O Conceito Bíblico de Justiça e a Teologia da Prosperidade

“E quebrava os queixos do perverso, e dos seus dentes tirava a presa.” – Jó 29:17

Quando a maioria das pessoas hoje em dia lê "justiça" na Bíblia, tende a pensar em termos de moralidade privada, como castidade sexual ou diligência nas disciplinas espirituais. Mas na Bíblia, justiça tem um forte aspecto social. Conforme Tim Keller (2012), o termo significa conduzir todos os relacionamentos na família e na sociedade com justiça, generosidade e equidade. Ou, nas palavras do Salmo 112, o justo é aquele "que empresta com generosidade e que com honestidade conduz os seus negócios" (v.5). Fazer justiça é fazer o bem àqueles que necessitam, e também é confrontar os opressores.

No contexto do versículo acima, Jó dá alguns exemplos práticos do que significa fazer justiça: livrar o miserável e socorrer o órfão (v.12), alegrar o coração da viúva (13), guiar os cegos e sustentar os deficientes (15), ser pai dos necessitados e procurar se informar sobre as causas de que não se tem conhecimento (16), etc. A parábola de Jesus conhecida como “O Bom Samaritano” também é um exemplo paradigmático do que praticar a justiça significa, demonstrando o conceito de que todos nós somos responsáveis por ajudar as pessoas ao nosso redor.

Essa dinâmica de que para Jó praticar justiça era fazer o bem aos necessitados quebra o argumento que alguns defendem, usando inclusive Jó e outros homens ricos na Bíblia, como Abraão, Isaque, Jacó, Davi e Salomão, para dizer que todos os crentes têm também o direito de serem ricos como eles. Uma primeira coisa que esses deveriam se perguntar é se eles também vivem a dedicação à justiça de Jó. Uma segunda coisa é se realmente podemos afirmar que todos os órfãos, viúvas, necessitados e imigrantes de que a Bíblia fala que deveriam ser ajudados se encontram nessa situação por não crerem. Nem todos aqueles que participaram da aliança com Abraão – como nós também participamos se estamos em Cristo – se tornaram ricos.

Da mesma forma, o sujeito que usa versículos de II Coríntios 8-9 como argumento de que nós seremos necessariamente abençoados financeiramente nesse mundo é burro ou desonesto. O contexto é precisamente que havia cristãos que estavam passando tanta necessidade que PRECISAVAM DE AJUDA DE OUTRAS IGREJAS. Então como você diz, ô pastor malandrão, que todos os crentes podem ser ricos?

Pregadores da prosperidade, nesse sentido, são o total oposto de justos, pois a maioria deles ficou rica mentindo e enganando e, ao invés de investir pelo menos uma parte de sua fortuna e influência em tirar pessoas efetivamente da pobreza, eles ensinam que elas podem ficar ricas se ofertarem dinheiro nas instituições que eles gerenciam.

Nas palavras de Kasera (2012), considerando a natureza complexa da pobreza, as estratégias aplicadas para aliviá-la precisam ser biblicamente corretas, práticas e realistas. O discurso vazio dos pregadores da prosperidade acaba não tendo relevância nenhuma para a vida das pessoas; pelo contrário, ele as mantém em um estado de cativeiro por anos. Nesse sentido, pregadores da prosperidade também são o contrário de pessoas justas ao tirar dos necessitados, ao invés de ajudá-los.

Essa noção de justiça nega também a ideia de que a pobreza seja uma virtude. Se passar necessidade fosse algo bom, a Bíblia não nos convocaria tantas vezes a ajudar os pobres. Também significa que a riqueza não é algo ruim em si mesma, já que ela pode ser um instrumento importante na prática da justiça. Por isso Kasera diz que pregadores da prosperidade não precisam ser desencorajados a ensinar que as pessoas podem obter melhores padrões de vida. Ao invés disso, as pessoas devem aprender também sobre os perigos da riqueza, sobre a necessidade de compartilhar com outros o que se recebe, a desejar mais de Deus ao invés de buscar coisas materiais e usar o Senhor como um meio para fins econômicos. As Escrituras estão repletas de prosperidade, mas essa prosperidade não será totalmente realizada neste mundo.

Justiça é trazer liberdade aos que estão presos, em qualquer sentido. A pobreza extrema é uma forma de prisão, pois limita nossas possibilidades. Há também outras prisões de ordem política, social, física, moral, emocional e espiritual que também precisam ser quebradas, e para isso precisamos usar os recursos que temos disponíveis para nos levantarmos contra tudo aquilo que oprime os homens, inclusive os pregadores da prosperidade.

Que o Senhor quebre os dentes de todos os Malafaias, Macedos e outros endemoniados que ainda oprimem os pobres, em nome de Jesus.

KASERA, Basilius M. The biblical and theological examination of prosperity theology and its impact among the poor in Namibia. A Master’s Thesis: South African Theological Seminary, 2012. Disponível em: <https://www.sats.edu.za/wp-content/uploads/2019/10/THE-BIBLICAL-AND-THEOLOGICAL-EXAMINATION-OF-PROSPERITY-THEOLOGY.pdf>.

KELLER, Timothy. What is Doing Justice? In Generous justice: How God's grace makes us just. Penguin Books, 2012. Disponível em: <https://www.thegoodbook.co.uk/common/productfiles/gj-Look%20Inside.pdf>.