"O luto é vazio, escuridão, falta de sentido, falta de utilidade, paralisia. Mais do que tudo, é a morte gradual dentro de nós, da pessoa amada, que faz morada em nosso coração." Henri Nouwen

     Antes de tudo e do luto, o Amor. Antes de tudo o transbordar de amor da trindade que em meio ao vazio preenche as trevas gerando vida a partir do nada. Três pessoas atemporais agindo em unidade de forma constante para preencher, vivificar e ordenar no caos. Criando o homem e a mulher, sua obra prima para viverem em adoração ao Criador e desfrutando dele eternamente. De repente a escolha, homem e mulher que eram livres para vida, no pós queda se submetem a prisão real da morte física, social, cósmica e espiritual. Com o pecado, vem a morte. E assim nasce o luto, a luta pela sobrevivência, pela primeira vez a terra conhece a morte. 
     A palavra luto sempre me transporta ao tempo da infância onde um sino ressoando dia e noite anunciava que mais um ente querido de alguém havia partido. Tenho lembranças vagas de pessoas mais próximas sendo sepultadas, e confesso que por anos evitei frequentar velórios e cemitérios, nas poucas vezes que me permitir essa experiência me esforçava ao máximo para sair com muita rapidez. Aos poucos fui compreendendo que o luto é luta, é guerra que parece não cessar.
     Pouco se fala sobre o luto, evitamos com todas as forças em nossos diálogos diários abordar algo que diz respeito a perda daqueles que amamos, seja dos que ainda vivem ou dos que já se foram sem dizer adeus. Simplesmente ao pensar a respeito do luto me vêm uma certa estranheza e sensação de deslocamento, confesso para vocês a minha disponibilidade para refletir quase que diariamente sobre a realidade da morte, não apenas da minha, mas daqueles que estimo e amo. Pensar sobre a morte me traz tanta esperança, alguns me olhariam com estranheza, mas é assim que me vejo diante da morte, esperançoso.
     Nesses dias relendo anatomia de uma dor do querido C.S.Lewis mais uma vez tive dificuldade de me identificar com a forma como ele expressa o luto e as sensações que desfrutou nesse processo. Nesse ponto me vejo reagindo de forma diferente ao lidar com o luto, digo isso porque até gostaria de questionar por ver alguém que amo profundamente partir, mas não consigo, nem sei dizer se a maturidade nos deixa mais questionador. Espero um dia descobrir. 
     Na morte de H, C. S. Lewis expressa esse trecho que me toca profundamente: “... onde está Deus? Esse é um dos sintomas mais inquietantes. Quando você está feliz, muito feliz, não faz nenhuma ideia de vir a necessitar dele, tão feliz, que se ver tentado a sentir suas reivindicações como uma interrupção; caso se lembre e volte a Ele com gratidão e louvor, você será – ou assim parece – recebido de braços abertos. Mas, volte-se para Ele, quando estiver em grande necessidade, quando toda outra forma de amparo for inútil, e o que você encontrará? Uma porta batendo na sua cara, ao som do ferrolho sendo passado duas vezes. Depois disso o silêncio."
     Esse trecho do livro me encanta, é de uma sinceridade chocante, já na primeira vez que li fiz um esforço de tentar me colocar no lugar do Lewis, não consegui. Até porque considero uma tarefa divina se colocar no lugar do outro. E minha sensação frente a perda foi o contrário disso. Não percebia esse silêncio e essa “ausência de Deus”. A cada dia estou mais convicto que em nossa breve existência temos reações diferentes diante das perdas, e ao juntar cada relato, cada processo e reações humanas na realidade do luto encontro a possibilidade de aprender com a história do outro.
      Na minha experiência de luto recente, pude perceber o quanto meu pai, José, deixou um legado de alegria e sabedoria pra nossa família, capaz de não me guiar ao vale dos questionamentos direcionados a Deus. Vivi uma certa sensibilidade de perguntar pra o meu pai meses antes: o senhor está se despedindo? No que ele respondeu: estou com saudades de Casa. Ele tinha um desejo tão profundo de voltar pra origem, e Deus o atendeu.
     Esse diálogo foi crucial pra desfrutar ainda mais da sua companhia. Todas as vezes que recordo esses dias lembro-me de um trecho da canção Saudade que diz: “mais o que ninguém ensina nem no livro e nem na escola é lidar com a dor de ver alguém partir, eu peço a Deus alguma ajuda me ensina e Ele me diz meu filho eu também sofro, mas isso terá um fim.” Nesta certeza do fim com Cristo desfruto de paz.
     Na descoberta do quanto maior o Amor maior o luto me dei conta do quanto amei, o quanto me dediquei e o quanto aproveitei e não fiz jamais do amor dedicado ao meu pai uma espécie de centro da minha existência. 
     Todas as vezes que lembro dele e as lágrimas me sobrevêm, lágrimas de alegria me traz sua imagem sorridente e lembro de uma das frases que mais me marcaram em uma dessas ligações de pai e filho que vivem distantes geograficamente, ele dizia: "as vezes eu me sinto o filho e você o pai, porque você me ensina muito." Desconheço melodia mais nobre do que ouvir essas palavras saindo da boca de um sábio pai.
     Digo com certeza que um dos maiores desafios do nosso tempo é assimilar o fato que é Deus quem dá o fôlego de vida e Ele mesmo que recolhe esse fôlego. Reduzimos a vida apenas ao aspecto biológico. Esse entendimento de um Deus que "mata e faz viver" foi crucial para dia após dia viver tão intensamente, e jamais esquecendo uma das máximas cristã: "quer vivamos ou morramos somos do Senhor."
     O luto nos convida para a luta, nos faz lembrar nossa finitude e nos coloca cara a cara com a realidade da morte que deveria gerar em nós mais alegria que tristeza, já que nosso lar não é aqui. Mesmo no esquecimento que o luto gera em nossa mente em relação aos que amamos, que possamos lembrar dessa verdade: "Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai das misericórdias e Deus de toda consolação, que nos consola em toda nossa tribulação..." 2 Co 1.3-4 
     O próprio Criador e sustentador de todas as coisas é suficiente a nós e só nele podemos declarar: quanto maior o luto, maior o Amor. O Amor de Deus que transcende os nossos dramas, dores e o luto. “O cálice da vida é tanto o cálice da alegria como o cálice da tristeza. É cálice no qual as tristezas e as alegrias, a dor e a felicidade, o luto e a dança nunca se separam. Se as alegrias não pudessem estar onde as tristezas estão, o cálice da vida jamais poderia ser bebido. É por isso que temos de segurar o cálice em nossas mãos e olhar atentamente para ver as alegrias escondidas em nossas tristezas.”
     Talvez você esteja vivendo esse luto, viva intensamente, mas não se esqueça...Deus está vivendo contigo e esse cálice Ele sabe bem como compartilhar. Que o luto te leve a luta de viver para Cristo e ter nele o consolo que dura eternamente.
Abra a Porta e Osvaldo Santos
Enviado por Abra a Porta em 20/01/2021
Código do texto: T7164025
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