Como existem tantos cristãos que defendem que bandido bom é bandido morto?

No atual conservadorismo cristão existem muitos que defendem que bandido bom é bandido morto, e que os movimentos de respeito aos direitos humanos representam apenas uma tolerância indevida ao crime. Em um extremo, infelizmente comum, muitos cristãos conservadores acham a tortura uma forma legítima de se tratar um criminoso.

 

E para os não conservadores isto parece ser uma contradição gritante. Afinal os Evangelhos estão entre os primeiros textos na história da humanidade a fazer uma dura crítica a lei do Talião, a filosofia do olho por olho. A principal inovação moral do cristianismo é a ideia de amar ao próximo como a ti mesmo, perdoar setenta vezes sete e virar a outra face. Ama teu inimigo é uma defesa radical de uma solidariedade extrema.

 

E de fato mesmo entre as comunidades cristãs conservadoras há uma aceitação clara dos ex-pecadores. Ex-drogado, ex-macumbeiro, ex-ladrão e até o ex-assassino. Mas ao mesmo tempo que o cristão conservador se admira com o poder de cura espiritual do cristianismo, ele também defende total intolerância ao crime, e ainda esta preso no pensamento que a vingança é a forma primária de justiça.

 

Isto nos deveria fazer refletir. Será que há algo oculto na moral cristã que incentiva a lei do Talião? Apesar da mensagem dos evangelhos, a lógica da reciprocidade, do punir o mal na mesma moeda é bem presente no Velho Testamento. E muitas vezes esta mentalidade de uma moral negativa, centrada em proibições e punições, acaba por prevalecer sobre a moral propositiva de perdão e solidariedade.

 

Isto não acontece apenas na questão criminal. Podemos falar, por exemplo, das famílias tradicionais que se recusam a aceitar a validade da “Lei da Palmada”, e acreditam que o castigo físico é parte essencial na educação de seus filhos. Ou ainda nos vários adestradores de animais que usam de reforço negativo e castigos físicos como parte central da domesticação.

 

No centro de nossa visão espiritual esta a ideia do pecado, da queda do homem, da existência humana como existência pecaminosa. Para o cristão o sofrimento é o resultado do erro humano, e o sofrimento pode ser um instrumento aprendizado e de purificação. Uma pessoa só valorizaria a alegria se sentisse tristeza, só entenderia o valor da comida se passasse fome, só seria capaz de ter prazer se também sentir dor.

 

O conceito do sofrimento como meio de enobrecimento e purificação esta presente na ideia do martírio, da penitência, do sacrifício. Ao negar os prazeres da carne o homem purificaria o espírito. E no ato definidor do cristianismo esta ideia se também se faz presente. Para perdoar o homem de seus pecados Deus se faz homem e se permite ser torturado, imolado, sacrificado.

 

Com isto passamos a considerar que aquele que nunca sofreu é um homem menor, e que a única forma de aprender é errar e sofrer pelo erro. A moral cristã se baseia em um curioso paradoxo: a dor é positiva, o sofrimento é uma virtude.

 

Uma das ideias mais polêmicas de Nietzsche é a ideia de que a solidariedade com aquele que sofre é algo negativo. Muitos confundem esta ideia com uma falta de empatia, com frieza e indiferença perante o sofrimento dos outros. Não é. A ideia do filósofo alemão é que ao nos compadecermos do sofredor acabamos por multiplicar o sofrimento. Ao oferecer consolo, acabamos por ter duas pessoas em sofrimento.

 

A verdadeira empatia seria não oferecer o consolo, mas incentivar a transformação. Ser um fator de ajuda para superar a dor, para vencer o sofrimento. Não falar que os mansos herdarão o reino dos céus, e sim tentar transformar a existência aqui, na vida terrena.

 

O sofrimento é parte inevitável da vida, e devemos estar pronto para ele. Mas não devemos ser perversos a ponto de elogiar, prezar e valorizar a dor. Não devemos confundir vítimas com heróis. Sofrer não faz ninguém melhor, pelo oposto.

 

A criança que sofre castigos físicos quando faz malfeitos não aprende a fazer o bem. Aprende que aquele que é forte consegue se impor ao fraco. O animal que sofre o castigo físico não passa a respeitar o dono, nem aprende os seus limites. Apenas aprende a ter medo.

 

O criminoso que recebe um castigo humilhante e degradante não aprende a não cometer crimes, nem passa a entender o sofrimento de sua vítima. Apenas passa a temer e ter revolta contra a autoridade. A dor não é instrumento didático, é instrumento traumático.

 

O sofrimento não enobrece, e sim embrutece. A história nos mostra isto. Na paz e na harmonia aprendemos a ser solidários. Na dor e na angústia ligamos o modo de sobrevivência, que muitas vezes vira “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Basta impedir 4 ou 5 refeições seguidas em um grupo para acabar levando-o para a barbárie.

 

Não é a toa que após desastres ou pandemias temos mais conflitos, guerras e criminalidade. A dor nada ensina. Mas é muito difícil superar milênios de doutrinação defendendo o sofrimento como meio de superação.

 

O sofrimento não é um meio de superação, e sim aquilo que devemos superar.