Fé e Oração

O combustível da fé é a oração. De fato, é a oração insistente e constante que faz com que a fé do cristão não esmoreça diante das provações e demoras de Deus. A oração alimenta a nossa fé, gerando intimidade com Deus e não permitindo que nos afastemos da vontade divina nem sequer por um segundo.

Em Lucas 18,1-8, encontramos uma parábola que versa sobre a importância da oração insistente e a sua relação com a fé. Os discípulos ainda se encontram subindo para Jerusalém junto de Jesus. Ao longo desta subida, o Senhor fala sobre o juízo Final e o retorno do Senhor (Lc 17,20-37). É o discurso escatológico de Lucas. Após proferir esse discurso, Jesus, ainda nesse contexto, resolve falar acerca de algo que provavelmente impacientava os seus discípulos, a saber: a demora do retorno do Senhor e da vitória final do bem sobre o mal.

Ao propor a parábola da viúva insistente, Lucas, provavelmente, tinha em mente os seus primeiros ouvintes. Estes, na década de 80 da era cristã, nos inícios da expansão do Evangelho, estavam vivendo um momento tenso. Afinal, o cristianismo começava a enfrentar as suas primeiras rejeições da parte dos judeus e dos romanos. A religião nascente começava a ser combatida e perseguida. Muitos cristãos se angustiavam diante da possibilidade de terem de dar a vida por causa da fé e se questionavam acerca do motivo pelo qual o Senhor não abreviava esse tempo e punha, logo, um fim a este mundo. A dor da comunidade cristã estava centrada no fato de Deus ter aparentemente abandonado os seus filhos. Parecia que suas orações não eram ouvidas pelo Senhor. Neste contexto, o cristianismo corria um grande perigo: o arrefecimento da fé. Não por acaso, São Lucas resolve recordar a importância da insistência na vida de oração. Sem Deus nada podemos fazer. Se rezando enfrentamos problemas e as situações ao nosso redor parecem impossíveis de serem vencidas, muito pior será se não rezarmos. O cristão é chamado diante da dor, do sofrimento e das demoras de Deus a não abandonar a fé. Nos momentos de crise não se deve parar de rezar, mesmo quando a oração aparentemente não é atendida. Deus não é indiferente a dor de seus filhos e aos seus sofrimentos. É preciso aprender a enfrentar as demoras de Deus com confiança. O ritmo de Deus é diferente do tempo dos homens. Por isso, na oração do Pai Nosso, o cristão pede ao Senhor que, em sua vida, seja feita a vontade do Pai e não a sua.

A parábola do Evangelho apresenta dois personagens antagônicos: uma viúva injustiçada e um juiz iníquo. A viúva pertence ao grupo dos anawins, os pobres de Israel. A essa classe pertenciam três grupamentos sociais: o órfão, a viúva e o estrangeiro. Essas pessoas são recordadas no Antigo Testamento como uma classe que necessita de uma atenção especial da parte de Deus, pois eles não têm voz e nem vez. A legislação de Israel previa um cuidado especial para essas pessoas. A viúva era aquela que não tinha mais quem a defendesse, pois, numa sociedade patriarcal, seu marido, o homem da sua vida, já lhe fora tirado. A mesma situação vivia o órfão, desprovido de pai e de mãe, seus primeiros defensores. O estrangeiro tinha a sua indigência agravada devido ao fato de estar longe de sua terra e de seus familiares. Essa tríade social sofria na pele os efeitos de sua vulnerabilidade. Por isso, não podiam ser maltratados ou explorados.

Do outro lado da história, encontrava-se aquele que era o responsável pela execução da justiça em Israel: o juiz. Este não devia deturpar o direito e o ofício que recebera da parte de Deus. Por força de seu posicionamento social devia zelar pelas classes menos favorecidas. No entanto, o juiz da parábola era um homem injusto. Aquele que devia fazer cumprir a justiça era o primeiro a descumpri-la. Era um homem imoral e impiedoso. No entanto, a insistência daquela pobre viúva começava a lhe incomodar e por medo. Isso levou-lhe a refletir. Jesus, em sua infinita sabedoria, se aproveita desta imagem do juiz iníquo, que em nada se assemelha a Deus, a não ser no ofício de julgar, para reafirmar a justiça divina que segue por caminhos diferentes da justiça dos homens. Se alguém que é mal consegue se converter e agir bem, o que não fará aquele que é o autor da própria bondade em benefício de seus filhos que clamam por Ele dia e noite? A parábola da viúva e do juiz mal é um grande grito de alerta para o cristão. Deus não é indiferente ao sofrimento de seus filhos! Se ele demora é porque o seu tempo não é o dos homens e algo melhor do que aquilo que se pede está para acontecer. Portanto, cabe ao cristão, em meio a dor e sofrimento, não se desesperar e manter a confiança naquele que tudo pode mudar: Deus.

Aqui, pode-se estabelecer uma relação entre fé e oração. A oração alimenta a fé e a fé sustenta a oração. Uma acaba por ser expressão da outra. É por meio da oração que se exercita a fé, que impulsiona a já se tomar posse daquilo pelo que se reza, tal como ensina a Carta aos Hebreus (Hb 11,1). Diante das provações, o cristão é chamado a sustentar o fogo da fé por meio da oração confiante ao Senhor. As demoras de Deus, antes de se tornarem empecilho para nossa salvação, devem se converter em estímulo e força para que se persevere com confiança nos caminhos do Senhor. Daí brota a conclusão preocupada de Jesus: será que o Filho do Homem, quando voltar, encontrará fé sobre esta terra? Será que os cristãos conseguiram entender essa realidade? Quando a vida aperta é que se deve, mais do que nunca, aderir a Deus de tal modo que não se consiga separar dele, tal como não se separa a água do vinho.

Oxalá, esse trecho do Evangelho de Lucas seja um grande alento ao coração do cristão e, se por acaso, alguém se encontrar desanimado possa, ao ler essa página da Sagrada Escritura, ouvir o próprio Senhor dizer: “Sustenta o fogo meu filho! Pois, eu sou contigo e não sou indiferente a tua dor!

Frei Michel da Cruz
Enviado por Frei Michel da Cruz em 20/10/2019
Reeditado em 20/10/2019
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