Ponto de Virada: Cavalos, Mulheres e a Quebra da Aliança

“E faziam subir e sair do Egito cada carro por seiscentos siclos de prata, e cada cavalo por cento e cinquenta; e assim, por meio deles eram para todos os reis dos heteus, e para os reis da Síria” – II Crônicas 1.17

Alguns trechos das Escrituras registram interessantes situações de pessoas justas fazendo negócios e prosperando. No versículo acima, lemos que Salomão fez de Israel um intermediário em um negócio lucrativo de exportação de cavalos do Egito para os heteus e sírios.

A divina sabedoria que o rei recebeu, nesse sentido, fez dele um governante empreendedor que foi capaz de encontrar meios para seus projetos, inclusive a construção do Templo de Jerusalém, o que fez de seu reino um centro de comércio internacional. Apesar disso, conforme I Reis, Salomão cometeu alguns erros, como explorar exageradamente o povo via impostos, o que provocou uma dolorosa cisão no seu reino sob o governo de seu filho.

Essa falha do rei em pensar no longo prazo explica por que a glória de Israel no seu tempo não durou muito, de modo que, conforme Benjamim Wellls (1921), cinco anos após a sua morte, o Faraó do Egito saqueou Jerusalém. Segundo ele, o comércio exterior super estimulado pode ter exaurido os recursos da terra em benefício do tesouro real, dando aos agentes do Estado, inclusive ao sucessor de Salomão no trono, uma ilusão estéril de riqueza infinita às custas dos governados, o que tornou a situação do Estado de Israel insustentável.

Andrew Halladay (2010) argumenta que o motivo por que Salomão se volta à adoração a outros deuses depois de terminar o Templo foi político. Incapaz de manter a popularidade necessária para garantir a adoração exclusiva ao deus de seu pai, Salomão teria apelado a uma série de interesses, inclusive o culto a outros deuses, para evitar agitações políticas. De fato, o relato bíblico nos mostra que uma forma de politeísmo – ou, pelo menos, henoteísmo – estava presente em Israel e em Judá até, pelo menos, o retorno do Exílio Babilônico.

Nesse sentido, uma das formas que a falta de fé se manifesta é na associação com pessoas que podem nos conduzir a caminhos que não são do agrado do Senhor, o chamado “jugo desigual”. Esse tipo de comunhão prejudicial pode se manifestar em diferentes áreas, como nos negócios, no casamento e até mesmo na membresia de uma Igreja que não tem qualquer critério em chamar de irmãs pessoas que se dizem cristãs mas vivem abertamente em pecado sem arrependimento. Nem Salomão, em toda a sua sabedoria, pôde escapar do risco mortal das alianças escusas.

Não se engane, associações erradas e más companhias vão fazendo as pessoas se desviarem aos poucos. Pequenos deslizes ficam cada vez piores até levar a uma apostasia completa. O versículo acima exemplifica isso ao mostrar Salomão quebrando frontalmente um pequeno mandamento, que muitos não entenderiam sua real importância: o de não multiplicar cavalos, especialmente cavalos do Egito (Deuteronômio 17.16). A seguir Salomão também fez o contrário do que diz o versículo posterior, o que também apressou sua ruína: “Tampouco para si multiplicará mulheres, para que o seu coração não se desvie; nem prata nem ouro multiplicará muito para si” (Dt 17.17).

Embora Crônicas enfatize os acertos de Salomão, o cronista deixa passar, e o autor de I Reis fala muito mais abertamente sobre isso, como Salomão ignorou várias ordens dadas por Deus no Pentateuco, quebrando a aliança. Nas palavras de Ross Farley (2017), esse rei levou Israel para o auge da sua glória, mas também plantou as sementes da sua quase destruição no Exílio. Nesse sentido, o reinado de Salomão foi um ponto de virada na história Israel: o clímax antes do declínio fatal.

DIAS, Elizangela Chaves. A Vida de Sara e o Cumprimento da Promessa-Aliança. 2016. Tese de Doutorado. PUC-Rio. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/27718/27718.PDF>.

FARLEY, Ross. Release: Turning points and destinations on the way to freedom in the

Bible story. 2017. Disponível em: <https://assets.tearfund.org.au/files/TEAR_Release_Framework.pdf>.

HALLADAY, Andrew. The Ascension of Yahweh: The Origins and Development of Israelite Monotheism from the Afrasan to Josiah. 2010. Disponível em: <https://scholarship.claremont.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1004&context=pomona_theses>.

WELLS, Benjamin W. How Solomon Was Wise. The Sewanee Review, v. 29, n. 4, p. 449-466, 1921.

WOJCIECHOWSKI, Micha&#322;. Economy and business in the Bible. The Bible and economics, p. 403-413, 2014.