Vivemos nos Últimos Dias

"Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos." (II Timóteo 3.1)

Segundo Aguiar (2016), a expressão "nos últimos dias" é mencionada 14 vezes no Antigo Testamento, embora geralmente não tenha um sentido mais técnico como o que Paulo usa nesse texto, de modo que outras traduções frequentemente são preferíveis. Alguns estudiosos, entretanto, argumentam que algumas dessas passagens (nomeadamente: Is 2.2, Mq 4.1, Os 3.5, Ez 38.16, Dn 2.28 e 10.14) trazem uma conotação definitivamente voltada para a esperança messiânica e o fim da história humana.

Ainda conforme Aguiar, "últimos dias" surge como tradução adequada de três expressões semelhantes que aparecem em cinco passagens: 2Pe 3.3, At 2.17, 2Tm 3.1, Tg 5.3 e Hb 1.2. Fraseologias parecidas ainda aparecem em textos como 1Pe 1.5 e 20 e Judas 18. Para os autores do Novo Testamento, os últimos dias claramente já haviam começado em sua época, e iriam acabar quando a história humana terminasse, de modo que eles entendiam que a era da Igreja - o período entre a primeira e a segunda vinda de Jesus - é a era messiânica de que o Antigo Testamento fala. No texto de II Timóteo 3 temos uma prova disso no fato de que, após Paulo descrever como seriam os homens dos últimos dias, ele diz a Timóteo: "destes afasta-te" (2Tm 3.5), indicando que ele estava falando de uma realidade já presente.

A primeira característica dos ímpios descritas em 2Tm 3 é que eles seriam amantes de si mesmos. Esse é um defeito grave, que parece ser a raiz de todos os outros pecados descritos a seguir. Curiosamente, ser um amante de si mesmo não parece ser um problema na mentalidade contemporânea. Ao contrário, mesmo crentes ensinam que você deve amar a si mesmo. Os amantes de si mesmos são aqueles cuja vida está centrada neles próprios, e não em Deus, ou no próximo, quando a essência do verdadeiro amor é justamente considerar o objeto amado como mais importante do que você. "[O amor] não busca os seus interesses (...)" (I Coríntios 13.5).

Em II Timóteo 3 Paulo está seguindo uma intricada linha de raciocínio que vem desde o início da epístola. Quanto ao capítulo imediatamente anterior, Olubiyi Adeniyi Adewale argumenta que o núcleo da mensagem de II Timóteo 2 é a necessidade dos obreiros de Jesus sofrerem pelo Evangelho. O capítulo 3, nesse sentido, trata sobre coisas importantes que esses soldados de Cristo precisam saber, a começar pelo tipo de pessoas com quem eles teriam que lidar, pessoas que não apenas estão cativas sob o domínio de Satanás, mas também se tornaram parecidas com ele - note que a palavra "caluniadores" em 2Tm 3.3 é, no grego, "diaboloi", diabos.

Perceba que Paulo não está falando de pessoas ateias, mas de religiosos, provavelmente cristãos, pessoas que faziam parte da Igreja instituída, já que Timóteo deveria se afastar deles. Eles têm "aparência de piedade" (2Tm 3.5) inclusive, e alguns até podem alcançar cargos eclesiásticos, mas a religião que professam não tem nenhum impacto na sua vida prática. São pessoas que conhecem a Palavra de Deus, mas ainda que aprendam mais e mais, "nunca podem chegar ao conhecimento da verdade" (2Tm 3.7). Uma vez que elas já foram devidamente advertidas, é melhor que a Igreja se afaste delas, para que não contaminem outros, nem prejudiquem o nosso testemunho por seu mal comportamento.

ADEWALE, Olubiyi Adeniyi. Living in the Perilous Times: An African Reading of 2 Timothy 3: 1-5. UNION BIBLICAL SEMINARY, UBS Journal, Vol. 8.2-9.1, p. 38-60.

AGUIAR, Adenilton Tavares de. Apostasy on Christian Era. Kerygma, v. 12, n. 2, p. 11-39, 2016.