A PSICOLOGIA DA CABALA

 

  1. O ESPÍRITO

 

Espírito, na ótica cabalista é uma função da alma na sua vida terrestre. É uma derivação da Energia que a alma prodigaliza ao ser humano e que este utiliza em suas ações, no exercício do seu livre arbítrio.  A Cabala identifica três componentes na Alma: Nefesh, que é o espírito vital, ou seja, o fluído vital que permanece junto ao corpo até a sua decomposição; Ruach, a parte intelectual, que toma a forma do corpo e se incorpora ao mundo espiritual como energia em suspensão; Neshama, a centelha de Luz divina que se reintegra á Deus depois de cumprida a sua missão na terra. Ruach e Nefesh constituem o que chamamos de espirito, propriamente dito. São reflexos da mente e do corpo, alimentados pela energia despendida na vida, em pensamentos e ações. Por serem energia podem ser capturados pela mente humana, o que, em nossa intuição, justificam os fenômenos espirituais. Por isso a Cabala diz que somente quando a Neshama, a centelha luminosa que é a nossa alma, retorna a Deus, a Nefesh descansa e Ruach entra no Paraíso.

A visão cabalística é mística e comporta uma grande dose de imaginação e poesia. No entanto ela nos parece interessante e bastante consentânea com a intuição do filósofo Teilhard de Chardin e com modernas concepções urdidas pelos estudiosos da mecânica quântica.

 Para Chardin o espírito é resultado da atividade psíquica produzida pelo homem. Ele provém de uma concentração de energia sobre o cérebro, gerando uma “mente” que, por sua vez, também emite energia em forma de pensamentos. Eis como ele entende esse fenômeno e como ele se materializa numa fórmula que dá sentido e orientação à própria atividade humana sobre a terra. O universo, na cosmogonia teilhardiana, pode ser visto como o conjunto total das realidades espalhadas ao longo da reta espaço-tempo. Com a emissão dos pensamentos por parte do homem, uma nova camada de elementos, que ele chama de Noosfera, passou a envolver a terra. A Noosfera pode ser entendida como a centralização da totalidade energética despendida pelos homens, em todos os tempos, no ato de pensar. É o conjunto das reflexões humanas que se concentra sobre si mesma, criando uma espécie de “atmosfera espiritual”. É esse celeiro energético de pensamentos condensados que fornece o estofo para as nossas atividades psíquicas. Ele é o chamado Inconsciente Coletivo da Humanidade, na visão junguiana.

Desse celeiro energético formado pela totalidade das emissões psíquicas da humanidade saem todas as descobertas, todas as intuições, todas as realizações do espírito humano. Partindo dessa idéia, o processo de aculturação da humanidade passa a ser a jornada do seu espírito coletivo, em busca de uma união que se consuma num ponto único do tempo e do espaço, que Teilhard chama de Ponto Ômega. Visto dessa forma, a evolução pode ser representada por um cone onde a base representa a totalidade das realidades materiais e o seu vértice a totalidade das suas manifestações energéticas, concentradas em experiências de vida e convertidas em espírito.

   Assim, todas as manifestações do espírito humano são etapas de um processo de evolução cósmica, onde está presente, em maior ou menor grau, a energia na sua forma material, ou já convertida em matéria sutil.”[1]

 

O fenômeno da reencarnação

 

A alma, na ótica cabalista, é neutra. Ela, por ser uma centelha de Energia expelida pelo Criador em forma de Luz, não tem identidade nem pode ser contaminada, em sua essência, pelas atividades do ser humano em suas escolhas. Ela é pura Energia que se movimenta de um organismo a outro para dar-lhes a vida.

Já o espírito é individual. Ele tem uma personalidade, que se refere à uma pessoa determinada. Por isso dizemos “espírito de fulano”, “espírito de sicrano” etc. O espírito é uma decorrência da própria atuação do ser humano sobre a terra. Ele se forma através da nossa atividade psíquica. Ele é a totalidade das emanações psíquicas emitidas por um indivíduo na sua vida, e que, por também serem pura energia, incorporam-se ao acervo energético do universo, como diz Teilhard de Chardin com o seu conceito de Noosfera e que Jung chama de Inconsciente Coletivo.

Essa é a razão de sentirmos que o espírito sobrevive á nossa morte. Visto a partir dessa perspectiva, podemos entender que ele, de fato sobrevive porque se trata de um reflexo energético da personalidade do que fomos em vida. Por ser energia em suspensão na atmosfera ele pode ser conectado por mentes que desenvolveram sensibilidade capaz de conectar-se com essa dimensão energética.

Por isso pensamos que espíritos não “encarnam” em outras pessoas para viver outras vidas. Eles são energia derivada e não energia original, vindas da Luz Infinita do Criador. A reencarnação é um privilégio da alma. Ela é que reencarna e não o espírito. O que os médiuns captam em suas experiências mediúnicas são as energias suspensas na Noosfera e que podem ser identificadas com personalidades particulares de indivíduos já desencarnados. Isso nos parece bem plausível de acontecer, dada às propriedades da energia, que têm sido reveladas pela mecânica quântica. Essa, pelo menos, é a visão que a Cabala nos inspira com os seus conceitos sobre a espiritualidade.

O fenômeno espiritual conhecido como Gilgou, conceito cabalista que se refere à doutrina da reencarnação é que nos leva a fazer essa interpretação. Esse conceito diz que um espírito pode voltar à terra para ajudar um pai, um filho, um parente, um marido ou esposa, a reencontrar o caminho certo, do qual ele, ou ela, se desviou. Isso quer dizer: uma pessoa, por fazer parte de um mesmo grupo cultural, inclusive por laços de sangue, pode, mais facilmente capturar traços de personalidade de um parente morto para ajudá-lo a mudar a sua própria personalidade em proveito da salvação da sua alma.

Isso nos parece lógico. Nesse sentido, ousamos mesmo pensar que essa possibilidade pode ser estendida não só aos membros de um mesmo grupo cultural, ou família, mas também a todas as pessoas em geral, por entendermos que a humanidade, na sua totalidade, constitui uma família. Assim, o fenômeno do Gilgou não estaria circunscrito apenas a determinados grupos com identidades culturais vinculadas. Essa talvez, seja a grande intuição que justifica a verdade do espiritismo e explica os diversos fenômenos que essa doutrina já expôs ao mundo.

A volta de um espírito, nesse sentido, não é uma reencarnação, ou incorporação de uma entidade desencarnada em uma pessoa viva, mas sim uma influência psíquica oriunda de uma consciência desencarnada. Evidentemente esse fenômeno é mais passível de ocorrência dentro de grupos com vinculações culturais, orgânicas e psíquicas muito próximas. E também nos parece lógico que essa intuição tenha sido mais experimentada entre os judeus, cuja identidade cultural lhes dá uma verdadeira característica de “fratria”.[2]   


[1] Teilhard de Chardin- O Fenômeno Humano- Ed. Cultrix, 1959

[2] Frátria é a palavra que designa, na antiga Grécia, um grupo de pessoas que apresenta características similares, que se une pelo sangue, pelos costumes e pelas crenças religiosas. Significa, na verdade, um clã, que envolve não somente as pessoas ligadas pelo sangue, mas todos os componentes de uma determinada comunidade, cujos traços culturais são idênticos, principalmente em relação à religião e costumes sociais.