C. H. SPURGEON E A PANDEMIA DE CÓLERA DE SUA ÉPOCA

C. H. SPURGEON

E A PANDEMIA DE CÓLERA DE SUA ÉPOCA

Autor: Marcos Paulo A. Morais

22.03.2020

A cólera asiática teve início na Índia por volta de 1817. Em razão das manobras militares dos ingleses naquele país, conquistando-o militarmente, os ingleses contraíram a doença e levaram para o seu continente depois, e de lá para todos os demais continentes. Naquele ano se iniciava a primeira pandemia (rigorosamente, uma epidemia generalizada) do mundo moderno. O surto teve uma primeira eclosão, em 1832, e depois, uma segunda epidemia generalizada, em 1848 que se estendeu até o final daquele século.

Naquele tempo, ainda não se sabia o que ocasionava aquelas intensas diarreias advindas de uma infecção no intestino, que levava o indivíduo a desidratação (perdia em torno de 2litros por dia), parada cardíaca, etc. pois somente em 1883, um Alemão cientista conseguiu descobrir a bactéria que causava tal doença.

No Sermão cujo título “campos brancos para a colheita”, baseado em Jo 4:35, pregado no Tabernáculo Metropolitano, na noite de 29 de julho de 1866, C. H. Spurgeon faz referência a tal pandemia da cólera:

“Quer sejamos colhidos ou não na colheita, há um ceifeiro que está silenciosamente reunindo-nos a cada hora. No momento atual há um sussurro que ele está afiando sua foice. Esse ceifador é A MORTE! Você pode olhar esta grande cidade como campo de colheita, e toda semana as contas da mortalidade diz-nos com firmeza e quão seguramente a foice da morte se move para lá e para cá (...) e aqueles que eram homens vivos são levados, como feixes para o transportador, transportado para o cemitério e posto de lado. Você não pode parar a morte deles; mas, oh, que Deus possa ajudá-lo a parar tal madição! Você não pode impedir a respiração de sair do seus corpos; mas, oh, que o evangelho possa impedir que as almas deles ande até a destruição!

(...) Agora mesmo, a cólera voltou. Pode haver pouco casos, suponho, mas duvido que a coléra já esteja aqui de alguma maneira com considerável força, e provavelmente pode ser pior. O cristão não precisa temer porque ele não tem nada a perder, mas tudo a ganhar pela morte. Ainda, para o bem dos outros, ele pode muito bem orar para que Deus evite Sua mão, e não deixe sua ira queimar. Mas, como está aqui, acho que deve ser um motivo para o esforço ativo. Se alguma vez houver um tempo quando a mente é sensível, é quando a morte está sendo vista externamente.

Eu me recordo, quando cheguei a Londres, quão ansiosamente as pessoas ouviam o evangelho, pois a cólera estava furiosa. Houve pouco de escárnio. Durante todo o dia, e às vezes a noite toda, eu andava de casa em casa, e vi homens e mulheres morrendo e, oh, quão felizes eles estavam em ver meu rosto! Quando muitos tiveram medo de entrar em suas casas para que eles não pegassem a doença mortal, nós que não temos medo de tais coisas, nos encontramos mais alegremente, e nos ouviram falar de Cristo e das coisas divinas.

E agora, novamente, é a hora do ministro; agora é a hora de todos vocês que amam almas. Vocês podem ver homens mais alarmados do que já estão? e, se assim for, lembre-se de aproveitar a oportunidade para fazer bem a eles. Você tem o bálsamo de Gileade; quando as feridas deles ficarem firmes, despeje-o. Você sabe sobre aquele que morreu para salvar; fale-lhes Dele. Levante bem alto a cruz diante dos olhos deles. Diga a eles que Deus se tornou homem para que o homem pudesse ser elevado a Deus. Conte-lhes sobre o Calvário, seus gemidos, gritos e suor de sangue. Diga-lhes que Jesus está pendurado na cruz para salvar os pecadores. Diga a eles que

– Há vida num olhar do Crucificado.

Diga-lhes que Ele é capaz de salvar ao máximo todos os que vêm a Deus por Ele. Diga-lhes que Ele pode salvar até a décima primeira hora e dizer ao ladrão moribundo: hoje estarás comigo no paraíso”.

Spurgeon, no volume I, capitulo 33, com o título “os anos de cólera em Londres”, da autobiografia, com o título acima mostrada na fotografia C.H.Spurgeon Autobiografia: Diário, Cartas e recordações, diz ele que:

“...No ano de 1854, quando eu tinha estado em Londres apenas com doze meses, o bairro em que trabalhei foi visitado pela cólera asiática, e minha congregação sofreu com suas incursões. Família após família me chamou ao lado do ferido, e quase todos os dias eu era chamado para visitar uma sepultura.

A princípio, entreguei-me no ardor juvenil à visita dos doentes e fui enviado de todos os cantos do distrito por pessoas de todas as classes e religiões; mas, logo, fiquei cansado de corpo e doente de coração. Meus amigos pareciam cair um por um, e eu sentia ou imaginava estar doentio como aqueles ao meu redor. Um pouco mais de trabalho e choro teria me deixado abatido entre os demais; Senti que meu fardo era mais pesado do que eu podia suportar e estava pronto para afundar sob ele. Eu estava voltando tristemente para casa depois de um funeral, quando, como Deus desejou, minha curiosidade me levou a ler um jornal que estava enrolado na janela de um sapateiro na rua Great Dover . Não parecia um anúncio comercial, mas exibia, com uma boa caligrafia arrojada, as seguintes palavras:

“Se você se refugiar no Senhor, se fizer do Altíssimo seu abrigo,

nenhum mal o atingirá, nenhuma praga se aproximará de sua casa. Salmos 91:9,10”

O efeito sobre o meu coração foi imediato. A fé se apropriou da passagem como sua. Eu me senti seguro, revigorado, cingido de imortalidade. Continuei minha visita aos moribundos, em espírito calmo e pacífico. Não senti medo do mal e não sofri mal. A Providência que levou o comerciante a colocar esses versículos em sua janela, reconheço com gratidão; e na lembrança de seu maravilhoso poder, adoro o Senhor meu Deus.

Durante essa epidemia de cólera, embora eu tenha tido muitos compromissos, mas desistir deles para ficar em Londres a fim de visitar os doentes e os moribundos. Eu senti que era meu dever estar no local em um período de doença e morte e tristeza. Numa segunda-feira de manhã, fui acordado, por volta das três horas, por um toque agudo da campainha. Fui convidado, sem demora para visitar uma casa não muito longe da London Bridge. Eu fui. Subindo dois pares de escadas, fui levado a uma sala, e os únicos ocupantes do lugar eram uma enfermeira e um homem moribundo.

"Oh, senhor!" exclamou a enfermeira, quando entrei, "Cerca de meia hora atrás, o Sr. Fulano me implorou que o chamasse."

"O que ele quer?" Eu perguntei. "Ele está morrendo, senhor", respondeu ela.

Eu disse “sim, Eu vejo”. Sei quem é ele, o tipo de homem que ele era.

A enfermeira disse Ele voltou para casa de Brighton ontem à noite, senhor; ele ficou fora o dia todo. Eu procurei por uma Bíblia, senhor, mas não há nenhuma na casa; Espero que você tenha trazido uma com você. "

“Oh!" Eu disse: “uma Bíblia não lhe seria útil agora. Se ele estiver podendo me entender, eu poderia dizer a ele o caminho da salvação com as próprias palavras das Escrituras. ”

Fiquei ao lado dele e falei com ele, mas ele não reagia ao que eu falava. Eu falei de novo; mas a única consciência que ele tinha era um pressentimento de terror, misturado com o pavor da aproximação da morte. Em seguida, até isso se foi, porque sua consciência tinha se ido, e eu fiquei lá, por alguns minutos, suspirando com a pobre mulher que cuidara dele e completamente sem esperança sobre sua alma.

Olhando para o rosto dele, percebi que ele estava morto, e que sua alma havia partido. Aquele homem, em sua vida, costumava zombar de mim. Em linguagem forte, ele costumava me denunciar como hipócrita. No entanto, ele quando assim sendo ferido pelos dardos da morte em razão da qual ele procurou minha presença e conselho, sem dúvida sentiu em seu coração que eu era um servo de Deus, embora ele não quisesse dizer com os lábios. Lá estava eu, incapaz de ajudá-lo. Prontamente respondi ao seu chamado, mas o que eu poderia fazer senão olhar para o cadáver e lamentar sobre uma alma perdida. Ele, quando saudável, recusou perversamente a Cristo, mas em sua agonia da morte, ele supersticiosamente me chamou. Tarde demais, ele desejou pelo ministério da reconciliação, e procurou entrar pela porta fechada, mas ele não foi capaz. Não havia mais espaço para ele se arrepender, pois ele tinha desperdiçado as oportunidades que Deus havia lhe concedido há muito tempo.

Eu fui pra casa e logo foi chamado de novo. Naquele momento, para ver uma jovem mulher. Ela também estava na última extremidade, mas era uma visão boa e agradável. Ela estava louvando, embora soubesse que estava morrendo; e conversava com irmãos e irmãs para depois eles seguirem-na rumo ao céu, oferecendo bons “adeus” ao pai e sorrindo o tempo todo como se fosse um belo de dia de casamento dela. Ela estava feliz e abençoada. Eu nunca mais na minha vida percebi mais visivelmente naquela manhã a diferença existe entre quem teme a Deus e quem não o teme”

Ao findar o século XIX, todos os países por onde passara o flagelo haviam desenvolvido diferentes estratégias de prevenção e combate da Cólera, e a mortandade já havia diminuído, principalmente pelo descobrimento da eficácia do cloro na água, em 1908, e do saneamento básico das grandes cidades, já que a cólera tá associado a ingestão de alimentos contaminados e da água não tratada.

Em relação ao novo Coronavírus, o poder de transmissão é muito maior do que fora a cólera, e os efeitos que ele está produzindo, acredito eu, deve levar a um despertamento espiritual para grande parte dos cristãos e conversões daqueles que “o conhecia somente de ouvir”, fato esse que ocorrera na época de Spurgeon.

Na década de 70 a 90, principalmente os anos 80 e 90, foram tempos de grande crescimento de pessoas aderindo ao ambiente evangélico das igrejas e do ponto de vista da vivência de um experiência genuína da espiritualidade cristã por parte dos evangélicos. Dos anos 2000 adiante, foi havendo o crescimento tanto do joio nas igreja mais tradicionais, quanto do fermento dos fariseus (crescimento dos neopentecostais, aqui no Brasil, Universal do Reino de Deus, Igreja Mundial do Poder de Deus, Igreja Internacional da Graça, Sara Nossa Terra, etc.), e isso causou um falso cristianismo morno, sem vida, com meras frequências a cultos; outros, em busca de riquezas, de milagres para curas de suas doenças físicas e de sucesso profissional

Acredito que diante do caos mundial, de eventos apocalípticos se manifestando de forma cada vez mais frequentes, guerras, violência urbana, mortes, crises econômicas... isso cause uma crise na consciência das pessoas, levando-as a um despertar espiritual e uma busca por uma verdadeira espiritualidade.

Termino com esse trecho do Sermão, já citado acima, “campos brancos para a colheita”, baseado em Jo 4:35, pregado na noite de 29 de julho de 1866, quando a Cólera estava furiosa em Londres:

“...Dizia-se - não sei se era verdade - que uma apatia singular havia conquistado a mente do público, e que não havia nada que pudesse agitar isso. Continuamente se dizia que era uma época em que ninguém se importava com nada, e eu acho que era quase um fato verdadeiro. Ninguém se importava com qualquer coisa que se fazia ou não. Desde que as pessoas pudessem estarem razoavelmente em paz, elas pareciam muito bem satisfeitas, e se não tivessem o imposto de renda muito pesado a elas, nada mais preocuparia muito. Mas agora não é assim. Eu acho que vejo o começo de uma agitação na mente do público. Até a agitação política dos últimos dias, com tudo o que alguém lamentaria, ainda mostra que a mente do público está se mexendo, pois geralmente ocorre um despertar a cada vinte anos. As pessoas vão dormir por um longo tempo, mas de repente elas começam a esfregar os olhos e a perguntar sobre isso, sobre aquilo e sobre algo mais. Bem, agora é a hora, quando o espírito é despertado, para pregar o Evangelho àquela mente desperta. Parece-me que nenhuma oportunidade mais nobre poderia se apresentar do que agora. Agora é a hora quando todos as esquinas das ruas devem tocar a voz dos ministros, quando a Palavra de Deus deve ser distribuídas em todas as casas, quando você deve distribuir folhetos, não os folhetos ruins, longe disso, mas leve algo sólido neles, e estes devem ser dados aos milhões, pois apenas agora os homens são atenciosos e devem ter a grande realidade revelada para pensar. Eu acredito nisso, deixe que os outros pensem o que quiserem, conte que há sinais de uma colheita próxima.”