O que você faria por amor? O que faria por amor à humanidade? Ou, ao contrário, o que você merece que seja feito por você? Quando paramos para refletir acerca disso, nos deparamos com a miséria da humanidade – vemos aqui ao mesmo tempo as mazelas em que o mundo está envolvido, a maldade das pessoas, e também nosso próprio egoísmo, a nossa falta de amor. Tudo isso deveria gerar em nós um desespero, uma angústia contínua que nos levaria enfim ao não sentido – mas ainda que não compreendamos o amor, Ele nos amou: “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.” (Jo 3, 16). O ato supremo de amor de Deus não cabe na lógica humana, nossa compreensão limitada só pode ser iluminada com os olhos da fé, através de uma verdadeira experiência de encontro com Cristo – em suma, é preciso sentir – não no sentido mágico, do calafrio, do espetáculo de fogos ou das apoteoses, antes, é preciso sentir com o coração aberto, o amor de Deus, e assim, compreender o que Ele fez e tem feito por nós. Se tomamos o evangelho de João, logo no prólogo notamos a expressão radical desse amor de Deus pela humanidade: “ No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito. O que foi feito nele era a vida, e a vida era a luz dos homens, mas as trevas não a apreenderam. [...] Ele era a luz verdadeira que ilumina todo homem; ele vinha ao mundo. Ele estava no mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu. [...] E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós.” (Jo 1, 1-5.9-10.14a).
     O movimento de amor da parte de Deus, exerceu, de maneira ainda mais efetiva e plena o que já vemos no livro do Êxodo: “Eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci a fim de libertá-lo [...]” (Ex 3, 7-8a). Desta vez, na plenitude dos tempos Deus desce, se esvaziando do seu ser divino, fazendo-se em tudo igual aos homens, menos no pecado. Desta vez, é o próprio Deus, feito homem que irá iluminar o caminho de seu povo, tirá-lo das trevas do pecado – a maior escravidão do homem. Ele, se faz carne “para iluminar os que jazem nas trevas e na sombra morte, para guiar nossos passos no caminho da paz.” (Lc 1,79). O amor de Deus por nós não cabe em nossas medidas, e o fazer-se homem foi parte de um plano ainda maior de libertação, de salvação para a humanidade que todos os dias se perde em meio às trevas que ela própria cria e recria. O Amor fez-se carne, habitou entre nós, e nós, perdidos nas trevas, ainda assim não fomos capazes de despertar em nós o amor-resposta, nossa vocação mais profunda. 
     O mundo rejeitou o Amor, porque Ele irradia luz sobre nós, mostra nossa fraqueza: “Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as travas à luz, porque suas obras eram más. Pois quem fez o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam demonstradas como culpáveis”. (Jo 3, 19-20). Fugimos do Amor, a luz é demais para nossos olhos, demais para nosso pecado, demais para nosso orgulho. O mundo se fechou, optou pelas trevas, e mesmo com o Amor encarnado iluminando o caminho, nos escondemos nas vielas da vida. E por mais que Cristo apelasse ao nosso coração: “ Por pouco tempo a luz está entre vós. Caminhai enquanto tendes luz, para que as trevas não vos apreendam: quem caminha nas trevas não sabe para onde vai! Enquanto tendes a luz, crede na luz, para voz tornardes filhos da luz”. (Jo 12, 35-36) – ainda caminhávamos perdidos pelo mundo, negando a luz.
     Mas o Amor, ah, o Amor... “O amor é paciente, o amor é prestativo [...] tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará”. (1Cor 13, 4.7-8). O Amor, que é a Luz do Mundo entrou na treva humana, na noite do nosso pecado. A Luz precisava ser vencida pelas trevas, para que pudesse vencer as trevas – a noite do pecado só pode ser vencida pela morte que é capaz de fazer germinar uma vida nova. Era necessário que o Amor subisse aquela montanha, era necessário que o Amor morresse no alto daquela cruz. Só assim, da morte do Amor, por amor é que a Esperança pôde nascer no coração dos homens, e o fruto da Esperança não é outro senão Amor. O Amor, precisou entrar nas trevas para que sua Luz pudesse ali extirpar o pecado. Nada além de Amor justifica a derrota, a vergonhosa morte, o escárnio, a entrega, o sacrifício dAquele que não tinha nenhuma mancha. O Amor morreu! E por sua morte arrastou consigo todos os que estavam nas trevas para uma vida nova, uma vida com novo sentido, porque pela morte do autor da Vida, experimentamos o seu Amor, nos encontramos com Aquele que nos quis para si desde sempre, e nos amou antes mesmo de existirmos. 
     Eis-nos de novo diante dessa ‘passagem’, dessa Páscoa, de novo, e não como simples data comemorativa o Amor que atualizar em nossa vida todo seu mistério de amor. Cristo, a Luz do mundo nos convida de novo à passagem, da morte à vida, das trevas à luz. Mas como faremos isso? Como fazer a passagem? Ele mesmo nos diz: “Eu sou a LUZ DO MUNDO quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida”. ‘Seguimento’, viver verdadeiramente a Páscoa, a festa cristã, não é senão um convite ao seguimento de Cristo, Ele, a Luz vai à frente, iluminando o caminho, dissipando as trevas, apontando a direção, ensinando seu amor. A Páscoa nos chama a uma vida na Luz de Cristo, uma vida que se torna testemunho no mundo, não tenhamos medo, por mais que o caminho nos assuste, por mais que os sofrimentos e dificuldades apareçam ao longo da vida, por mais que a morte pareça nos vencer, no fim, de nós, será dito, como foi dito àqueles que foram procurar o corpo de Cristo morto: “Por que procurais entre os mortos aquele que vive? Ele não está aqui: ressuscitou.” (Lc 24, 5b-6a). Viver a Páscoa é compreender que a vida passa pelas trevas, mas também compreender que somos habitados pela Luz que é Cristo. Permita que esta Luz inunde seu ser, permita-se a Páscoa, torne-se também Luz do Mundo. 

REFERÊNCIA

BÍBLIA DE JERUSALÉM. 1ª Ed. 9ª reimpressão. São Paulo: Paulus, 2002.
Abra a Porta e Hiago Fonte Boa
Enviado por Abra a Porta em 02/04/2021
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