em relação aos que “estão abaixo”, da mesma forma como fez Diótrefes, procura estabelecer sua primazia [2] sobre os irmãos. Alguns críticos mais radicais abandonam o discipulado em razão de exageros cometidos consigo ou com outros, mas deixar de discipular em razão de erros cometidos é como “jogar fora a água do banho da criança com ela dentro” [by Moacir R Oliveira]. Por isto o serviço profético é tão importante para a igreja corrigir rumos.

“Mas Jesus, chamando-os para junto de si, disse-lhes: Sabeis que os que são considerados governadores dos povos têm-nos sob seu domínio, e sobre eles os seus maiorais exercem autoridade. Mas entre vós não é assim; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será servo de todos” Mc 10:42-44

Os discípulos de Jesus pensavam e agiam de acordo com a árvore que toda a humanidade se alimentou desde a queda (conhecimento do bem e do mal) e isto precisava ser arrancado (Mt 15:13). A história da humanidade é marcada por conflitos entre os homens, uns contra os outros e principalmente de uns sobre os outros. A autoridade secular se estabeleceu pela imposição da força, era coercitiva, não espontânea. Os impérios foram construídos debaixo de muito sangue e escravidão. Roma aperfeiçoou a hierarquia militar e influenciou todo o mundo ocidental como o conhecemos hoje, suas leis e estrutura de governo. O homem desde a queda procurou se estabelecer como Deus, com domínio sob o seu próximo. Foi exatamente desta hierarquia e domínio que Jesus fala tão enfaticamente para que não fosse reproduzido entre eles. Durante quase três séculos a Igreja andou segundo os fundamentos dos apóstolos e profetas, mas foi seduzida pela doutrina dos Nicolaítas, que reestabeleceram a hierarquia e a primazia de uns sobre os outros dentro da igreja. Nasce neste período e resiste até hoje a separação entre o clero e leigos. Mas Jesus disse: NÃO É ASSIM ENTRE VÓS! O modelo humano que nos cerca não pode ser reproduzido na igreja, ele é mundano e diabólico. W. Nee diz o seguinte em seu livro “A Ortodoxia da Igreja” sobre os Nicolaítas:

“Os nicolaítas não podem ser encontrados na historia da igreja. Uma vez que Apocalipse é um livro de profecia, ainda devemos atentar para o significado da palavra – nicolaítas – em grego é composta de duas palavras: [nikao] - significa conquistar ou sobre os outros.- [Laos] – significa povo comum ou povo secular ou laicado. Então, nicolaita significa conquistado o povo comum, subindo sobre o laicado. Nicolaítas, portanto, refere-se a um grupo de pessoas que se auto avaliam muito acima dos crentes comuns. O Senhor está acima, os crentes comuns estão abaixo. Os nicolaítas estão abaixo do Senhor, contudo acima dos crentes comuns. O Senhor odeia o comportamento dos nicolaítas. A conduta de elevar-se sobre e acima dos crentes comuns como uma classe mediadora é o que o Senhor detesta, é algo para ser odiado. Mas naquela época havia somente o comportamento; este ainda não se havia tornado um ensinamento.”

Se os discípulos não são nossos, como ensinaremos? Como saber que conseguiremos o resultado esperado pelo Senhor sem comandar? Talvez muitos fiquem surpresos em saber que o Senhor nunca nos deu autoridade (pelo menos não da forma como imaginamos e muitos desejam) sobre nossos irmãos, somos servos servindo outros servos (Rm 14:4). O termo “autoridade” deriva do Grego [Eksousia]. A palavra Grega para “exercem autoridade” é [katexousiazo] que significa autoridade de cima para baixo. [Kata] significa acima ou sobre, [exousiazo] significa exercer autoridade sobre alguém, isto refere-se a liderança hierárquica e Jesus está condenando isto: “mandam neles” (ou exercem domínio sobre eles). [Eksousia] aparece por volta de 90 vezes em todo Novo Testamento, ora falando da autoridade de Jesus, ora das autoridades humanas a quem devemos nos submeter, ora da autoridade do inimigo (Lc 4:6), apenas em uma ocasião Jesus fala de dar autoridade aos discípulos e ela tinha uma finalidade específica: dar-nos poder sobre o inimigo (diabo).

“Não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho” I Pe 5:3

Ensinaremos com a única fonte de autoridade que possuímos para esta tarefa: o exemplo, derivado de uma vida que passa pela cruz diariamente cheia de unção do alto (At 10:38). Nos evangelhos a primeira menção sobre autoridade que aparece é exatamente o comentário das pessoas que diziam que Jesus ensinava como tendo autoridade, não como os escribas, possivelmente por todos perceberem, da mesma forma que Jesus que os escribas e fariseus eram hipócritas, ou seja, ensinavam aquilo que não faziam (Mt 7:29; 23:13). Sua autoridade era percebida e reconhecida, até porque Jesus não ficava cobrando sujeição de ninguém, pelo contrário, ele sempre deixava as pessoas à vontade para fazer o que quisessem. Não precisamos ser maiores que alguém para ensinar, este com certeza é um conceito difícil de ser entendido, ele é do alto, não é terreno. A unção do alto não nos deixa maiores, mas capacitados para a obra (Jo 3:30).

“Tu, porém, tens seguido, de perto, o meu ensino, procedimento, propósito, fé, longanimidade, amor, perseverança” 2 Tim 3:10

Eu particularmente considero a relação que havia entre Paulo e Timóteo como uma referência de discipulado, mas o que podemos aprender pelas palavras de Paulo acima é que esta era uma relação espontânea, desejada pelo Timóteo. Havia admiração e respeito de Timóteo por Paulo, não sem razão Paulo diz que Timóteo o servia como o filho ao pai (Fp 2:22).

“Todavia, não foi isso que vocês aprenderam de Cristo” Ef 4:20 (NVI)

Em questões duvidosas devemos ficar sempre com a simplicidade: Jesus fez, eu farei, não fez, também não farei! Entre as dezenas de vezes que Jesus usou a palavra autoridade nos evangelhos, em absolutamente NENHUMA delas foi para dar autoridade hierárquica para ser usada entre os discípulos, não existe qualquer possibilidade de dúvida sobre este tema considerando a passagem tão clara de Marcos 10:42-44 e as correlatas, além de todo o ensino contido nos evangelhos.

“Tendo chamado os seus doze discípulos, deu-lhes Jesus autoridade sobre espíritos imundos para os expelir e para curar toda sorte de doenças e enfermidades” Mt 10:1; Mc 3:14-15; 6:7, Lc 9:1

“Eu lhes dei autoridade para pisarem sobre cobras e escorpiões, e sobre todo o poder do inimigo; nada lhes fará dano” Lc 10:19

Também no ensino apostólico não terá qualquer menção a autoridade entre irmãos, com exceção da passagem em que Paulo em 2 Co 10:8 faz uma defesa da autoridade dos primeiros apóstolos (“a respeito da nossa autoridade, a qual o Senhor nos conferiu para edificação”). Cabe ressaltar que os primeiros apóstolos, aqueles que foram testemunhas oculares de Jesus, tinham uma prerrogativa que não foi estendida aos demais, que é a de serem fundamentos da igreja [3].

“edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular” Ef 2:20

Que certeza de obediência tem aquele que pastoreia alguém? Nenhuma! Nem mesmo Jesus teve. Vários ouviram o evangelho e recuaram, muitos receberam bênçãos e não se converteram. Jesus seguia em frente com aqueles que queriam. A busca por métodos que nos levem a um crescimento mais rápido numérico está mais relacionada à vaidade do que a uma carga pela salvação dos perdidos. Jesus não teve qualquer dificuldade em confrontar seus discípulos mais chegados quando ocorreu uma debandada de discípulos após uma palavra mais dura, se fosse necessário ele recomeçaria tudo de novo, mas não abriria mão da totalidade do plano do Pai (Jo 6). Crescimento é resultado de cumprirmos com a nossa parte conforme o modelo de Cristo e de Deus acrescentar as vidas (At 2:41-47). Marcos S Moraes usa uma imagem interessante para explicar nosso papel como discipuladores comparando com quem cuida de um galinheiro: somos harmonizadores, nosso papel é o mais simples, colocar os ovos debaixo da galinha, apenas isto, o papel mais importante é o da galinha. Após fazer a nossa parte, resta-nos apenas aguardar com a mesma expectativa de Jesus, se o fizermos com a mesma graça que Ele.

Mas e quanto a passagem de Hebreus 13:17 que diz para obedecermos aos nossos guias (ou pastores)? Em todo Novo Testamento esta é a única vez que é mencionado obediência de irmãos para com irmãos nas traduções de Almeida. Sem polemizar sobre questões de imprecisão de tradução, já que esta com certeza não é a única nas escrituras, o fato é que esta passagem foi mais interpretada do que traduzida. Da forma como ficou tornou-se a base da pretensa hierarquia dentro da igreja, nunca praticada entre os cristãos primitivos, mas adotada após o terceiro século, como vimos antes.

A palavra “obedecei” aqui no texto original é [peitho], que significa: “deixar-se persuadir, ter confiança” [4]. A palavra amplamente utilizada por “obediência” no Novo Testamento é [hupakoe], que significa: “obediência, submissão, obediência em resposta aos conselhos de alguém” e [hupakouo], que significa: “ouvir, escutar, ouvir uma ordem”. Na grande maioria das vezes estas palavras estão associadas a ordens de obediência à doutrina (Rm 6:17), à fé (At 6:7), à Cristo (Hb 5:9), à verdade (I Pe 1:22) e ao evangelho (II Tes 1:8); existindo apenas uma exceção (se bem que muitos gostam de “exceções” para fazer doutrinas sectárias), quando Paulo se dirige usando esta mesma palavra a Philemon, numa questão específica com respeito a Onésimo, jamais abrindo qualquer possibilidade para se fazer uma doutrina de hierarquia entre irmãos. Este versículo lido em um NT Interlinear grego-português ficaria desta forma: “Deixem-se persuadir por aqueles que vos guiam e não os resistam mais, pois vigiam pelas vossas almas, para que façam isto com alegria e não gemendo, pois isto não seria proveitoso para vós”. [4] Por que eles gemeriam? Porque é muito desgastante tentar conduzir alguém que não se submete espontaneamente. Paulo, mesmo sendo um apóstolo entre os Coríntios disse: “Eu de boa vontade me gastarei e ainda me deixarei gastar em prol da vossa alma”. O próprio Paulo no capítulo que defende sua autoridade apostólica no início do capítulo “roga” (não ordena). Na verdade se vermos com atenção todos os ensinamentos de Paulo ele sempre pedia, rogava; poucas vezes ele ordenou e quando o fez foram em questões absolutas, relacionadas a ordens de Jesus que deveriam ser acatadas.

A palavra “guia” (ou pastores em algumas traduções) no texto original é [hegeomai], que é um verbo (e não como um substantivo como está nesta tradução) e significa: “guiar, ir adiante”. Existe uma palavra específica para guia (ou governador), que é [hegemon] no original, que foi utilizada em todo Novo Testamento apenas para se referir aos governadores instituídos pelos homens, mais especificamente aos governadores romanos. Nunca esta palavra foi aplicada para se referir a algum irmão em posição de comando, pois ela implicaria a uma obediência a pessoa investida daquela autoridade em resposta a determinação de Paulo em romanos 13:1 e como vimos antes, temos que ser levados à obediência de Cristo.

A palavra usada não nos autoriza a estabelecer posição hierárquica seja com que nome for. O texto de Hebreus no original nos ajuda e muito a compreender este conceito, no cuidado de uns para com ou outros, seja em que esfera for, trata-se de um verbo e não um substantivo é ação e não posição. Existe uma grande diferença em sermos identificados por aquilo que somos do que por aquilo que fazemos. Até mesmo aquelas pessoas a quem atribuímos grande posição não se viam desta maneira. Paulo iniciava suas cartas sempre colocando a função depois de seu nome e não o contrário. Era: Paulo, o enviado e não: O Apóstolo Paulo. Paulo também disse que os apóstolos pareciam ter sido colocados por Deus em último lugar (1 Co 4:9) mas na modernidade muitos continuam a tentar convencer os outros irmãos que merecem esta honra e primazia. Humanamente falando, não existe prestígio em dizermos sobre nosso trabalho: eu cuido das ovelhas que Jesus me confiou, entretanto dizer: eu sou um “Pastor” fica melhor, pelo menos é uma posição, mesmo que não cuide direito das ovelhas, é irrelevante no caso de mercenários.

Nossa função como “aqueles que guiam” o rebanho de Senhor não é uma posição, é apenas um serviço (1 Pe 4:10) como tantos outros que somos capacitados e coordenados pelo Espírito Santo. Não se coloca alguém como discipulador, as pessoas se tornam discipuladores na medida em que ganham e cuidam de vidas para Jesus. As únicas vezes que a palavra “posição” foi mencionada no Novo Testamento foi referindo-se a classe social de algumas pessoas que haviam se convertido (Atos 17), mas nunca aplicada aos serviços e dons como se um fosse maior ou melhor que outro.

“Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos. Se disser o pé: Porque não sou mão, não sou do corpo; nem por isso deixa de ser do corpo. Se o ouvido disser: Porque não sou olho, não sou do corpo; nem por isso deixa de o ser. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde, o olfato? Mas Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve. Se todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corpo? O certo é que há muitos membros, mas um só corpo. Não podem os olhos dizer à mão: Não precisamos de ti; nem ainda a cabeça, aos pés: Não preciso de vós. Pelo contrário, os membros do corpo que parecem ser mais fracos são necessários; e os que nos parecem menos dignos no corpo, a estes damos muito maior honra; também os que em nós não são decorosos revestimos de especial honra. Mas os nossos membros nobres não têm necessidade disso. Contudo, Deus coordenou o corpo, concedendo muito mais honra àquilo que menos tinha, para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros. De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam. Ora, vós sois corpo de Cristo; e, individualmente, membros desse corpo.” 1 Co 12:14-27

O discipulado é uma das verdades/práticas que foram abandonadas por séculos e que começa a ser novamente restaurada em muitos lugares pelo mundo afora, mas me parece muitas vezes que agregam o discipulado em suas estruturas como um elemento a mais, o que é um perigo, facilmente surgem sistemas e métodos identificados por letrinhas e números, escadinhas de sucesso e outras técnicas que mais se assemelham a um programa de marketing moderno do que com o modelo de Cristo. Devemos lembrar-nos das palavras de Jesus que alerta sobre colocar vinho novo em odres velhos (Mt 9:17). Se olharmos a história da igreja ela é repleta de pequenas intervenções de Deus na tentativa de trazer seus filhos de volta ao caminho. Antes de Lutero homens como John Huss, Jeronimo de Savonarola, Jeronimo de Praga, entre tantos outros morreram por defender ideias consideradas heresia pela igreja Romana. Lutero teve êxito, pelo menos sobrevivendo e conseguindo influenciar o maior número de pessoas possíveis, graças principalmente a proteção dos nobres de sua região. A proteção do estado permitiu a expansão das verdades defendidas por Lutero, mas engessou a igreja em uma estrutura estatal e hierarquizada, neste ponto específico não houve restauração, pelo contrário, uma cópia de Roma no período de Constantino. A reforma chega até a Inglaterra no período de Henrique VIII que rompe com Roma e se coloca como autoridade máxima da igreja Anglicana. Em todos os países da Europa esta receita foi se repetindo, com exceção de algumas manifestações “rebeldes”, como os anabatistas que não possuíam estrutura definida, pois viviam nas sombras da perseguição, mas quando chegaram principalmente aos Estados Unidos se estruturaram conforme o modelo Europeu protestante. Por volta de 1830 o Senhor tocou um grupo de homens na Inglaterra, que passaram a reunir-se em casas para repartirem a ceia, terem comunhão e unidade. Esta foi uma das primeiras tentativas de restauração daquilo que hoje chamamos de “igreja nas casas”. Este grupo era conhecido como “Os irmãos de Plymouth” [5], sendo um dos pontos mais controvertidos defendidos por eles era a “pregação dos leigos”, uma heresia até mesmo para os evangélicos de então.

O que gostaria de salientar com este breve resumo histórico é que a tentativa de restauração de certas verdades e práticas da Igreja não é atual, muito menos exclusividade nossa, como se tivéssemos fazendo algo que nunca foi feito. Na verdade periodicamente Deus se move para que isto aconteça e espera que fiquemos atentos a este mover. A restauração ainda não está completa, muito ainda precisa ser avançado. É muito bom fazer parte de um grupo de irmãos que reconhece que estamos em restauração e não que estamos restaurados, isto permite que o Espírito atue.

A restauração do odre é tão importante quanto do vinho, por isto é prudente fugirmos de métodos. Simplesmente repetir o que os outros fazem não significa obter o mesmo resultado, basta ver o exemplo dos filhos de Arão que acharam que oferecer incenso era algo normal e fácil, afinal eles viam o seu pai fazendo sempre, o que poderia dar errado? Morreram por esta pretensão. Ansiamos por avivamento e isto não está errado quando estamos frios ou mornos, mas é bom lembrar que a igreja primitiva viveu no poder do Espírito e não entre avivamentos. Avivamento é uma resposta de Deus para a mornidão de sua Igreja, não apenas com derramamento de poder, mas com reestabelecimento de visão (Ap 3:17-18). John Noble tem a seguinte perspectiva sobre a questão do avivamento:

“Com o desaparecimento dos apóstolos e profetas da igreja primitiva, ela perdeu logo seu poder e sua força de expansão. Surgiram divisões, e como já vimos, ela foi lançada na noite mais escura da sua história. Com a exceção de breves avivamentos, nem se ouvia falar de milagres: no entanto, a chama da verdade nunca se extinguiu completamente, louvado seja Deus! Mesmo assim, por mais que agradeçamos a Deus pelos avivamentos passados, estes foram frequentemente operações de salvamento, para que a igreja não viesse a se apagar, ao invés de uma experiência decisiva para elevar a igreja a um nível mais elevado. Uma geração precisa nascer, e crescer de maneira constante sob a autoridade e disciplina dos ministérios e ofícios da igreja, aceitando todas as intervenções de Deus como meios de alcançar a maturidade e a plenitude da vida em Cristo (Ef 4:11-13). Verdadeiramente este povo haverá de subir como asas como águias... Hoje nós temos uma situação semelhante àquela que existia durante os dias dos

juízes. Periodicamente, homens foram levantados especialmente para libertar Israel de exterminação. Entre estas épocas, aparentemente todo homem fazia o que era reto aos seus próprios olhos (Jz 21:25). Não havia rei, nem autoridade constante em Israel, e assim o povo ia de um trauma a outro. Semelhantemente, a igreja tem cambaleado entre um avivamento e o próximo. Evidentemente estes avivamentos foram dirigidos por homens que conheciam a Deus, e a sua verdade tem sido descoberta, mas o seu desejo é que o seu povo seja transformado de um grau de glória a outro superior. Ele ainda anseia para que conheçamos refinamento constante, encorajados pelos seus despertamentos, até que ele veja a sua própria imagem na igreja, como num espelho perfeito. As Escrituras dizem: "...primeiramente apóstolos, segundo profetas, terceiro mestres,

depois operadores de milagres, etc." (1 Co 12:28). O Senhor tem motivos para dar esta sequência exata através de Paulo. Serão justamente estes ministérios que lançarão os alicerces de caráter, sobre os quais poderá ser edificada uma casa de poder. Pode ser notado em muitos lugares onde houve manifestações de poder sem os alicerces de caráter, que uma obra tem crescido de noite para o dia, como a abóbora de Jonas. Porém, em razão da falta de capacidade para resistir aos ataques sutis de Satanás, a obra murcha tão depressa quanto cresceu. Não é de admirar que tenhamos visto tão pouca bênção prolongada na igreja. Não é de admirar que tenhamos falhado em consolidar as bênçãos, a fim de continuarmos rumo aos níveis superiores de experiência e às profundezas do amor que Deus tem reservado para nós.” [6]

Quando Pedro profetiza de um tempo em que todas as coisas seriam restauradas (At 3:21), como diz Moacir Adornes “todas” em grego, significa TODAS, o modelo é Cristo sob o fundamento dos apóstolos e profetas e temos que ter o cuidado de fazer tido conforme o modelo recebido (Ex 25:40) . O que precisa ser restaurado para que possamos receber as últimas chuvas? Se John Noble estiver certo e creio que está, a estrutura definida pelos apóstolos e profetas primitivos deverá ser restaurada. Não estou falando de presbíteros e diáconos, pois não se joga responsabilidade de edificação sobre estes encargos em nenhum lugar das escrituras, mas da restauração dos apóstolos, profetas, evangelistas e pastores-mestres, as manifestações do Espírito e os serviços da forma como eles existiam na igreja primitiva, com autoridade do alto, reconhecimento, poder, agindo principalmente para preparar e capacitar os santos para o desempenho de seu serviço. Se isto não ocorrer a volta do Senhor pode ser atrasada (2 Pe 3:12) e ficaremos oscilando entre altos e baixos, indo atrás de sinais ou procurando melhores métodos que pela história sabemos que são efêmeros, perdendo o tempo de Deus, vendo novamente o candeeiro ser movido (Ap 2:5).

Deus tem falado muito nestes últimos tempos sobre estes serviços, mais do que falado, tem nos advertido profeticamente. ALELUIA!! Estou plenamente convencido que os erros somente serão corrigidos com a restauração destes homens-dons: primeiramente apóstolos, depois profetas, exatamente a maior deficiência que a igreja possui hoje. Sem eles, não existe edificação, sem eles não existe [Katartismos] (palavra grega usada para aperfeiçoamento em Efésios 4), o que resta são pastores muitas vezes bem intencionados, sobrecarregados, gemendo, o que não é de proveito algum.

Espero que o Senhor continue trazendo luz sobre estas verdades para que nós continuemos a avançar, por enquanto o que desejo é compartilhar o que está em meu coração e ver o que Deus está colocando no coração dos meus irmãos.

“sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo” Ef 5:21

[1] - “Plano Mestre de Evangelismo” – Robert Coleman

[2]- significado: cuja categoria é superior, que está em primeiro lugar, que ocupa cargo importante, em que há prioridade.

[3] – “Ministérios de Estruturas da Igreja” – Jorge Himitian

[4] – Tradução feita conforme Novo Testamento Interlinear – W C Luz

[5] – “Os Irmãos” – Andrew Miller

[6] – Apostila: “O Ministério do Apóstolo” www.ruach.com.br

[Textos originais do Grego entre chaves]

CARLOS A S SILVA
Enviado por CARLOS A S SILVA em 09/11/2018
Código do texto: T6498393
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