Situações do cristão no cativeiro, deserto e Canaã (parte 1)

O que é o “Cativeiro” na vida cristã

Talvez você já tenha visto pessoas dizendo “estou em um deserto, Deus ainda não respondeu minha oração, estou sofrendo com esta situação”. Até mesmo pregadores podem incorrer no erro de dizer que a falta de resposta de Deus significa que a pessoa está no deserto. Muitas pessoas passam por situações difíceis, não veem saída para seus problemas, e acreditam que estão no deserto, quando, na verdade, estão no “Cativeiro”.

Mas, o que é de fato o “Cativeiro”, e como sabemos que estamos nele? Pois bem, vejamos algumas passagens bíblicas sobre como os hebreus foram parar no Egito, para sabermos como o povo de Deus passou por sofrimento, escassez e escravidão. Na realidade, muitos problemas podem ser evitados se soubéssemos o que é o “Cativeiro” e o que deveríamos fazer para não estar nele.

1.1 Características do “Cativeiro”: não, não e não

No meio evangélico o termo “estar no Egito” é uma analogia entre o homem na escravidão do pecado e a situação de escravidão dos Hebreus no tempo de Êxodo. Comumente é associado à vida do homem antes de aceitar a Jesus como Senhor e Salvador. Ou seja, é a vida mundana, entregue ao pecado, pensando-se que está tudo bem, quando não está. O homem, no Egito, está em um cativeiro, é escravo do pecado e satanás (faraó), o seu senhor.

Mas, é bíblica esta analogia?

Jesus disse certa vez:

Se vós permanecerdes na minha palavra, verdadeiramente sereis meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.

Responderam-lhe: Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém; como dizes tu: Sereis livres?

Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado (João 8:31-34).

Jesus estava dizendo que o homem, sem a verdade que liberta, era escravo do pecado. Assim com os Hebreus sofriam nas mãos de faraó, o homem sem Jesus está com o espírito morto:

Ele vos deu a vida quando estáveis mortos pelos vossos delitos e pecados, nos quais noutro tempo andastes conforme o curso deste mundo, segundo o chefe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência; entre os quais todos nós também outrora andávamos nas cobiças da nossa carne, fazendo as vontades da carne e dos pensamentos, e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais (Efésios 2:1-3).

Observe, segundo os versículos da citação, que o Egito é qualquer lugar no qual Deus não mandou você estar (andando conforme o curso deste mundo), obedecendo a ordens de quem Deus não quer que você obedeça (segundo o chefe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência), fazendo o que Deus não mandou você fazer (entre os quais todos nós também outrora andávamos nas cobiças da nossa carne, fazendo as vontades da carne e dos pensamentos). Ou seja, é estar completamente fora do centro da vontade de Deus. Isso pode acontecer por diversos motivos, e a atitude do cristão nesses momentos vai atrair ou afastar as bênçãos, vai fazer você sofrer ou superar as piores dificuldades.

1.2 O descrente no Egito

Você pode estar pensando agora: “conheço pessoas que não seguem a Cristo, são más e estão muito bem, enquanto eu sirvo a Cristo e estou em situação pior, era melhor quando eu estava no mundo”. Cuidado, pois pensamentos assim fizeram com que toda uma geração morresse no deserto. Um grupo de hebreus desejou voltar ao Egito e Deus se aborreceu com eles.

Pode parecer ilógico, mas no Egito há suprimento. Os homens sem Deus podem se alimentar, vestir, trabalhar, morar em casas boas, pois Deus faz com que o sol nasça sobre justos e injustos, e digno é o obreiro do seu salário, seja cristão fiel ou não. É ordem de Deus: o homem pecador, trabalhando (com o suor do rosto), tem direito a alimento. Foi o que Deus disse a Adão, depois que este pecou. Deus não disse que o pecador iria ficar sem comer. Isso é a misericórdia de Deus em ação e devemos agradecer a Ele por permitir que os homens sem Jesus sejam supridos, pois todos nós, um dia, estávamos na mesma situação. Como lemos na citação de Efésios, nós também éramos por natureza filhos da ira.

Mas, apesar do suprimento, no Egito há sofrimento. Não temos a mínima noção, no reino do espírito, do que é estar no mundo sem Jesus. Voltar ao Egito é condenar a própria alma ao sofrimento do inferno. Quem não conhece a Jesus como dizem as Escrituras, não sabe que já está condenado:

Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.

E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.

Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus (João 3:18-21).

Perceba que a condenação está conjugada no presente: “está condenado”, e não no futuro. Jesus não disse que os incrédulos serão condenados, a perdição para estes é agora, mesmo com todo suprimento. Assim como os hebreus sofriam no Egito, a alma do descrente já está condenada hoje por amar mais as trevas (as suas obras más) do que a luz (Jesus), não é um sofrimento futuro no inferno depois da morte física.

Outro sinal de que a vida do homem bem sucedido, mas sem Deus, não deve ser invejada, está no Salmo 73, de Asafe, o líder de louvor na época de Davi. Ele teve a coragem de escrever que estava a um passo de se desviar ao ver que homens maus estavam prosperando enquanto ele, que liderava o louvor no templo, estava na penúria. Realmente, não é fácil a pessoa se dedicar uma vida inteira em louvar a Deus, e ver essa mesma vida passar por apertos que parecem infindáveis. Veja alguns trechos do que Asafe escreveu:

Verdadeiramente bom é Deus para com Israel, para com os limpos de coração.

Quanto a mim, os meus pés quase que se desviaram; pouco faltou para que escorregassem os meus passos.

Pois eu tinha inveja dos néscios, quando via a prosperidade dos ímpios.

Porque não há apertos na sua morte, mas firme está a sua força. Não se acham em trabalhos como outros homens, nem são afligidos como outros homens.

Por isso a soberba os cerca como um colar; vestem-se de violência como de adorno.

Os olhos deles estão inchados de gordura; eles têm mais do que o coração podia desejar.

São corrompidos e tratam maliciosamente de opressão; falam arrogantemente.

Põem as suas bocas contra os céus, e as suas línguas andam pela terra.

Por isso o povo dele volta aqui, e águas de copo cheio se lhes espremem.

E eles dizem: Como o sabe Deus? Há conhecimento no Altíssimo?

Eis que estes são ímpios, e prosperam no mundo; aumentam em riquezas.

Na verdade que em vão tenho purificado o meu coração; e lavei as minhas mãos na inocência.

Pois todo o dia tenho sido afligido, e castigado cada manhã.

Se eu dissesse: Falarei assim; eis que ofenderia a geração de teus filhos.

Quando pensava em entender isto, foi para mim muito doloroso;

Até que entrei no santuário de Deus; então entendi eu o fim deles.

Certamente tu os puseste em lugares escorregadios; tu os lanças em destruição.

Como caem na desolação, quase num momento! Ficam totalmente consumidos de terrores.

Como um sonho, quando se acorda, assim, ó Senhor, quando acordares, desprezarás a aparência deles.

Assim o meu coração se azedou, e sinto picadas nos meus rins.

Assim me embruteci, e nada sabia; fiquei como um animal perante ti.

Todavia estou de contínuo contigo; tu me sustentaste pela minha mão direita.

Guiar-me-ás com o teu conselho, e depois me receberás na glória.

Quem tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há quem eu deseje além de ti.

A minha carne e o meu coração desfalecem; mas Deus é a fortaleza do meu coração, e a minha porção para sempre.

Pois eis que os que se alongam de ti, perecerão; tu tens destruído todos aqueles que se desviam de ti.

Mas para mim, bom é aproximar-me de Deus; pus a minha confiança no Senhor DEUS, para anunciar todas as tuas obras

(Salmos 73:1-28)

1.3 O cristão no Egito

Falamos do homem sem Jesus, no Egito. Mas, o cristão pode estar no Egito, e ainda sofrer nele? Pode. Os hebreus eram o povo de Deus, mas ser povo de Deus não quer dizer estar livre do cativeiro. Parece ilógico, mas acontece. E muito. E não é culpa de Deus. Aliás, todo sofrimento é característica e resquício do Egito. A diferença é que, assim como os primogênitos dos Hebreus foram salvos pela marca do sangue do Cordeiro nas portas e janelas de suas casas, o cristão com Jesus, no Egito, tem o livramento da morte eterna. Jesus já nos avisou que no mundo teríamos aflições, mas devemos é nos animar, pois o Senhor que venceu o mundo nos dá garantia de vitória sobre essas aflições.

Um exemplo de crente fiel a Deus, no Egito, é José, um dos doze filhos de Jacó, bisneto de Abraão, herdeiro da promessa que Deus havia dado ao bisavô, que viveria refesteladamente em uma terra que mana leite e mel. Só que aconteceu exatamente o contrário. José foi vítima da inveja e ódio dos irmãos, vendido por eles a uma caravana e se tornou escravo no Egito. Nada de Canaã, nada de promessa. José morreu sem ver Canaã, mas mesmo assim foi abençoado de forma extraordinária.

Tudo de ruim que o mundo ofereceu a ele, José venceu: em uma terra estranha, longe da família (que, aliás, não era lá bom exemplo de família), foi acusado injustamente de violentar a esposa do seu amigo e patrão, e foi preso. Mas José era fiel, mesmo diante de todas as situações contrárias às bênçãos que Deus havia revelado a ele em sonhos. Você consegue se imaginar em uma situação assim?

Quaisquer situações dessas podem trazer para o homem um atraso de vida, sofrimento, desistência, pecado. Mas, para José, não! A postura dele foi literalmente impecável. Tanto, que Deus sempre fazia com que caísse na graça dos egípcios. Em vez de privações, ele só teve promoções, mesmo quando preso. De criado, tornou-se mordomo de Putifar, e na cadeia, o chefe da guarda o colocou como funcionário para cuidar dos presos. E na cadeia, ainda acreditava nos sonhos de Deus. Só uma pessoa consagrada poderia ter o nível de revelação rápida que ele teve ao interpretar os sonhos do copeiro e do padeiro do faraó.

Suas atitudes revelavam um excelente caráter, e não se deixava influenciar pelos perrengues que enfrentou. Ele poderia muito bem se revoltar e descontar em outros todas as injustiças que sofreu, poderia se “converter” aos deuses egípcios, já que El Shadai havia permitido tanta humilhação. Afinal, ele iria dominar sobre os irmãos, ou não? É assim que muitas vezes nos voltamos a Deus, questionando: cadê as bênçãos da vida abundante? Mas, ao contrário do que se podia esperar para a maioria dos cristãos, o Egito não influenciou José. Ele, sim, comandou o Egito.

É isso que tem que acontecer com o cristão no mundo: comandar, e não ser comandado. Jesus orou pedindo que Deus não nos tirasse do mundo, mas que nos livrasse do mal. E, mais ainda, o Senhor mesmo nos envia ao mundo, para sermos um, como Jesus é um com o Pai, e assim o mundo creia que Deus enviou Jesus, para fazer conhecido o Pai (Jo 17).

(Continua)