Ao final de um ano tão conturbado, tão sofrido, ainda celebramos o Natal. Para além da banalidade, superficialidade e falsidade que se propõe como uma alternativa para essa época, há algo maior acontecendo, nem todos veem, nem todos aceitam, mas ainda assim, acontece. Celebrar o Natal, no sentido cristão, não se trata apenas de fazer memória a um evento remoto. Nada tira a grandiosidade daquele evento, a prova de amor contida no gesto de um Deus que rompe os céus e se faz pequeno, frágil, homem por amor. Aquele evento, no entanto, precisa ter em nossa vida uma força memorial, isto é, de atualização. Em suma, é preciso que o menino nasça de novo, e de novo, sempre em cada coração, mais ainda, todas as circunstâncias do Natal narradas biblicamente precisam também se tornar presentes e atuantes em nossa vida hoje. O nascimento de Jesus, levando em conta tudo o que conduziu àquele momento e todas as consequências desse fato, precisam ser não apenas lembrados, mas vividos.
     Em tempos como o nosso, onde vigora a ditadura do egoísmo, do individualismo, olhar para a forma como Deus se comporta em relação à humanidade pode nos dar pistas de como superar o desespero no qual cada dia mais estamos mergulhando. Nos perguntamos, como experimentar isso em um mundo que cada vez mais se esquece de Deus, ou, se não esquece escolhe ignorá-lo? Bento XVI em um de seus textos afirma: “é verdade que quem não conhece a Deus, mesmo podendo ter muitas esperanças, no fundo está sem esperança, sem a grande esperança que sustenta toda a vida. A verdadeira e grande esperança do homem que resiste apesar de todas as desilusões, só pode ser Deus que nos amou, e ama ainda agora ‘até o fim’, ‘até a plena consumação’.” (SS 27). Toda esperança humana que não tem a marca do eterno é limitada, pobre, manca. O natal é a oportunidade de acolher em nós mesmos o nascimento da grande esperança, aquela que não sucumbe ao sofrimento, aquela que não cai em tentações, aquela que é fértil e banhada de amor.
     Para experimentar a esperança que nasce no natal é preciso tomar consciência da atitude de Deus, da novidade, isto é, do novo meio pelo qual Deus quer nos falar, não mais por profetas, não mais por símbolos, é Ele mesmo que vem. “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. [...] Ele era a luz verdadeira que ilumina todo homem; ele vinha ao mundo. Ele estava no mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu. [...] E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós; e nós vimos sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único, cheio de graça e de verdade.” (Jo 1, 1.9-10.14). Deus sempre esteve atuante em sua criação, sempre acompanhou com olhar amoroso o caminho da humanidade, porém, na plenitude dos tempos, e no transbordamento de seu amor, Deus mesmo se fez carne. Não bastou a Deus ser próximo da humanidade, Ele mesmo a assumiu. Podemos, parafraseando o Evangelista João, afirmar que ‘A esperança se fez carne, e habitou entre nós’. Bento XVI, se referindo à figura de Maria, ao receber o anúncio do anjo, diz: “Assim compreendemos o santo temor que vos invadiu, quando o anjo do Senhor entrou nos vossos aposentos e vos disse que daríeis à luz àquele que era a esperança de Israel e o esperado do mundo. Por meio de vós, através do vosso ‘sim’, a esperança dos milênios havia de se tornar realidade, entrar neste mundo e na sua história.” (SS 50). O Natal é grande demais para a razão humana, mas é preciso que hoje, como Maria, apesar do nosso temor e assombro diante desse gesto de Deus, também como ela, digamos ‘sim’ para que Ele nasça em nosso coração. Celebrar o Natal é permitir, acolher a esperança que quer nascer em nós, experimentar o amor inesgotável de Deus, que quis se tornar ainda mais palpável.
     No entanto, a forma como Deus entra na humanidade nos chama a atenção; é na pobreza, na simplicidade, na periferia. Por que? “ela deu à luz seu filho primogênito, envolveu-o com faixas e reclinou-o numa manjedoura, porque não havia um lugar para eles na sala.” (Lc 2,7). Não havia lugar para Deus! Não havia lugar para o Amor, não havia lugar para a Esperança! E mesmo sem lugar, mesmo sem acolhida, Deus veio ao mundo. “Graças ao misericordioso coração do nosso Deus, pelo qual nos visita o Astro das alturas, para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra da morte, para guiar nossos passos no caminho da paz.” (Lc 1, 78-79). A Esperança nasce na periferia, na pobreza, no sofrimento e no abandono, porque, assim como rompeu os céus e se encarnou, Ele também rompe nossas trevas, e com sua luz eterna ilumina todos os cantos de nossa vida. É pelo Natal que Deus coloca em prática, de maneira concreta e palpável o seu grande plano, a redenção da humanidade. Nunca nos esqueçamos disso: para salvar a humanidade o primeiro passo de Deus foi o esvaziamento, o diminuir-se e fazer-se servo. Possamos, neste Natal não apenas recordar este gesto, mas, acolhendo esta Esperança que nasce, viver segundo esse amor. Seja o nosso coração não apenas um ‘berço’ ou ‘manjedoura’, mas lugar onde Deus possa também permanecer, e mais ainda, agir. A partir deste natal sejamos nós ‘Sinal da Esperança’ no mundo, testemunhas do amor de Deus, canais pelos quais sua presença seja experimentada no mundo. Feliz e Santo Natal, que a Esperança habite em você!
Abra a Porta e Hiago Fonte Boa
Enviado por Abra a Porta em 25/12/2020
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