Tanto na doutrina da Cabalá quanto no espiritismo o objetivo é mitigar a força do nosso Ego, no seu Desejo de Receber só para si e compartilhar a Energia que as nossas almas recebem do Criador e têm a obrigação de veicular pelo universo da Criação.

Quem não recebe não tem para dar, mas quem recebe e não doa, provoca dor e sofrimento no mundo. Essa é a causa de toda infelicidade que grande parte da humanidade sofre. É o resumo do processo que chamamos pobreza e ignorância.

Todos fomos feitos com o Desejo de Receber. Ele é a noção nuclear da formação do nosso Ego. Todos podemos querer riqueza, poder, fama, autoestima, reconhecimento, amor, felicidade, prazer; essas são todas as coisas boas que a Luz Ilimitada do Criador pode nos conceder e não é errado, nem pecado, desejá-las.

Só que não podemos ser egoístas a ponto de querer receber e retê-la somente para nós. Ela pertence a todas as criaturas do mundo, e também a todas as demais realidades que a natureza desenvolve em seu processo de criação, porque todas são feitas da mesma Energia que compõe o nosso organismo.

Por isso, o Desejo de Receber, sem o desenvolvimento de um correspondente Desejo de Compartilhar, ou seja, a ambição de ter a Luz do Criador só para nós mesmos é como o desconforto da pressão que um excesso de alimento provoca em nosso estômago. Ele gera um grande acúmulo de gases provocando uma “prisão de ventre espiritual”.

A prisão de ventre intestinal provoca um desconforto físico muito grande. A prisão de ventre espiritual é pior ainda porque faz uma pessoa se sentir infeliz mesmo ostentando as melhores condições de vida possíveis. Já vimos isso acontecer com pessoas muito ricas ou famosas. Elas perdem o sentido da vida justamente pela opulência em que vivem.

Porque o sentido da vida está justamente no equilíbrio entre o Receber e o Comparti -lhar. É o princípio da conservação da energia. Ela precisa circular. Acumulada em um ponto único só gera calor e pressão. Podemos fazer uma analogia com uma represa que só recebe a água de um rio e não tem um sangradouro. Um dia ela se romperá por força da pressão da água acumulada nela.

Assim também acontece com a Energia que o Criador nos fornece. Todos nós a recebemos. Ela está armazenada em nossa alma. Se não a retransmitirmos ela causará a nossa ruptura espiritual, e esta, como sabemos, é a pior de todas as doenças.

 

Eis uma metáfora que desenvolvemos para ilustrar esse tema.

 

Houve uma vez uma terra devastada por uma longa seca. Com tantos anos sem chuva os rios secaram, as plantas morreram, as pessoas e os animais definharam de sede e fome. Tudo ia de mal a pior. Ninguém sabia mais o que fazer.

Um dia passou por lá um velho feiticeiro. Vendo a pobreza, o desespero e a angústia daquela gente, ele foi até o rei e prometeu fazer a chuva cair de novo naquela terra

―Como? ― Perguntou, desconfiado, o rei. 

―É fácil ― disse o feiticeiro. ―Vós não sabeis, mas na verdade, quem levou a chuva embora foi um dragão prateado que ficou muito zangado com o vosso comportamento em relação aos répteis que existem em vossa terra. Sabeis que cobras, lagartos, jacarés, salamandras, pertencem todos à família dos dragões? E vós os matais sempre que os encontrais, por isso o Grande Dragão prateado, que é o rei dessa espécie de animais, ficou aborrecido convosco e levou a chuva embora.

―E como ele pode fazer isso? ― perguntou o rei.

―Ele é, na verdade, um poderoso mago que controla as forças da natureza ― disse o velho feiticeiro. Guarda as chaves das comportas do céu e manda no tempo.

―E o que devemos fazer? – perguntou o rei.

―Eu posso trazer a chuva de volta, Majestade, mas antes deveis vos comprometer a me pagar duzentas moedas de ouro por esse resultado ― disse o feiticeiro.

― Pagarei o que for preciso, se fizerdes chover de novo no meu reino – disse o rei.

― Mas como vós fareis isso?

― Usarei a minha mágica para aprisionar os espíritos de todos os répteis da terra dentro da minha sacola ― disse o feiticeiro. ― Depois negociarei o resgate deles com aquele dragão prateado do qual vos falei ― e ele abrirá as comportas do céu.

O rei ficou meio desconfiado, mas acedeu. Afinal, o que perderia se não desse certo? Não custava tentar.

Assim fez o feiticeiro. Abriu a sua sacola, cantou mantras, recitou encantamentos e rabiscou na terra signos e símbolos estranhos e misteriosos. Depois fechou a sacola e tornou a recitar, a cantar, a dançar e a rabiscar incompreensíveis garatujas no chão. 

Terminado os rituais, ele abriu a sacola novamente e o espaço aéreo do reino encheu-se imediatamente de carregadas nuvens negras. Relâmpagos rasgaram o céu por todos os lados e não demorou muito uma copiosa chuva desabou sobre o país inteiro. Choveu por muitos dias e os rios voltaram a correr em seus leitos, as plantas começaram a brotar na terra, as pessoas a replantar suas lavouras e a vida voltou a sorrir para todos.

Então o feiticeiro voltou ao palácio para cobrar do rei o seu pagamento.

― Majestade, vós me deveis duzentas moedas de ouro ― disse o feiticeiro.

― O que? ―, respondeu o rei. ―Duzentas moedas por um truque de mágica? Quem garante que foram os vossos encantamentos que trouxeram a chuva de volta e não a própria natureza que resolveu abençoar novamente a nossa terra? Podeis provar que foi a vossa mágica a responsável por esse resultado? ― perguntou, sarcasticamente, o monarca.

― Quando estáveis necessitados não pedistes nenhuma prova do meu poder ― disse o feiticeiro. Por que agora, que tendes o que pedistes, estais a exigir tal prova como obrigação para que eu possa receber o que me deveis? ― respondeu o feiticeiro.

―Não quero ser logrado ― respondeu o rei ― pagando tão caro por uma farsa. 

―Que vos importa como as coisas acontecem, se elas acontecem conforme a vossa necessidade e desejo? ― Acaso não recebestes o que contratastes?

―Sim, mas eu quero saber pelo que estou pagando ― insistiu o rei.

―Então não me pagareis se eu não vos der essa prova?

―Não ― respondeu o rei.

― Se não cumpris vossa palavra, então não mereceis o resultado ― disse o feiticeiro. ― As árvores não perguntam de onde, nem de quem, nem como vêm a chuva ou o sol que as alimenta. E, no entanto, pagam pontualmente os frutos que devem. A terra não sabe quem lhe dá a água que a nutre, e nem por isso sonega a parte que lhe cabe pagar. Mares e rios não se importam em saber de onde vem e como são produzidas as fontes que os alimentam; mas nunca negam o alimento para a vida que neles se hospeda. Se vós entendeis que saber por que pagais é mais importante que o bem que recebestes, ficai com a vossa sabedoria. Tentai sobreviver com ela. O que fiz posso muito bem desfazer. 

Então o feiticeiro transformou-se num grande dragão prateado e voou, desaparecendo no céu já sem nuvens e seco como o ar do deserto. 

E nunca mais choveu naquela terra.

 


DO LIVRO ' EINS SOPH AUR"- A ESTRELA FLAMEJANTE -INTRODUÇÃO Á CABALÁ FILOSÓFICA, NO PRELO