Por que a Igreja não crê na distinção entre alimentos puros e impuros?

INTRODUÇÃO

Antes de tudo, gostaria de deixar claro que quando eu digo "a Igreja", estou me referindo à maioria daqueles que professam o Cristianismo ao longo da história. Não estou dizendo que aqueles que crêem que ainda há uma distinção entre alimentos puros e impuros na nova aliança não sejam salvos, ou não façam parte da Igreja invisível. Isso precisa ficar claro porque esse texto é, em parte, uma resposta a um artigo[1] escrito por Davi Caldas, que considero ser um cristão genuíno, apesar dele defender tal distinção.

O autor começa o artigo fazendo uma comparação entre um edifício e uma linha argumentativa. De fato, podemos comparar toda a cosmovisão de um indivíduo a um prédio: suas convicções estão baseadas em outras anteriores a elas, as quais, se estiverem erradas, se caírem, as convicções dos andares superiores cairão também. Portanto, muitas vezes, basta atacar os pressupostos mais básicos de um sujeito para toda a sua visão de mundo ruir. É preciso observar, contudo, que a maneira como a mente humana funciona não é tão sólida assim. Nós temos muitas contradições e incoerências que fazem com que a nossa cosmovisão seja um prédio que desafie todas as leis da física. Há casos, por exemplo, de sujeitos que têm um edifício argumentativo muito sólido e bem construído, mas alguns dos seus andares parecem pontos fora da curva, estão do lado de fora do prédio, flutuando, daí a gente olha e pensa: "como que isso foi parar lá?". Ou: "como esse cara tão inteligente consegue acreditar em uma bobagem dessas"? É assim que muitos cristãos enxergam aqueles que crêem que é pecado comer carne de porco, por exemplo. Mas, será que há argumentos sólidos para defender essa posição?

ISRAEL E A IGREJA

Adventistas argumentam que a razão pelo qual a Igreja nega algumas das doutrinas que eles defendem é uma teologia antijudaica. O Cristianismo deixou de se enxergar como uma vertente do judaísmo, e a antiga identidade judaica da nossa religião se perdeu. Assim, Israel foi renegado por Deus e a religião judaica abolida. A morte e ressurreição de Cristo criam um novo povo de Deus no lugar de Israel, com uma nova religião no lugar do judaísmo. Por isso, determinados elementos próprios da religião judaica foram abolidos, como a guarda do sábado, a dieta judaica, as peregrinações a Jerusalém, os festivais religiosos, a circuncisão, etc. Portanto, precisamos, antes de tudo, refletir sobre como devemos enxergar a relação entre Israel e a Igreja.

De fato, não devemos ignorar o caráter judaico da Bíblia. Exceto Lucas-Atos, todos os seus livros foram escritos por judeus étnicos. A maior parte deles pensando em um público judaico. Israel aparece de Gênesis a Apocalipse. Apesar disso, a relação entre Israel e a Igreja é um assunto controverso. Segundo Kaiser[2], existem basicamente duas propostas principais no meio evangélico para lidar com essa questão, conquanto existam inúmeras variações nesses dois campos: a dispensacionalista e a aliancista (ou reformada). Simplificando muito, o dispensacionalismo ensina que Deus tem dois povos e dois planos de salvação, enquanto o aliancismo defende que só há um povo e um plano divino de salvação. Seguiremos a segunda abordagem nesse artigo.

Segundo Mathison[3], para os reformados, a relação entre o povo de Deus no Antigo Testamento e o povo de Deus no Novo é melhor descrita em termos de um desenvolvimento orgânico, ao invés de separação ou substituição. Durante a maior parte da era do Antigo Testamento, havia essencialmente três grupos de pessoas: as nações gentias, o Israel nacional e o verdadeiro Israel (o remanescente fiel). Embora Deus se relacione com todas as nações, ele o tem feito de maneira mais especial com o Israel nacional, e de forma ainda mais profunda com os eleitos, que no Antigo Testamento eram de maioria judaica, mas alguns (como Rute) eram gentios. No Novo Testamento, porém, a barreira foi quebrada, e o povo de Deus é composto por judeus e gentios. Alguns reformados sustentam que ainda há promessas específicas para os judeus étnicos, mas eles foram cortados do povo santo, como galhos de uma árvore, e precisam voltar para usufruir de tais promessas.

Mathison aponta para a analogia de Paulo da oliveira em Romanos 11 como algo importante para compreendermos isso. O povo de Deus é como uma árvore. Os judeus incrédulos foram arrancados, e os gentios crentes foram enxertados nela. Deus não cortou a velha árvore e plantou uma nova, nem manteve a velha árvore e plantou outra ao lado. Ele cortou os galhos dos incrédulos judeus e plantou galhos novos, os gentios crentes. Há uma única árvore, um único povo de Deus, uma só fé, uma só aliança. Nesse sentido, os crentes do Antigo Testamento são Igreja, e os crentes do Novo Testamento são Israel. Nas palavras do artigo 27 da Confissão Belga, a "Igreja existe desde o princípio do mundo e existirá até o fim"[4].

Caldas parece concordar, pelo menos em parte, com essa visão. Concordamos "que Deus não criou outro povo". Ele parece negar, contudo, que os judeus naturais descrentes tenham sido rejeitados por Deus, ao dizer que "aos olhos de Deus, os judeus naturais e os gentios conversos passam a fazer parte do mesmo povo e da mesma religião", embora ele também rejeite, em parte, a noção de que o Israel étnico ainda é o povo de Deus. O importante é que nós reformados não corroboramos um pressuposto antijudaico por causa de um teologia de substituição, porque não cremos numa substituição; a árvore continua a mesma. A questão fundamental aqui é: será que o fato da Igreja ser Israel implica que nós devemos seguir a dieta judaica?

A LEI

Uma das bases bíblicas utilizadas por adventistas é Gênesis 7.2-9, no qual vemos uma distinção entre alimentos puros e impuros antes mesmo da lei mosaica. Eles argumentam que essa distinção não estava relacionada às cerimônias do concerto mosaico, mas é algo praticado desde o início da humanidade, e que, portanto, deveria ser praticado ainda hoje.

Um problema que esse argumento enfrenta é Gênesis 9.3, em que Deus diz ao mesmo Noé que TUDO quanto se move, que é vivente, poderia ser comido pelos homens. Só havia duas restrições explícitas: ao se alimentar, os homens não deveriam comer o sangue, nem deveriam matar outros seres humanos. Aqui podemos entender que, fora o consumo de sangue e o canibalismo, quase tudo era permitido no que compete à alimentação. O silêncio aqui é perturbador. Não há qualquer menção a determinados animais que não podiam ser comidos, em um momento que DEVERIA haver uma menção clara a isso, já que é justamente disso que o texto trata, o que o homem deveria comer.

Não apenas temos silêncio em um momento que deveria haver alguma palavra sobre isso, como também a base que eles usam para afirmar a antiguidade das leis dietéticas também não é tão sólida. Há várias maneiras de responder ao uso deles de Gênesis 7.2-3. Uma delas é que, embora houvesse uma distinção entre puros e impuros, essa distinção não era tão clara e específica como a da Lei de Moisés. Ou seja, os homens tinham uma noção de quais animais eles poderiam comer ou usar como sacrifício, e quais eles não podiam, mas isso não significa que ela fosse uma lista completa como a da Lei de Moisés, nem mesmo que Deus havia dado qualquer lista; talvez essa distinção fosse algo que os próprios homens faziam e Deus apenas corroborou.

Portanto, podemos, no máximo, inferir dessa passagem que os homens tinham regras em relação a quais animais eram apropriados para o consumo e quais não eram, mas isso não significa que devemos obedecer àquela dieta da Torah, pois a distinção que os homens supostamente faziam não era necessariamente a mesma de Moisés, nem que devemos seguir a de Moisés, nem mesmo que devemos seguir aquela seguida na época de Noé. O uso dessa passagem para sustentar a obediência à dieta mosaica é um salto lógico infundado. No mais, a circuncisão também é anterior à Lei de Moisés, e já existia antes de Abraão; alguém ai quer entrar na faca?

No mais, o uso dos adventistas dessa passagem para justificar a permanência da dieta mosaica revela uma ignorância em relação ao próprio significado de "puro" e "impuro" na Lei. O fato é que a lei mosaica, embora seja única, pode ser vista a partir de três aspecto: moral, civil e cerimonial. Segundo Kaiser, a lei moral se baseava no caráter de Deus, de modo que ela é eterna. Relaciona-se ao que é certo e o que é errado fazer, e pode ser resumida nos Dez Mandamentos. A lei civil trata da aplicação da lei moral ao Estado teocrático de Israel, e deve ser aplicada com cuidado aos nossos dias, uma vez que o contexto e o papel da nação de Moisés era diferente das nações modernas.

Por fim, a lei cerimonial se trata dos mandamentos relacionados à religião judaica. Era inclui inúmeros sacrifícios, mas também o conceito de "puro" e "impuro". Ao tratar da dieta judaica, adventistas tendem a entender a pureza como sinônimo de limpeza, higiene, saúde ou até santidade. Mas uma leitura atenta às passagens que tratam de coisas consideradas puras e de coisas consideradas impuras claramente demostra que o impuro não era necessariamente sujo, prejudicial ou pecaminoso. A pureza significava que o adorador estava cerimonialmente qualificado para participar do culto ao Senhor. Cuidar de mortos ou dar à luz, por exemplo, deixavam a pessoa impura. Se não devemos comer alimentos impuros porque a lei os torna impuros, nossas mulheres também não devem gerar filhos.

A epístola de Hebreus nos ensina claramente que a lei cerimonial foi abolida. O capítulo 7, por exemplo, vai nos mostrar que nós não estamos mais debaixo do sacerdócio levítico, sob o qual a lei cerimonial foi promulgada, mas sob o sacerdócio de Cristo, que é segundo a ordem de Melquisedeque. "Quando se muda o sacerdócio, necessariamente há também mudança de lei" (v.12). A ordenança anterior foi revogada por causa de sua fraqueza e inutilidade (pois a lei nunca aperfeiçoou coisa alguma). Jesus se tem tornado fiador de uma aliança superior àquela que a lei simbolizava. Baseado nesse entendimento, que a lei cerimonial foi abolida, o que inclui todos os mandamentos relacionados a coisas "puras" e "impuras", que a Igreja interpreta as demais passagens.

MARCOS 7

O capítulo começa dizendo que alguns fariseus e escribas se juntaram a Jesus e, vendo que os seus discípulos comiam com as mãos sujas, os repreendiam. Porque os judeus guardavam uma rígida tradição, que incluía não comer sem lavar as mãos muitas vezes. Então eles perguntaram para Jesus: "Por que não andam os teus discípulos conforme a tradição dos antigos, mas comem o pão com as mãos por lavar?". E Ele respondeu-lhes: "Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim; em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos de homens. Porque, deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens; como o lavar dos jarros e dos copos; e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas".

Aprendemos daqui que não devemos seguir tradições humanas achando que, com isso, estamos agradando a Deus. Devemos ter compromisso apenas com aquilo que Ele nos revelou claramente, e julgar o resto a partir dos fundamentos da revelação divina. Ao contrário, muitas pessoas não apenas seguem tradições humanas como sendo mandamentos divinos, como são capazes de desobedecer aos mandamentos para obedecer à tradição. Jesus dá outro exemplo disso praticado pelos fariseus. O mandamento de Deus era "honra a teu pai e a tua mãe", o que incluía, certamente, sustento na velhice. Os fariseus, ao contrário, diziam que um homem poderia dar os recursos que usaria para honrar os pais como oferta ao Senhor, assim desobrigando-se de ajudar aos pais.

Acertadamente, Caldas acusa o catolicismo romano de fazer isso: todo o seu edifício argumentativo se baseia no fundamento inadequado de que a tradição da Igreja e o seu magistério possuem autoridade igual à da Bíblia. A partir dessa base, qualquer ensino da tradição e do magistério, por mais que não se sustente pelos critérios básicos de interpretação da Bíblia, serão tidos como corretos. Mas não são só os católicos: muitos grupos cristãos fazem o mesmo. Valorizam suas tradições e os mandamentos que impuseram aos outros de tal maneira que, por mais que você demonstre que eles não são exigidos pelas Escrituras, eles não te darão ouvidos.

Quanto à questão dos alimentos, Jesus estabeleceu o seguinte princípio: "Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa contaminar; mas o que sai do homem é o que o contamina" (v.15). Essa afirmação de Jesus é chamada, dois versículos depois, de "parábola", sobre a qual os discípulos pedem explicações. Então, lhes disse: "vós também não entendeis? Não compreendeis que tudo o que de fora entra no homem não o pode contaminar, porque não lhe entra no coração, mas no ventre, e sai para lugar escuso? E, assim, considerou ele puros todos os alimentos." (18-19)

Adventistas argumentam que Jesus não está falando de todos os alimentos existentes no mundo, mas sim dos alimentos que os judeus comiam sem lavar as mãos. Moralmente falando, não lavar as mãos não faria o alimento ingerido tornar a pessoa impura. A impureza moral ocorria em relação ao que saía pela boca (palavras más), pois a boca fala do que o coração está cheio. Jesus não está falando sobre as leis dietéticas. Ao contrário, Jesus estava falando contra as tradições e a favor da lei de Deus.

Concordo que Jesus não esteja, de fato, abolindo as leis dietéticas do Antigo Testamento. Contudo, como diz o Expositor's Bible Commentary[5], uma vez que Cristo diz que os alimentos não têm, em si mesmos, a capacidade de purificar ou poluir espiritualmente o homem, isso significa que certos aspectos da Lei são convencionais, não enraizados nas distinções eternas entre o certo e o errado, mas artificiais. Jesus está em um momento de transição entre o Antigo e o Novo Testamento, Ele está preparando a nova aliança. Portanto, devemos enxergar essa fala Dele no contexto imediato de conflito entre as tradições inventadas por homens e a Palavra de Deus, mas também devemos enxergá-la no contexto mais amplo da preocupação do Evangelho de Marcos em mostrar que o Reino de Deus está acima e além da Lei de Moisés.

A próxima passagem de Marcos também é englobada por esse contexto. Levantando-se dali, Jesus partiu para terras de gentios, de pessoas que, pela Lei de Moisés, estavam excluídas da comunhão com Deus. Então uma mulher, cuja filhinha estava possessa de espírito imundo, tendo ouvido a respeito dele, veio e prostrou-se-lhe aos pés, rogando-lhe que expelisse de sua filha o demônio. Mas Jesus lhe disse: "Deixa primeiro que se fartem os filhos, porque não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos."(v.27). Ela, porém, lhe respondeu: "Sim, Senhor; mas os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas das crianças" (v.28). Então, lhe disse: "Por causa desta palavra, podes ir; o demônio já saiu de tua filha" (v.29). Voltando ela para casa, achou a menina sobre a cama, pois o demônio a deixara.

No relato paralelo de Mateus 15.21-28, a Bíblia narra que Jesus disse ter sido enviado apenas para as ovelhas perdidas de Israel. Ela era gentia, estava excluída da aliança. Mais do que isso, Jesus a comparou a um cão, um termo que era bem mais ofensivo naquela época do que na nossa. A mulher, entretanto, não aceitou isso e creu. E Jesus aceitou a sua fé. Esse relato, como o anterior, está demonstrando que a fé supera tudo. As leis dietéticas, e todos os mandamentos cerimoniais, eram apenas sombras comparadas com a realidade. Essa mulher entendeu a realidade. Deus agiu salvadoramente na vida dela, mesmo ela não seguindo as leis dietéticas ainda no Antigo Testamento.

Jesus não aboliu as leis dietéticas naquele momento, mas o Evangelho de Marcos está caminhando para demonstrar que a aliança de Deus com a humanidade seria renovada, e ela seria selada pelo derramamento do sangue de Cristo. E, considerando o que Jesus diz sobre a alimentação em geral, podemos inferir que, ainda que a alimentação mosaica fosse recomendável, não poderíamos dizer que comer alimentos que a Lei considerasse impuros seja pecado na nova aliança, porque também não era pecado na antiga. Os alimentos impuros tornavam o crente impróprio para a adoração, mas não traziam, necessariamente, qualquer impureza física ou espiritual.

ATOS

O livro de Atos aprofunda mais o assunto. O capítulo 10 narra que havia em Cesareia um homem de nome Cornélio, centurião romano, que o texto chama de alguém piedoso e temente a Deus mesmo não sendo judeu. Em uma visão, um anjo lhe apareceu e mandou que procurasse Pedro. No dia seguinte, Pedro também teve uma visão. Estando com fome, viu o céu aberto e descendo um objeto como se fosse um grande lençol, o qual era baixado à terra pelas quatro pontas, contendo toda sorte de animais. E ouviu-se uma voz: "Levanta-te, Pedro! Mata e come" (v.13). Mas Pedro replicou: "De modo nenhum, Senhor! Porque jamais comi coisa alguma comum e imunda" (v.14). Segunda vez, a voz lhe falou: "Ao que Deus purificou não consideres comum" (v.15). Sucedeu isto por três vezes, e, logo, aquele objeto foi recolhido ao céu.

Enquanto Pedro estava perplexo sobre qual seria o significado da visão, eis que os homens enviados por Cornélio para encontrá-lo chegaram. No dia seguinte Pedro partiu com eles, e foi encontrar-se com o centurião. Ele reuniu vários amigos e parentes para ouvir as palavras de Pedro, que lhes disse: "Vós bem sabeis que é proibido a um judeu ajuntar-se ou mesmo aproximar-se a alguém de outra raça; mas Deus me demonstrou que a nenhum homem considerasse comum ou imundo; por isso, uma vez chamado, vim sem vacilar" (28-29).

Essa afirmação de Pedro nos faz entender qual era, afinal, o propósito último das leis dietéticas. Elas apontavam para Cristo (como todas as cerimônias do Antigo Testamento) simbolizando a separação entre os judeus e os gentios. Os animais puros representavam os judeus (e, por isso, também podiam ser usado nos sacrifícios como representantes dos judeus) e os impuros representavam os gentios. Estes comiam todo tipo de animal, com poucas restrições, enquanto os judeus eram bastante separados deles por sua dieta. A dieta, como as outras cerimônias, distinguia claramente quem era judeu de verdade de quem não era, tal como, em alguns lugares na Idade Média, penduravam-se cabeças de porco para deixar bem claro que não havia nenhum judeu ali.

Agora o símbolo alcançou a realidade, de modo que já não se faz necessário mais preservar essa cerimônia. Os crentes em Jesus Cristo estão livres para comer daquilo que Deus purificou, assim como aqueles que Deus purificou estão livres para serem crentes em Jesus Cristo e adorar a Deus sem cerimônias. "Deus não faz acepção de pessoas; pelo contrário, em qualquer nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável" (34-35). Então por que eu me prenderia a rudimentos tipo "não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a sensualidade." (Colossenses 2.21-23)

Em Atos 15 vemos que a Igreja ainda não estava madura em relação a essa verdade; isso explica porque Pedro, anos depois da assunção de Jesus, afirmou nunca ter comido alimentos impuros e que ainda se considerava judeu no que tangia sua fé. Alguns indivíduos que desceram da Judeia ensinavam aos irmãos: "Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos" (v.1). Não apenas a circuncisão, mas toda a lei de Moisés era necessária para a salvação dos gentios segundo esses homens. Tendo havido, da parte de Paulo e Barnabé, uma grande discussão com eles, resolveram que um grupo subisse a Jerusalém para debater esse assunto com os apóstolos e anciãos. Na viagem, Paulo e Barnabé relatavam as histórias da salvação dos não-judeus, e os irmãos se enchiam de alegria; os legalistas, porém, estavam mais preocupados em empurrar a lei de Moisés para cima dos recém-convertidos.

Os verdadeiros crentes tinham dúvidas, mas Paulo chama aqueles que insistiam na obrigação dos cristãos de cumprirem a Lei de "falsos irmãos que se entremeteram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão" (Gálatas 2.4). Esse mesmo texto de Gálatas nos revela que, mesmo depois do Concílio de Jerusalém, em Atos 15, a Igreja ainda estava vacilante quanto a essa questão. Certo dia, quando Pedro foi a Antioquia, Paulo o repreendeu porque normalmente ele comia com os gentios e vivia como um gentio (o que, talvez, indique que ele quebrasse as leis cerimoniais, inclusive as dietéticas), mas quando chegaram alguns judeus da parte de Tiago, ele se afastou e passou a viver como judeu, seguindo os preceitos judaicos, e querendo que outros seguissem também. Paulo então afirma no versículo 19 de Gálatas 2 que, mesmo sendo judeu, havia morrido para a lei em Jesus Cristo, e aquele que afirma que a justiça vem pela lei está dizendo que Cristo morreu em vão.

Voltando a Atos 15, vemos que Pedro mostra no versículo 8 que a grande evidência de que os gentios podiam servir Jesus Cristo sem obedecer à lei é que eles receberam o Espírito Santo. O Espírito faz no Novo Testamento aquilo que as leis dietéticas faziam no Antigo, separar aquele que verdadeiramente crê daquele que não crê. Porque o que nos purifica não são as cerimônias, mas a fé. "Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós?" (v.10).

Paulo usa um argumento parecido em Gálatas 3, ao perguntar aos gálatas "recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé?" (v.2). Porque tentar prosseguir na caminhada cristã pelas obras da lei é uma obra da carne, e não do Espírito. Cristo já cumpriu todas leis dietéticas em nosso lugar. Ela nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio, não precisamos de leis dietéticas, pois "onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (2Co 3.17).

Nos versículos 19-20 de Atos 15, Tiago concluiu o debate dizendo: "Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus, mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue." Nós podemos ver certas práticas como sinais de conversão, como manifestações de santidade em uma pessoa; por exemplo, podemos considerar um sujeito que tinha uma vida sexual ativa antes do casamento e depois deixa de as ter como um provável convertido. Alguém que adorava imagens e então as destrói, provavelmente é um convertido. Mas não há qualquer relação entre santidade e não comer esse ou aquele alimento. Os gentios que se convertessem a Deus e não seguissem a dieta judaica não perdiam nada. Isso foi consentido por "toda a Igreja" (v.22) e confirmado pelo Espírito Santo com "sinais e prodígios" (v.12).

Aqui temos um problema para a minha posição, porque a Igreja ordenou aos gentios que não comessem da carne de animais sufocados e do sangue, o que é uma lei dietética. Eu poderia considerar que essa lei dietética é moral, não cerimonial (a proibição de se comer o sangue realmente aparece de forma clara antes da lei, ao contrário da distinção de alimentos puros e impuros). Mas mesmo isso pode ter outras explicações. Talvez isso era necessário naquele momento de transição, para não escandalizar os judeus, como um tipo de misericórdia para irmãos mais fracos[6]. "Destas coisas fareis bem se vos guardardes", diz o versículo 29. Ainda que possamos considerar a abstinência imposta aos gentios uma ordem, quando o texto fala "pareceu bem" dá a entender que a necessidade disso estava relacionada ao estado daquele tempo, de modo que os gentios e os judeus pudessem viver juntos mais pacificamente, com menos oportunidade de brigar[7].

Ainda que, contudo, consideremos a proibição de comer o sangue de animais como válida para os dias de hoje, isso não implica que devamos seguir toda a dieta judaica, ou toda a lei cerimonial; ao contrário, o silêncio do texto a esse respeito pesa mais contra do que a favor dos adventistas. Portanto, mata e come, e não chames de impuro o que Cristo purificou.

I CORÍNTIOS 8-10

Nesses três capítulos, Paulo lida com a questão dos alimentos sacrificados a ídolos. Um crente pode comer uma carne oferecida a falsos deuses? O ensino de Paulo é que o ídolo, em si mesmo, não é nada. Ele é uma mentira, um engodo. Há um só Deus, o Pai de Jesus Cristo, de quem são todas as coisas e para quem existimos. Entretanto, alguns crentes, por causa do hábito de praticar religiões falsas, não conseguiam comer desses alimentos sem que o seu coração estivesse voltado para os ídolos. I Coríntios 8.8 nos traz uma ensino importante para o nosso tema: "Não é a comida que nos recomendará a Deus, pois nada perderemos, se não comermos, e nada ganharemos, se comermos". O assunto de Paulo não é a respeito dos alimentos puros e imundos, mas ele está repetindo a mesma ideia que Jesus levantou em Marcos 7: os alimentos não podem nos poluir espiritualmente.

No capítulo 9, fazendo uma defesa do seu apostolado, Paulo fala nos versículos 20-21 que os judeus é que estão debaixo da lei, não Paulo, nem os cristãos. Ou melhor, nós estamos debaixo da "lei de Cristo", e não da lei de Moisés; estamos sob a lei do amor (Gálatas 6.2). A quem você está amando, quando deixa de comer algum alimento que considera impuro? A Deus certamente que não é, pois Paulo deixou bem claro que o alimento não pode nos recomendar a Deus.

No versículo 23 do capítulo 10, temos outra lição importante: "Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam". Os legalistas gostam de focar na parte da restrição, mas eu quero focar na parte da liberdade. Todas as coisas nos são lícitas. Isso significa, no versículo 25: "comei de tudo o que se vende no mercado". Não podemos expandir esse "tudo" para coisas que são pecado, como comer carne humana, mas certamente não há razão alguma para excluir disso os alimentos que Moisés proibiu, "porque do Senhor é a terra e a sua plenitude" (26).

Desse modo, nós glorificamos a Deus através da alimentação, não deixando de comer aquilo que os judeus deixavam de comer, nem deixando de comer aquilo que os idólatras comem, mas dando graças a Deus pela comida com a boca e com o coração. Ao contrário, aquele que se recusa a comer aquilo que o Senhor nos deu como benção para a nossa alimentação pensando agradar a Deus está pode, na verdade, ser alguém que no fundo nega a soberania divina sobre a terra e tudo o que nela há.

ROMANOS

Segundo Keiser, a mensagem básica da epístola aos romanos é que o Evangelho é a justiça de Deus. A questão principal que o apóstolo quer responder é como nós podemos ser aceitos pelo Deus infinitamente santo, se somos pecadores, se estamos todos debaixo da ira de Deus. Isso acontece por meio da obra de Jesus: Ele morreu em nosso lugar, e, com sua morte, deu a salvação a todo aquele que nele crê. Em Cristo, pela fé, Deus nos declara justos. Assim, temos paz com Deus, e esse mesmo Deus opera em nós a vida e a vitória contra o pecado. A partir do capítulo 12, Paulo lida com as implicações práticas dessas verdades.

Em Romanos 13.8, Paulo ensina que não devemos ficar devendo nada a ninguém, exceto o amor, pois quem ama o próximo cumpre toda a lei. Ele cita no versículo seguinte alguns mandamentos, e afirma que todos eles se resumem nesta palavra: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo", porque o amor não pratica o mal contra o próximo, de sorte que o cumprimento da lei é o amor. Ele aplica esse princípio, no capítulo seguinte, às discussões, dizendo que devemos acolher aqueles que são fracos na fé sem ficar discutindo opiniões. Adventistas negam que as opiniões aqui referidas sejam sobre mandamentos bíblicos, o que está correto. Entretanto, a palavra usada por Paulo, "diakriseis", traz a ideia de fazer distinções, julgar, refletir sobre algo. Portanto, ela pode, sem qualquer problema, se referir não aos mandamentos bíblicos, mas às interpretações desses mandamentos.

Paulo está lidando com costumes que não eram obrigações bíblicas, de modo que, se as leis cerimoniais não são obrigatórias na nova aliança, certamente podemos incluir os princípios ensinados aqui às distinções entre coisas puras e impuras. Desse modo, se você não faz separação entre alimentos puros e impuros, faz muito bem em não desprezar os irmãos que o fazem; e se você come apenas alimentos puros, erra gravemente ao julgar aqueles que não entendem dessa forma. Quem és tu que julgas o servo alheio?

PASTORAIS

Por fim, terminaremos nossa análise bíblica pelas epístolas pastorais. Em I Timóteo 1, Paulo nos alerta contra pessoas que gostavam de discussões inúteis, tentando se passar por mestres da lei, mas sem entender que a lei foi feita para condenar os ímpios. No capítulo 4 ele expande esse alerta, afirmando que o Espírito estava revelando que a partir daquele tempo surgiriam alguns que, apostatando da verdadeira fé, dariam ouvidos a falsos profetas que, usados por demônios, trariam ensinos enganosos. Isso significa que quaisquer novas revelações acompanhadas de doutrinas diferentes daquelas ensinadas na Bíblia são necessariamente falsas, e provavelmente têm participação demoníaca. É assim que podemos avaliar um profeta, não tanto pelo fato do que ele previu se cumprir ou não, mas principalmente em relação a como os seus ensinos se adequam àquilo que as Escrituras nos revelaram primeiramente.

Essas pessoas influenciadas por demônios descritas no texto bíblico são hipócritas, mentirosas, têm sua própria mente cauterizada. Eles não são cristãos que se jogam na farra, não são liberais. Ao contrário, são ascetas, celibatários, abstêmicos. Eles não mudam de ideia facilmente, já que sua mente está sob influencia demoníaca, então não adianta você argumentar, eles não te darão ouvidos. Eles seguem (quando seguem, já que o texto os chama de hipócrita) leis que eles mesmos inventaram e querem obrigar outros a fazê-lo.

O foco de Paulo é sobre aqueles que "exigem abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por quantos conhecem plenamente a verdade" (v.3). A Igreja tem interpretado que esse texto está dizendo que nós podemos comer todo o tipo de animal porque todo o tipo de animal foi criado por Deus para servir de alimento ao ser humano, nos moldes de Gênesis 9. Basta que você receba aquilo com ações de graça e, assim, você estará glorificando a Deus, como ensina I Coríntios 10.

A Verdade que esses mentirosos negam não é que Deus nunca proibiu determinados alimentos. Se fosse isso, os endemoniados estariam corretos, porque de fato Deus proibiu, na antiga aliança, determinados alimentos. Assim, Paulo não está condenando o judaísmo (até porque, como Caldas nota, os judeus nunca ensinaram que o casamento é errado, coisa que os apóstatas de que o texto fala fazem). Ele está falando de grupos minoritários que, contra a tradição da Igreja, mesmo a Igreja do primeiro século, ensinavam que não devemos comer determinados alimentos. Em suma, não era uma crítica a "coisas de judeu", mas a uma negação da liberdade que temos em Cristo de comer, beber e casar.

Caldas faz uma interpretação desastrada dessa passagem, ao dizer que, como Paulo ensina que os falsos mestres pregam que não devemos comer "alimentos que Deus criou para serem recebidos", isso significa que alguns alimentos não foram criados por Deus para serem recebidos. Daí ele afirma que os alimentos que Deus criou para serem recebidos são aqueles da dieta judaica. Aqui ele está seguindo o mesmo padrão que vemos nos papistas: eles inventam uma tradição, então vêem nas brechas dos textos bíblicos espaços para encaixarem aquilo que acreditam. Paulo não está dizendo que existem alimentos que Deus criou para serem recebidos e outros para não serem recebidos, pois isso é ignorar a sentença seguinte, "com ações de graças". Ou seja, o Apóstolo está dizendo que os apóstatas proíbem as pessoas de comer alimentos que foram criados para serem recebidos com ações de graça, e não que existem alguns alimentos criados para serem recebidos com ações de graça e outros que não foram criados para serem recebidos com ações de graça.

Como podemos notar, na Bíblia é muito mais importante você comer com gratidão do que comer de forma saudável. Apesar disso, não podemos ignorar a questão da saúde. Adventistas estão certos em enfatizar a necessidade de uma alimentação saudável. O problema é que eles precisam provar também que os alimentos impuros da Lei Mosaica são menos saudáveis hoje em dia no nosso contexto do que alimentos puros. De qualquer forma, esse é um ponto que podemos aprender com eles, a ênfase no cuidado do corpo. Por outro lado, não podemos ignorar a ênfase bíblica na gratidão em detrimento da saúde.

Uma dificuldade que I Timóteo 4 levanta para a nossa posição é a necessidade de explicar o que significa o alimento ser santificado "pela palavra de Deus" (v.5). Caldas defende que os alimentos santificados pela Palavra são aqueles listados como puros na Lei de Moisés. Porém, é a própria Palavra de Deus que mostra que as leis relacionadas a pureza e impureza cerimoniais foram abolidas, de modo que essa interpretação dele é invalida. E agora? Para John Piper, uma coisa se torna santa ao ser separada para Deus como um meio de expressar seu valor infinito[8]. Como prova, ele usa Mateus 23.17, em que Jesus pergunta qual é o maior, "o ouro ou o santuário que santifica o ouro?". Aqui, o uso de ouro no santuário santifica o ouro, não porque seja um ouro diferente do ouro comum, mas porque ele recebe uma função de exaltação de Deus pelo modo como é feito parte do templo de Deus.

Assim, a Palavra santifica a comida ao torná-la, não apenas algo que enche nossas barrigas, mas um instrumento de adoração. Logo, Paulo não está falando dos alimentos que foram separados por Deus para a alimentação dos judeus no Antigo Testamento; pois, como o próprio Caldas disse, não é disso que ele está falando aqui, os apóstatas não estavam pregando abstinência de alimentos cerimonialmente puros. Paulo está falando da santificação de TODOS os alimentos que a Palavra de Deus faz, "tudo que Deus criou". Uma prova adicional é gramatical: O verbo usado ali, "hagiazetai", está no presente. Ou seja, o alimento não "foi santificado" no passado, na Lei de Moisés, ele está sendo santificado toda vez que nós o comemos com ações de graça.

Em Tito, Paulo começa falando sobre como deveriam ser os bispos/presbíteros, quando alerta que havia muitos insubordinados, palradores frívolos e enganadores, especialmente os judeus. Era preciso fazê-los calar, porque pervertiam famílias inteiras com suas falsas doutrinas. Portanto, Tito deveria repreender os tais severamente, e mandar que não se preocupassem "com fábulas judaicas, nem com mandamentos de homens desviados da verdade" (v.14). No versículo seguinte, Paulo os acusa de negarem uma doutrina importante: "todas as coisas são puras para os puros; todavia, para os impuros e descrentes, nada é puro". Por fim, temos a sentença: "no tocante a Deus, professam conhecê-lo; entretanto, o negam por suas obras; é por isso que são abomináveis, desobedientes e reprovados para toda boa obra".

O que significa que todas as coisas nos são puro? Que podemos fazer qualquer coisa, inclusive pecados, que não haverá problema algum? Se Paulo tem em mente o conceito de pureza e impureza da Lei, fica claro entender o que significa que tudo nos é puro: nada pode nos impedir de nos aproximar de Deus. Até mesmo o pecado, se coberto com o sangue de Cristo Jesus, já não causa nenhum impedimento para nós. Em Cristo estamos sempre aptos para a adoração. A menção a fábulas "judaicas" corrobora essa interpretação. Muitos judeus tiveram dificuldade em aceitar a abolição das leis cerimoniais, e alguns resistiram obstinadamente.

CONCLUSÃO

O argumento básico do texto de Caldas é que as passagens usadas por mim nesse artigo são tiradas do contexto pela Igreja para justificar sua crença. Através dessa breve análise dos textos, entretanto, creio ter demonstrado que, ainda que alguns desses textos não estejam preocupados diretamente com a questão das leis dietéticas, eles nos trazem lições importantes que podem ser usadas para refletirmos sobre esse assunto. Além disso, temos passagens que claramente falam da abolição das leis cerimoniais do Antigo Testamento, e a distinção entre alimentos puros e impuros está claramente inclusa nisso, de tal modo que a separação que eles fazem de leis de saúde e leis cerimoniais é injustificada. Não se trata de algum "pressuposto antijudaico", mas do claro ensino bíblico. Se eles acusam a Igreja de tirar versículos do Novo Testamento do contexto para justificar a abolição do sábado ou da dieta, podemos acusá-los de tirar tais mandamentos do seu contexto do Antigo Testamento para justificar sua permanência.

O assunto dos alimentos puros e impuros ilustra um problema que muitos protestantes enfrentam: ao questionar uma tradição, acabam contrariando a própria Bíblia. Nós tentamos não ser controlados, em nossa interpretação, por aquilo que a tradição diz, mas ignoramos que, assim como a tradição é falha, nós somos falhos também. Devemos, sim, seguir a sola scriptura, mas ouvir o que a tradição tem a dizer também pode ser útil para nos livrar de certos erros. Se a Igreja tem seguido alguma doutrina por tanto tempo, antes de tentar derrubá-la, precisamos examinar com mais cuidado as suas bases; ou então, ao invés de subir em ombros de gigantes, podemos nos assemelhar a formiguinhas tentando derrubar a poderosa rocha da Palavra de Deus.

REFERÊNCIAS

[1] CALDAS, Davi. Por que a maioria dos cristãos não crê na distinção bíblica entre alimentos puros e impuros? Disponível em: <https://reacaoadventista.com/2018/11/11/por-que-a-maioria-dos-cristaos-nao-cre-na-distincao-biblica-entre-alimentos-puros-e-impuros/>

[2] KAISER JR, Walter. O Plano da Promessa de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2011.

[3] MATHISON, Keith. The Church and Israel in the New Testament. Disponível em: <https://www.ligonier.org/learn/articles/the-church-and-israel-in-the-new-testament/>

[4] CONFISSÃO BELGA. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/credos/confissao_belga.htm>

[5] EXPOSITOR'S BIBLE COMMENTARY - MARK 7. Disponível em: <https://biblehub.com/commentaries/expositors/mark/7.htm>

[6] EXPOSITOR'S GREEK TESTAMENT - ACTS 15. Disponível em: <https://biblehub.com/commentaries/egt/acts/15.htm>

[7] GENEVA STUDY BIBLE - ACTS 15. Disponível em: <https://biblehub.com/commentaries/gsb/acts/15.htm>

[8] PIPER, John. What God Made Is Good — And Must Be Sanctified: C.S. Lewis and St. Paul on the Use of Creation. Disponível em: <https://www.desiringgod.org/messages/what-god-made-is-good-and-must-be-sanctified-c-s-lewis-and-st-paul-on-the-use-of-creation>