CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2023 – O FLAGELO DA FOME

A Campanha da fraternidade sempre ocorre no tempo quaresmal, porém não é uma campanha sobre a quaresma e seus exercícios de piedade tão comum no povo cristão, mas, implica um olhar social da fé diante de uma realidade sofrida. Nesse sentido, somos convidados a viver a Quaresma à luz da campanha da Fraternidade, num espirito de conversão tanto pessoal, como comunitário-eclesial e social.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propõe a todo povo de Deus pela 60ª vez, desde 1964, em edição nacional, a Campanha da Fraternidade. A mobilização apresenta este tema pela terceira vez, a primeira foi em 1975, a segunda, 1985. O objetivo da Campanha em 2023, que tem como o tema: Fraternidade e fome, e o lema: “Dai-lhe vós mesmos de comer!” (Mt 14,16), é sensibilizar a sociedade e a Igreja para enfrentarem o flagelo da fome, sofrido por uma multidão de irmãos e irmãs, por meio de compromissos que transformem tal realidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo.

Diante da temática, entendemos a fome como um termômetro para sabermos quando o nosso organismo sente falta do necessário para viver. De fato, é um fenômeno biológico que aciona uma sensação passageira de desconforto, um sinal breve do corpo, que indica a hora de comer, afinal, toda criatura tem a necessidade básica do alimento. Na sociedade, a fome é uma tragédia, um escândalo, é a negação da própria existência. O papa Francisco nas comemorações dos 75 anos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) disse: “Para a humanidade, a fome não é só uma tragédia, mas também uma vergonha. Em grande parte, é provocada por uma distribuição desigual dos frutos da terra, à qual se acrescentam a falta de investimentos no setor agrícola, as consequências das mudanças climáticas e o aumento dos conflitos em várias regiões do planeta. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Diante desta realidade não podemos permanecer insensíveis ou paralisados. Somos todos responsáveis”.

Sabemos que a situação da fome não vem de Deus, mas sim da ganância do homem e dá má distribuição dos alimentos em sociedades superfaturadas e individualistas. Falta-nos a efetiva conversão ao Evangelho, olhar com sinceridade as necessidades do outro, aprender a repartir para que ninguém fique com fome, edificar aqui e agora o reino de Deus que tanto buscamos e que se realizará em plenitude na eternidade. Não obstante, não temos apenas fome de alimento material, mas fome de Deus que é o Pão do céu, de paz, fraternidade, verdade, concórdia, justiça e de vida em plenitude. Toda a Campanha deseja VER a realidade, ILUMINAR com a luz da palavra e por fim AGIR para transformar a realidade. O tema é inspirado no evangelho de Mateus 14,16, cujo texto retrata a multiplicação dos pães, que nos indicam luzes para o caminho transformador e da esperança. Assim, Jesus querendo subir a montanha para rezar, depara-se com uma multidão de famintos, e naquele momento não pôde nem mesmo colocar a própria angústia em primeiro lugar. Jesus é, em toda a sua vida e atuação, o grande exemplo de despojamento. Ele se esvazia do próprio sofrimento para dar lugar, em seu próprio coração, ao sofrimento do outro. Antes de curar a si próprio, Ele se dedica em curar os sofrimentos dos outros, eis o exemplo da verdadeira compaixão. A ordem de Jesus é um duplo convite que une interioridade e exterioridade que nos move à prática: “dai-lhes vos mesmos de comer!” (Mt 14,16). Está aí, o verdadeiro milagre, o da partilha. A Eucaristia é partilha! Quando comungamos o corpo e sangue de Jesus, nos remete a uma responsabilidade social. A eucaristia não pode ser um ato isolado, individual, interior, mas, através da graça divina que nos alimenta, possamos transbordar o nosso coração solidariedade e comunhão com aqueles que estão a nossa volta. O pão da vida é também uma ordem para o pão da mesa. Não podes partilhar deste pão, se não partilhas os sofrimentos de quem passa necessidade.

No Brasil mais de 33 milhões de pessoas estão passando fome, triste realidade perante o descaso das políticas públicas. O flagelo da fome é causado por vários aspectos, entre elas uma política agrícola perversa, que coloca o sistema produtivo a serviço do sistema econômico-financeiro, no Brasil não se produz para comer e sim para lucrar e exportar. É contraditório dizer que em um país com o maior número de produtores de alimentos, ainda existam milhares de pessoas passando fome, especialmente nas áreas rurais e suburbanas. A perversidade da política salarial. Não é apenas o preço do alimento que é alto, é o salário que é demasiadamente baixo e desvalorizado. A fome deriva da pobreza. Comportamentos morais lamentáveis como a busca egoísta do dinheiro, do poder e da imagem pública. A subnutrição crônica; O desmonte de todo o Sistema Nacional de Segurança alimentar e Nutricional (ISAN) programas de Aquisição de alimentos (PAA) e do programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A fome está ligada a sede, à escassez de água. Não será possível garantir segurança alimentar sem que seja também garantida a segurança hídrica. A questão da moradia, mas em especial no crescimento da desigualdade social, acelerado pela pandemia. Estas pessoas são de certa forma – invisíveis, descartáveis à sociedade brasileira. A aversão e desprezo aos pobres, aos famintos e vulneráveis (Aporofobia), consequência da insegurança alimentar, tendo alimentos que são prejudiciais à saúde (alimentos ultrapassados, ricos em açúcar, gordura e conservantes) que causam doenças crônicas, como diabetes, doenças cardiovasculares, hipertensão, câncer, e problemas de saúde mental como depressão e ansiedade. Combater a fome é construir saúde humana e ambiental. A cultura do descarte e do desperdício, aquilo que descartamos ou desperdiçamos, é precisamente, o que falta à mesa dos famintos e miseráveis. A educação, na escola precisamos aprofundar e aperfeiçoar estes bons hábitos, dando razões para eles, é preciso cuidar da educação alimentar e da alimentação saudáveis nas escolas e universidades. (Grifos do autor)

Muito se tem contribuído para combater a fome atualmente, como as igrejas, os Movimentos Sociais, as ONGs e outras instituições como a sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), os Vicentinos, Caritas Brasileira, Pastoral da Criança, o plano governamental Fome zero, e a intensificação da economia Solidária, que age sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente.

Há quem diga, que a solução para enfrentar tal flagelo é o assistencialismo. Embora ajude nos momentos mais agudos, não transforma efetivamente as estruturas de pecado. Ações assistenciais são importantes na medida em que respondem a situações emergenciais. Não podem, entretanto, serem as únicas no enfrentamento da fome.

Por conseguinte, o papel da Igreja é profético. Cabe-nos defender os interesses de Deus, que são os interesses do pobre, do faminto. A fome ofende a Deus. O problema da fome não é só meu, é nosso. Que abramos as práticas quaresmais sobretudo na transformação do nosso jejum e penitência em alimento para quem precisa. Que tenhamos a corresponsabilidade enquanto comunidades eclesiais para agir em favor de políticas públicas eficazes para o combate à fome, principalmente de Estado, e investimentos a partir da responsabilidade social das empresas.

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Campanha da Fraternidade 2023: Texto-Base. Brasília: Edições CNBB, 2022.

Melquisedec Carlos Fardin
Enviado por Melquisedec Carlos Fardin em 15/02/2023
Código do texto: T7720067
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.